Você salvou minha pele

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Desci do metrô e corri para fora da estação. Àquela altura, pouco me importava o que qualquer pessoa poderia pensar ao ver uma garota saindo correndo no meio de uma estação lotada. Se quisessem chamar os guardas que chamassem, eu não ligava. Se eu pudesse chegar em casa logo, tudo bem. Valia o risco.

Chegar em casa. Era um objetivo simples, mas que naquele momento parecia algo praticamente impossível. O caminho parecia grande demais. O mundo parecia grande demais, cheio demais, barulhento demais. Não importava para onde eu olhasse, havia alguém ali, e uma sombra perto dessa pessoa. Havia sombras em todos os lugares. O mundo era todo sombras.

Eu continuei a correr até que meu corpo não aguentou mais, meus músculos pararam de responder e eu caí. Meus pulmões ardiam junto com a minha garganta como se eu tivesse engolido algo quente demais para mim, algo que agora meu corpo lutava para expelir.

Expandindo, explodindo.

Até o sangue no meu corpo fervia.

É como estar viva…

Se eu tivesse de dizer que estava bem, se eu tivesse de falar que não tinha acontecido nada, iria falhar. Falhar miseravelmente como uma criança que tenta esconder que roubou doce. Mesmo que eu tentasse com todas as minhas forças, qualquer pessoa iria saber que eu estava mentindo e eu não conseguiria não falar a verdade.

Então, por favor, todas as pessoas que estavam me vendo, nenhuma delas podia se aproximar da garota caída no chão. Que importa se ela está resfolegando e parece assustada? Deixassem-na em paz!

Se intrometer na vida alheia, olhar para os outros como se tivessem algum direito de julgar. Era sempre assim. Aquele tipo de olhar que jogava todas as culpas em cima de alguém, expurgava os maus do próprio corpo e os transferia irresponsavelmente para o alvo da vista. Era odioso. Era revoltante. Mas se isso significava que ninguém iria se aproximar, que fosse assim. Eu aguentaria todos os olhares de ódio do mundo só para ser deixada em paz.

Devo ter ficado caída ali por um bom tempo. Uma vez que minhas pernas melhoraram, me levantei e coloquei-as para trabalhar. Decidida a não parar até chegar em casa, disparei a correr. Cem, duzentos, trezentos metros. Eu poderia ter morrido com todo aquele esforço. Não seria exagero dizer que muitas pessoas morreriam por muito menos. Não eu, porém. Mesmo que eu corresse muito mais que aquilo que forçasse cada pedaço de mim a trabalhar a toda a sua potência, eu não iria morrer. Era assim que meu corpo operava. Eram as regras que ele seguia. E graças a essas regras, chegar em casa foi uma tarefa executada sem chamar mais atenção do que o estritamente necessário.

Depois de um dia problemático e cheio de coisas, depois de quase ser morta por uma serpente e descobrir que magia existe, eu estava outra vez pisando no limiar entre a minha casa e o resto do mundo. Procurei a minha chave na minha bolsa. E continuei procurando. E não parei de procurar, comecei a revirar minha bolsa, tirei tudo que tinha dentro dela para fora tentando encontrar aquela maldita chave, mas nada dela.

A chave não estava lá.

Mas um buraco estava. Um buraco bem no fundo da minha bolsa. Redondo e furado, vazado, tão grande que dava para ver o outro lado. Um buraco no fundo da minha bolsa. Provavelmente minha chave tinha caído dali.

Em outras palavras, estava trancada do lado de fora de casa.

Obrigada, fadas.

Demorou um pouco até eu perceber que nem tudo estava perdido. Ainda havia alguma esperança. Peguei meu celular e disquei o celular do meu pai. Esperei a ligação completar e…

“O número chamado está desligado ou fora da área de serviço”.

Ainda não era momento para desespero, porém. Restava uma alternativa. Dessa vez, disquei o número da minha mãe.

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