2 | El fantasma _ Árbol

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Amanheceu naquela enorme casa de tons pastéis e estranhamente o telefone tocou às nove horas despertando a família García. O telefone da sala soava como uma sirene em meio àquele silêncio matinal chamando alguém para fazê-lo se calar. Quase no último toque, Piro atendeu.

— Oi — disse Piro ainda sonolento.

— Bom dia. Desculpa por estarmos ligando assim tão cedo, mas é sobre o cão...

— O que houve com o Bold? — interrompeu Piro. Nesse momento todos já haviam descido para a sala e olhavam atentos para aquele aparelho ao pé do ouvido de Piro.

— Você é o dono do cão? — exclamou a moça do outro lado.

— Sim... Como ele está?

— Tinha algo de errado com o cão, parece que ele não estava dormindo. Tentamos de tudo, mas ele estava morto.

Em poucos segundos o telefone foi ao chão e Piro, sentado no sofá e com as mãos na cabeça, anunciou o que ninguém desejava saber naquela casa. Realmente Bold havia morrido para a tristeza daquela apática família. Clara subiu para seu quarto. Solano em sequência para o seu também e Amaya continuou na sala por alguns minutos, mas logo estaria sentada à mesa, preparando um mate.

— Desculpa! — disse Piro ao pegar o aparelho novamente.

— Sim, compreendo. Quem poderá vir à clínica pagar a conta e retirar o cachorro?

— Logo chegarei aí! — colocou o telefone em sua base.

Quem era aquela mulher para, naquele momento, se preocupar em dinheiro. Mesmo naquela aguda crise financeira esse ainda não era o problema. Piro ficou indignado com aquelas palavras.

Na casa pairava um ar sombrio quase sufocante. Cada um com sua dor particular, mas ninguém ousava partilhar. Especialmente essa manhã de domingo pontuaria a vida de cada residente daquela casa. Não seriam mais os mesmos, já não eram uma família convencional e mudariam mais e mais seus enfoques, o que os tornariam pessoas melhores... Ou não.

Cachorro morto

Cachorro retirado

Conta paga

Cachorro na sala

Tarde de domingo

Família arrasada, mas solenemente calada.

Aquela casa estava mais fria do que nunca ao entardecer. Cada integrante da família permanecia em seu quarto, seu próprio mundo, mas com algo em comum: eles pensavam em mudanças. A morte do animal não era apenas o que parecia. Algo mais havia acontecido com os membros daquela família. Sentiam um profundo vazio com uma cobertura densa de muita dor e culpa, que não os permitiam derramar as lágrimas que tanto desejavam. Ao menos economizavam o que futuramente distribuiriam em abundância.

Piro

Em seu quarto, contemplava a imagem de Bold em um porta-retrato. Ainda não tinha ligado para Mika, uma vez que queria ficar sozinho naquela tarde para organizar os pensamentos e compreender tudo aquilo.

Não conseguia esfumar a imagem impregnada de Bold em sua mente. Estava muito atordoado e sabia que precisava fazer algo, entretanto não sabia o quê. Mas em minutos decidiria realizar algo para se livrar de futuras autocobranças. Aflito, se remexia entre as cobertas. Aquela dor pontiaguda não lhe deixaria ficar como um morto, pois era assim que desejava ficar e nada mais. Fazia biologia e aquilo, até o momento, não o fascinava o bastante, mas iria fazer de tudo para mudar isso, precisava fazer algo importante. Em sua cabeça o seu pensamento era que Bold tinha morrido de câncer e descobriria algo que não fizesse mais ninguém sofrer, quem sabe a cura para Bold. Mesmo que tarde, precisava ajudar aquele cão. Lembrava-se da primeira vez que ele entrou para a família: Solano, seu pai, seu herói, entrando pela enorme porta da sala, trazendo consigo a felicidade passageira daquele povo. Aquilo era um presente para todos. Ele era um garoto de olhos brilhantes vendo aquele pequeno filhote desalinhado caminhando pela sala. Ainda lembrava-se claramente das palavras do seu pai: — Olha garotão, é para você ensinar a ele a ser um cão esperto, cuide bem dele, OK?

E o céu de Miramar?Where stories live. Discover now