001 - Invisível

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Capítulo 1

Invisível: Que não se pode ver, ou de que não se tem conhecimento.

Gwen sabia que essa definição tinha tudo a ver com ela.

Mas você não precisa ficar com pena da pobre garota. Na verdade, de pobre ela não tem nada. Ela pertence a uma família bastante rica e respeitada no círculo social que vive, Gwen tinha um lar repleto de amor e irmão para disputar a atenção dos pais. Ela era a terceira de cinco e amava tanto aos mais novos quanto aos mais velhos. Cada qual tinha sua particularidade talentosa em especial. Ao contrário dela, que tinha como único talento fazer coisas sem que ninguém percebesse. Então, logicamente, aos olhos de todos, ela não tinha nenhum talento.

Por um longo tempo tentou ser inteligente como sua irmã mais velha Dorothy, que aos 25 anos já tinha um importante cargo administrativo em uma multinacional a qual Gwen não conseguia pronunciar o nome direito, um marido que a amava com loucura e em breve um filho - ou filha - que fazia sua barriga crescer exponencialmente cada vez que Gwen a via.

Porém, sem nenhum sucesso brilhante na área intelectual, Gwen decidiu se voltar para doçura contagiante de sua irmã Kara, somente três anos mais velha que ela, que tinha o melhor coração do mundo e sempre se dedicava a ajudar a todos. Depois de umas semanas praticando boas ações, Gwen viu que nunca conseguiria desempenhar aquelas funções com a mesma alegria que Kara. O sorriso que ela forçou durante aquela época lhe deu um pouco de cãibra nas bochechas...

Sabia que não iria conseguir fazer os diversos esportes que Pierre, seu irmão de apenas 10 anos, por isso, nem tentou. Ele, apesar da pouca idade, ele já era um ótimo jogador e tinha um futuro promissor no tênis.

E finalmente, não precisou de mais que dois minutos observando sua pequena irmã Juliet de 8 anos, pra saber que não tinha fôlego para ser tão travessa e atrevida como ela.

Amava seus irmãos com todo o coração, porém não conseguiria ser como nenhum deles. Todos eram especiais de uma maneira diferente, mas ela... Era apenas ela.

Uma boa aluna, mas não a melhor. Tinha algumas amigas, mas não era melhor amiga de ninguém. Não era má pessoa, mas também não era tão boa assim. Afinal de contas, uma pessoa com escrúpulos não enganaria a todos e levaria uma vida paralela como ela fazia.

Depois de alguns anos de tortura tentando parecer com alguém admirava, Gwen se deu por vencida e resolveu aceitar sua inclinação natural de não ser nada demais. Era importante encarar que não ser notada era seu destino e principal talento.

E com isso ela não demorou a descobrir que podia tirar certo proveito disso, seu anonimato tinha algo de bom e potencial para ser mutíssimo divertido. Na maioria das vezes passar despercebida pode ser um pouco constrangedor, mas tirando o desconforto inicial, quando já se está acostumada com isso, pode revelar coisas bastante interessantes. Muita mesmo! Você não teria idéia do tanto de coisa que já caiu acidentalmente nos ouvidos de Gwen.

Calcula-se que o bastante para comprometer metade do internato em que ela estuda.

Já viu a disciplinada Madre Superiora, diretora do internato, cometendo o pecado da gula em diversas ocasiões. Bombons de amêndoas era seu ponto fraco. Também já pode presenciar cenas em que estimados visitantes da instituição faziam coisas não-tão-estimáveis com as alunas do colégio. Até sua própria irmã, Kara, incluída nessa categoria, junto com seu atual noivo, Martin.

Gwen gostava de se lembrar de todos os segredos que ela via e ouvia. Assim não se sentia tão culpada com o seu: fugia regularmente do colégio e fazia isso com uma naturalidade muito imprópria de quem engana seguranças fortes e treinados em artes marciais.

Pensava de tempo em tempo em um dos seus segredos mais preciosos, ele aconteceu no ano passado, quando a menina mais intrigante do colégio começou a se aproximar do planejador de exteriores bonitão que trabalhou no colégio por uns tempos. Aquele foi um mistério que por alguns meses só Gwen tinha conhecimento, mas hoje em dia era de conhecimento público que Laura Linton tinha fugido do colégio no dia seguinte da sua formatura para viver com o homem que trabalhou no jardim da escola.

Com a informação privilegiada de Gwen, ela poderia ter impedido a fuga, prevenido o escândalo. Porém simplesmente não fez, não fez porque não quis. Isso era ou não era atitude de uma pessoa boa? Que contribui com o amor? Era sim! Ela gostava de reforçar essa ideia sempre que se preparava para uma fuga ilícita. E naquele momento ela vigiava por trás dos arbustos esperando a hora certa de entrar em ação. Quando a hora chegou, Gwen saiu de seu esconderijo com habilidade conseguida por meio de muita prática e não teve dificuldades em cumprir o seu objetivo: ser livre do internato, ao menos por essa tarde.

Seu destino era o mesmo de todas as outras fugas. Sua casa. Mas não sua casa que todos conheciam, a que morava com os pais e com os irmãos nos fim de semana. Não. Ela estava indo para Sua Casa, que ela mesma achou, se apropriou e posteriormente decorou.

O tempo na serra era uma coisa bastante ingrata, em poucos minutos o sol fraco que iluminava parcamente as redondezas se transformou num aglomerado de nuvens cinzentas que chovia fino sobre Gwen e seus novos artigos decorativos para Sua Casa.

Que droga... Seria muito pedir um pouquinho de sorte?


**

Indo em direção a serra mas sem nenhum destino específico Justin dirigia numa velocidade muito além da permitida. No rádio, uma música muito mais alta do que o aceitável. Era mais ou menos assim que a situação ficava depois de quase todas as brigas que ele tinha com seu pai. Ele terminava irritado, desgastado e sem perspectiva de achar uma solução.

Seu pai falava que ele tinha que virar homem e assumir os negócios da família junto dele. Justin por sua vez achava que sua vida estava boa como estava. Boas festas, bons amigos e boas mulheres também. Mas, de alguma forma, depois dessas discussões com o grande dono do Império Hockfiel, nenhuma das suas diversões era o bastante para restabelecer sua calma. Na verdade, nada era capaz de ajudá-lo naqueles momentos. Por isso sempre acabava fugindo. Quase voar com o carro na pista era sua forma de fugir.

Talvez seu pai tivesse razão, pode ser que ele precisasse crescer. O problema era que ele não queria. E pisou mais fundo no acelerador.

Ao chegar no topo da serra já se sentia um pouco mais calmo, até porque, com uma estrada tão sinuosa como aquela e ainda mais naquela chuva, seria impossível manter a velocidade de minutos atrás. Cantava sua parte preferida de sua música favorita quando mal percebeu um vulto que estava bem no meio do seu caminho.

Por puro instinto pisou no freio o mais forte possível e o carro parou bruscamente. Mas não tão rápido quanto Justin precisava, pois o vulto desapareceu de sua vista.

Meu Deus, será que ele tinha matado o vulto?

Invisível (PRÉVIA)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora