Jegwaká: o Clã do centro da T...

By VaniadaSilva2

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🏆Prêmio "Melhores de 2019"🏆 Na úmida, densa e fechada floresta tropical, em tempos antigos, antes da chegad... More

Depoimentos sobre Jegwaká
Book Trailer: "Jegwaká: o clã do centro da Terra"
Sinopse
Prólogo
1 (parte a). Uma maloca no centro da Terra
1 (parte b). O mundo invisível de Jegwaká
2. Entre diferentes mundos
3a. Reclusão (Kunhã Rendy)
3b. Reclusão: tempo de aprendizado (Kunhã Rendy)
4. Iniciação (Avá Verá)
5. Tempos de cuidado (Kunhã Rendy)
6. Na fronteira do território (Avá Verá)
7. Kunhataĩ-ma: tornando-me uma moça (Kunhã Rendy)
8. Entre flechas cruzadas (Avá Verá)
9. Ele... de novo... (Kunhã Rendy)
9b. Tempos de cuidado (Kunhã Rendy)
10a. Em casa (Avá Verá)
10b. Amay (Avá Verá)
11a. Descobertas (Kunhã Rendy)
11b. O patamar celestial (Kunhã Rendy)
12a: Tempos de crise (Avá Verá)
12b. Peabiru: nos caminhos de Sumé (Avá Verá)
13. Incêndio e ódio
13b. Feridos no corpo e na alma (Kunhã Rendy)
14a. Incêndio e luz (Avá Verá)
14b. Reencontro (Avá Verá)
15a. Um novo dia (Kunhã Rendy)
15b. E agora? (Kunhã Rendy)
16a. Quase perdido (Avá Verá)
16b. Perdido (Avá Verá)
17a. Entre dois amores (kunhã Rendy)
17b. Entre dois amores (Kunhã Rendy)
18a. Novos conhecimentos (Avá Verá)
18b. Pa'i Sumé (Avá Verá)
19a. Novos amigos (Kunhã Rendy)
19b. Anhangá... (Kunhã Rendy)
20. Mitã'ĩ (Narrado por Adornado)
20b. Mita'ĩ e Xaxĩ Xaterê (narrado por Adornado)
21a. A sinistra selva virgem (narrado por Adornado)
21b. Seres sombrios (narrado por Adornado)
22a. Sobre seres e magia (Kunhã Rendy)
22b. Seres da selva virgem (kunhã Rendy)
23a. Sobre profecias e sortilégios (Kunhã Rendy)
23b. Sobre profecias e sortilégios (Kunhã Rendy)
24a. O caminho das flores (Avá Verá)
24b. O caminho das flores (Avá Verá)
24c. Uma casa grande em meio à floresta (Avá Verá)
25a. Em território estranho - (Avá Verá)
25b. Em território estranho (Ava Vera)
26a. Engano (Kunhã Rendy)
26b. Dança macabra (Kunhã Rendy)
28a: Enfrentando o caminho (Avá Verá)
28b. Enfrentando o caminho (Avá Verá)
29. Quer guavira, mamãe? (Avá Verá)
30. De volta à Terra sem Males (Potyrã)
31. Um confronto de seres imortais (Avá Verá)
32a. No campo das guaviras (Avá Verá)
32b. No campo das guaviras (Avá Verá)
33. Nas garras do grande jaguar preto (Kunhã Rendy)
34a. No desfiladeiro com os Jagwarete ypy (Avá Verá)
34b- No desfiladeiro
35. A jovem prenhe
36. O território do clã Jacu Ypy (Avá Verá)
37. Sobre cores e enfeites (kunhã Rendy)
38. Sobre nomes e rolos eternos (Avá Verá)
39. Sobre nomes e rolos eternos - 2 (Kunhã Rendy)
40. Adornado, quem é você afinal? (kunhã Rendy)
40b. Final (Kunhã Rendy)
Epílogo
Booktrailer 2
Uma indicação de um outro livro meu
O livro Jegwaká só para você
O que vem por aí

27. Sobre atos e consequências (Avá Verá)

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By VaniadaSilva2


"A culpa é minha. A culpa é minha. Se acontecer alguma coisa com alguma delas, a culpa é minha. Totalmente minha". Este é o meu único pensamento enquanto corro o mais rápido que posso conduzindo meu irmão. Toda culpa será minha. E todo o meu ser me indica que está acontecendo alguma coisa com elas. Minhas sensações e meus pensamentos me mostram isso. "Elas vão morrer! E a culpa será minha, toda minha".

Pego meu irmãozinho e o ajudo a pular um galho que aparece na nossa frente e depois volto a conduzi-lo pela mão, praticamente arrastando-o. Se eu estivesse sozinho, já estaria lá, com certeza. Mas como eu poderia deixar meu irmão para trás? Não! Jamais posso fazer isso. Chega de tanta burrada. Já fiz muitas, esses dias. E se acontecer algo de ruim com minha mãe e irmã, a culpa será toda minha e da irresponsabilidade de meus atos.

Queimam em minha mente as palavras do rapaz do clã Jacu Ypy: "se quer salvar sua mãe e irmã, você tem que voltar rapidamente à casa grande onde vocês as deixaram. Ainda assim, acho que não chegará mais a tempo. Um preço muito grande será cobrado de você, por ter enganado sua família e tê-la trazido a este local. Você conhecia o caminho certo, esta informação lhe foi passada com precisão. Mas preferiu se deixar levar pela raiva e os conduziu a este território ermo e desconhecido a vocês".

Estou agoniado. Lágrimas querem descer por meu rosto. Mas não posso deixá-las cair. Não aqui, não agora. Agora tenho que correr. Tenho que chegar a tempo. Xe Járy! Me ajuda a chegar a tempo!

— Ai!!

O grito de dor é de meu irmãozinho. Tropeçou em uma raiz e, ainda que segurando em minha mão, tombou para frente. Sua perna raspa em um pedaço de galho quebrado, com pontas aparentes. E sangue começa a escorrer. Mitã'ĩ começa a chorar.

Paro de correr e abaixo perto dele. Droga! Por que agora? O que eu faço? Retiro meu ku'akwaha, cinto que vai sobre os panos que meu clã usa sobre o corpo da cintura até perto do joelho, e coloco sobre a ferida de meu irmão. Puxo um cipó pequeno de uma árvore próximo, corto com minha faca e prendo minha "saia". Agora acho que vou ter que levar meu irmão nas costas.

— Vem, xe kyvy. – Digo. – Sobe em minhas costas.

Ele vem, eu abaixo, e ele sobe. Saímos de novo e continuamos. Tenho urgência, tenho pressa. Preciso chegar a tempo. Não sei a tempo do que. Mas preciso chegar. Os meus pensamentos, a fala do rapaz Jacu Ypy, as minhas sensações... Tudo pulsando a uma só tempo, a um só ritmo. Com força intensa.

***

A casa grande! Finalmente chegamos à casa grande. Assim que estramos no pátio, coloco meu irmão no chão e corro para a casa. Entro. Por instantes, não consigo visualizar nada. A claridade externa contrastando com a falta de luz do interior da casa. Mas assim que meus olhos conseguem se adaptar à falta de claridade olho e vejo. As duas mulheres estão ali. A moça chora na rede. Olho para ela. Ela mexe com os panos de sua saia, apertando-o entre seus dedos. Ela se vira para mim. Seus olhos estão roxos, feridos e inchados. Há um misto de pânico, medo e desespero no olhar dela. Talvez uma agonia, uma urgência. Ela treme muito, consigo ver isso em suas mãos na roupa... Xe Járy, há sangue nela! Sim!! Há sangue em seu corpo. Sangue escorre por suas pernas. Xe Járy, o que houve aqui?!!!

Me viro para o outro lado. A velha está caída no chão de costas para mim. Parece estar desacordada. Não sei se ela me viu, ou se deu conta da minha presença, mas acho que não.

— O que houve aqui? – pergunto para a moça. – Cadê minha mãe e irmã?

— Eles a levaram. Você chegou tarde. Você não devia ter trazido elas para cá.

Xe ryke'y! – Mitã'ĩ atravessa a porta e entra na casa.

— Estou aqui, mano. – E voltando-me novamente para a jovem. – Cadê elas? Onde elas estão? O que aconteceu aqui?

— Elas foram levadas pelos homens. Eles, os homens, sempre levam as mulheres. Foi assim com todas. Eles não gostam de mulheres. Foi assim com minha mãe, quando chegamos aqui. Eles a levaram – sua voz soa embargada e apagada. – Ela nunca mais voltou.

"Xe Járy!", eu penso. Meus pensamentos e sentimentos se embaralham, se misturam, trazendo confusão à minha mente.

— Para onde as levaram? Por amor de Nhande Járy, para onde as levaram?

— Para o lado do sol poente – e agora o murmúrio de voz vem do outro, da avó. – Corre, filho! Vai lá. Quem sabe você ainda as salva?

— Não! – diz a jovem. – Eles vão matar vocês também! Vocês não conseguirão salvá-las e morrerão também.

Morrer! Xe Járy, morrer não!

— Fica aqui, Mitã'ĩ, eu vou lá. Fica aqui com a moça. Eu vou lá. Mas você é pequeno. Não dá para ir comigo.

— Mas eu quero ir! – insiste meu irmãozinho, em um apelo, quase em desespero. – Eu não quero ficar aqui. Quero minha mãe.

Eu não sei o que fazer, não sei como agir. Na verdade, não sei se é bom meu irmão ficar. Ou se é melhor ele ir. Eu acho que estou indo para a minha morte. E se ele, for também será a morte dele. Mas se minha mãe e irmã estiverem mortas, como meu coração e sentimentos acusam, e se eu também morrer, o que vai ser de meu irmão aqui sozinho? Não! Ele vai comigo. O destino meu dele é o meu destino. Não vou deixá-lo longe de mim. Vou levá-lo onde eu for. Somos irmãos e somos mais fortes juntos. Sempre.

— Então vem. – Digo. – Sobe em minhas costas de novo.

Dizendo isso, me abaixo novamente e o coloco em minhas costas. Saio pela porta lateral e viro-me para o lado do sol poente. E ao me deparar com o que vejo do outro lado, percebo que houve uma luta ali. Há galhos quebrado, sinais de sangue, folhagens amassadas. Não preciso de muita concentração para saber por onde foram. Os sinais são claros. Xe Járy, me ajude. Clamo em voz baixa. Não tenho tempo para um clamor maior ou para um maior preparo. Espero que meu dono me ouça ainda assim, pois acho que vou precisar muito.

— Cuidado que o rio tem o barranco alto e as águas são fortes! – a moça aparece na ponta da casa e grita para mim. – Também tem pedra cortante lá. Eles devem estar do outro lado. Eles sempre levam as vítimas para o outro lado. Lá tem uma clareira. Lá eles colocam seus prisioneiros em jaulas de madeira para o dia que os quiserem.

Olho para moça e vejo agoniado que ela mal se mantém de pé. Seu corpo todo treme. Ela está nitidamente com muita dor e fraca. Sangue escorre por suas pernas. "Xe Járy, os bebês que ela está esperando! Cuida dos bebês dela!", clamo saindo em disparada.

Rio, correnteza, pedras, clareira... Vou repassando o que a grávida me disse. Para não esquecer. Para não me desesperar. Para não perder a razão. Vítimas, clareira, jaulas... E as mãos de meu irmãozinho, cruzadas na frente de meu pescoço o apertam, me sufocam. Dou um impulso com o corpinho dele, erguendo mais, afrouxando o meu pescoço.

Seguimos por instantes mata adentro. Instantes, horas, não sei. Não consigo dar conta das coisas. Minha cabeça é um emaranhado de pensamentos, meu corpo um complexo de sensações. Sei que andamos muito porque vou ficando muito cansado. O calor sufocante provocado pelo calor na floresta úmida faz escorrer suor de meu corpo e de Mitã'ĩ. As mãozinhas dele em meu pescoço deslizam e se desprendem uma da outra de quando em quando. Tenho sempre que fazer um impulso de reerguê-lo, colocando-o de novo de forma que não me enforque.

Um som conhecido chega aos meus ouvidos. O rio. Estamos chegando perto do rio. Correnteza, pedras, barranco alto e as águas fortes. Me lembro bem das palavras da moça. Paro de correr. Coloco meu irmão no chão e pego em sua mão. Preciso tomar cuidado agora. Não dá para arriscar despencar em um barranco alto e cair em um rio cheio de pedras. Vamos indo com bastante cuidado. E então o vejo. O rio. Ele está lá embaixo! O barranco é mais alto que eu imaginei, a correnteza forte batendo nas pedras produz uma espuma entranha. O rio está muito sujo. E agora, como vamos fazer? Descer pelo barranco com Mitã'ĩ não será fácil e atravessar o rio será ainda mais difícil, penso.

Percebo cipós nas árvores próximas. Alguns pendem na ribanceira. Mas como há muita vegetação, galhos, espinheiros, não posso garantir onde vá dar. Mas não tenho muitas opções. Experimento a firmeza de um dos que penso ser dos maiores. É forte, acho que vai dar.

— Vem, Mitã'ĩ – digo. – Você vai subir em minhas costas de novo. E agora vai ter que se segurar sozinho e bem forte.

— Tá bom – ele diz.

Acho que não posso confiar só nele segurar em mim. Rapidamente corto algumas embiras. Coloco-o em minhas costas e o amarro a mim, passando embiras sob seus braços e amarrando em meu peito. Seguro no cipó que experimentei e desço por ele.

Descer por cipós não é tão difícil para mim. Já treinei isso muito em minha iniciação. O que complica mais é descer com meu irmãozinho às costas. Mas também acho que consigo fazer isso. E faço. Com cuidado, segurando no cipó com as mãos e com os pés na margem a pique desço sem muita dificuldade.

Solto o cipó e me deixo cair na água com meu irmãozinho. Ele continua segurando firme em mim. A água está suja, cheia de coisas que passam por mim, se prendendo ao meu corpo, pés e braços. O cheiro é horrível, parecido com carniça. Deve ser carniça que a enxurrada arrastou para o rio. Sinto muito nojo, mas me concentro no que tenho de fazer: atravessar o rio. Então vou dando braçadas firmes e fortes. Tentando me desviar de pedras e me desvencilhar das coisas que vão se apegando a mim.

Já do outro lado, me agarro a galhos que se dependuram sobre o rio. Me movimento seguindo agarrado a eles e logo consigo sair e me colocar em terra firme com mitã'ĩ. Imediatamente vejo que há muitos rastros e outros sinais de seres humanos por ali. Inclusive pedaços de cipós e embira. Já suponho, com tristeza, que minha mãe e irmãs foram pegas ali, e que dali já saíram amarradas. Olho com atenção para saber para onde foram e assim definir que direção tomar.

— Vem – digo para meu irmãozinho, que eu havia descido e que estava atento ao que eu fazia.

Coloco ele novamente em minhas costas, e ele se agarra a mim com firmeza. Entro na mata seguindo o caminho deixado dentro da floresta. Logo chegamos a uma clareira e vejo o movimento de pessoas ali. Coloco meu irmão no chão, indicando que ele fique em silêncio. No meio da pequena clareira, sobre um fogo, carne é assada. Vários homens do clã Jagwaretê Ypy comem pedaços de algum animal que assam ali mesmo. De algumas bocas, escorre sangue. Eles estão como que tomados, como que em um frenesi.

Ainda em silêncio, continuo olhando para ver se encontro minha mãe e irmã. Preciso verificar com certeza se elas estão por aqui. Mas então, a visão que tenho é a pior coisa que já vi em minha vida... Noto ossadas por toda parte. Algumas delas ainda com restos de carne que são disputados por diferentes animais. Então vejo coisas que não consigo dizer exatamente o que são no princípio, mas então percebo que são estacas. Por toda parte há estacas fincadas no chão. E nelas estão pendurados restos de corpos, aparentemente humanos... Xe Járy, o que é isso? O que está acontecendo aqui?

E, de um lado, finalmente vejo uma espécie de jaula e dentro dela minha irmã inerte, caída no chão. Será que está desmaiada? E minha mãe onde será que está minha mãe?

Olho com mais atenção o movimento dos homens e só então me dou conta do que, realmente está acontecendo ali. Sobre uma espécie de pedra lisa, que está sobre um fogo, o animal que está sendo assado não é, necessariamente, um animal. Ainda que cortado em partes, consigo perceber partes que podem ser pernas, pés e o corpo de um ser humano.

Meu coração se agita, meu estômago dá nós. Começo a tremer agitadamente quando finalmente me dou conta que os restos ali são de uma mulher. E consigo ver... é minha mãe! Eles estão se banqueteando comendo o corpo de minha mãe.  

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2163 palavras 

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