20b. Mita'ĩ e Xaxĩ Xaterê (narrado por Adornado)

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Os pássaros nas árvores estão agitados. Outros animais também. Galhos balançam, folhas secas caem. É como se houvesse um vento forte, uma perseguição imperceptível. Mas Mitã'ĩ  não percebe, não se dá conta. Segue com a criatura. De mãos dadas a Xaxī Xaterê. Alguns animais vêm em disparada em direção contrária ao ser e ao menino. Também se desviam ao verem a criatura. Parecem acuados. Tem mais alguma coisa errada acontecendo na floresta. Tem alguma coisa à frente, na direção para onde o pequeno está sendo conduzido.

Sua mãozinha sente a textura da outra mão. É estranha, diferente. Não é como as mãos que ele conhece. Não é como a mão de sua mãe, de sua irmã. Não tem a firmeza e não demonstra o cuidado e segurança da mão do irmão. Ele olha a criatura, fita-a. A criatura é estranha. Tem algo nela que amedronta Mitã'ĩ. Talvez os olhos, que mudam de cor e brilham, dissimulados, diferentes de tudo que ele já viu. Talvez o rosto que parece carregado de um mal, apesar de tentar transparecer carinho, como uma dor na barriga sem explicação.

De repente, o menino sente medo. Não quer mais continuar com o ser. Para. Puxa sua mão. Quer se soltar. A criatura o segura com força, olhando-o com uma raiva indisfarçável, o pequeno não consegue desvencilhar-se do aperto.

— Você está me machucando! – choraminga Mitã'ĩ.

A criatura o olha. Seus olhos agora, em um tom escuro avermelhado, estão cruéis. O menino vê. Sente. Entende. Puxa sua mão com força, mas a mão o machuca, segurando fortemente. Ele continua sendo conduzido, agora está sendo quase arrastado. Seu coraçãozinho pulsa agitado. As mãozinhas suam. Ele solta a atiradeira. Deixa-a cair no solo. A criatura não percebe isso. Continua seu caminho através da mata escura.

A pequena criança pensa na mãe, no irmão, na irmã e nos outros que estão na caverna. Ele quer voltar para eles. Tenta novamente puxar a mão. Mas a força e impulso que emprega no sentido de se libertar só faz a criatura apertar ainda mais sua mãozinha. Não é mais uma mão e sim uma garra. E agora ele o segura pelo pulso. Segura apertando. Com firmeza.

— Me larga! – ele grita – Me solta!

A unha da criatura entra em sua mão. Penetra. O menino grita, chora:

Xe sy! Xe rendy! – Ele chama por sua mãe e por sua irmã.

A criatura se agita. Segura mais firmemente a mãozinha. Dá um baque firmando ainda mais. O menino puxa, quer se livrar. Puxa mais forte. Dá um arranque forte com seu braço e mão. Nada acontece.

O medo toma conta do garoto. Seu coração acelera, seu corpo treme. Ele firma os pezinhos no chão e tenta puxar, o desespero em seus olhos úmidos. A criatura está irritada. Já não tem mais paciência, já não quer mais se passar por bonzinho e toca-o na testa.

Então Mitã'ĩ  perde as forças. Suas pernas, moles, já não conseguem sustentar o seu corpo, a criança cai desfalecida.

A criatura o observa no chão. O menino está mole, a respiração descompassada, quieto. Os olhos do ser mudam de cor de novo. Ele se abaixa, cheira o menino. Passa o dedo em seu rosto e peito, lambe em seguida. Inspira o cheiro do garoto e um prazer macabro se vê em seu semblante.

Ele se levanta e dá uma risada:

— Meu! Ele é meu!

E sua voz gutural atravessa o verde intenso das copas das árvores. Os pássaros voam em bandos, animais fogem. Nada permanece ali para testemunhar o que ele vai fazer.

Ele se abaixa novamente, pega a criança. A ergue com facilidade e coloca dependurada em seus ombros. Uma criança humana não teria essa força. E muito menos essa habilidade. Ele olha em volta e sai correndo. Seus pés transitam rapidamente em meio às árvores, como se fossem fumaça ou um rio verde, que ele conhecia bem.

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Onde as histórias ganham vida. Descobre agora