27. Sobre atos e consequências (Avá Verá)

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"A culpa é minha. A culpa é minha. Se acontecer alguma coisa com alguma delas, a culpa é minha. Totalmente minha". Este é o meu único pensamento enquanto corro o mais rápido que posso conduzindo meu irmão. Toda culpa será minha. E todo o meu ser me indica que está acontecendo alguma coisa com elas. Minhas sensações e meus pensamentos me mostram isso. "Elas vão morrer! E a culpa será minha, toda minha".

Pego meu irmãozinho e o ajudo a pular um galho que aparece na nossa frente e depois volto a conduzi-lo pela mão, praticamente arrastando-o. Se eu estivesse sozinho, já estaria lá, com certeza. Mas como eu poderia deixar meu irmão para trás? Não! Jamais posso fazer isso. Chega de tanta burrada. Já fiz muitas, esses dias. E se acontecer algo de ruim com minha mãe e irmã, a culpa será toda minha e da irresponsabilidade de meus atos.

Queimam em minha mente as palavras do rapaz do clã Jacu Ypy: "se quer salvar sua mãe e irmã, você tem que voltar rapidamente à casa grande onde vocês as deixaram. Ainda assim, acho que não chegará mais a tempo. Um preço muito grande será cobrado de você, por ter enganado sua família e tê-la trazido a este local. Você conhecia o caminho certo, esta informação lhe foi passada com precisão. Mas preferiu se deixar levar pela raiva e os conduziu a este território ermo e desconhecido a vocês".

Estou agoniado. Lágrimas querem descer por meu rosto. Mas não posso deixá-las cair. Não aqui, não agora. Agora tenho que correr. Tenho que chegar a tempo. Xe Járy! Me ajuda a chegar a tempo!

— Ai!!

O grito de dor é de meu irmãozinho. Tropeçou em uma raiz e, ainda que segurando em minha mão, tombou para frente. Sua perna raspa em um pedaço de galho quebrado, com pontas aparentes. E sangue começa a escorrer. Mitã'ĩ começa a chorar.

Paro de correr e abaixo perto dele. Droga! Por que agora? O que eu faço? Retiro meu ku'akwaha, cinto que vai sobre os panos que meu clã usa sobre o corpo da cintura até perto do joelho, e coloco sobre a ferida de meu irmão. Puxo um cipó pequeno de uma árvore próximo, corto com minha faca e prendo minha "saia". Agora acho que vou ter que levar meu irmão nas costas.

— Vem, xe kyvy. – Digo. – Sobe em minhas costas.

Ele vem, eu abaixo, e ele sobe. Saímos de novo e continuamos. Tenho urgência, tenho pressa. Preciso chegar a tempo. Não sei a tempo do que. Mas preciso chegar. Os meus pensamentos, a fala do rapaz Jacu Ypy, as minhas sensações... Tudo pulsando a uma só tempo, a um só ritmo. Com força intensa.

***

A casa grande! Finalmente chegamos à casa grande. Assim que estramos no pátio, coloco meu irmão no chão e corro para a casa. Entro. Por instantes, não consigo visualizar nada. A claridade externa contrastando com a falta de luz do interior da casa. Mas assim que meus olhos conseguem se adaptar à falta de claridade olho e vejo. As duas mulheres estão ali. A moça chora na rede. Olho para ela. Ela mexe com os panos de sua saia, apertando-o entre seus dedos. Ela se vira para mim. Seus olhos estão roxos, feridos e inchados. Há um misto de pânico, medo e desespero no olhar dela. Talvez uma agonia, uma urgência. Ela treme muito, consigo ver isso em suas mãos na roupa... Xe Járy, há sangue nela! Sim!! Há sangue em seu corpo. Sangue escorre por suas pernas. Xe Járy, o que houve aqui?!!!

Me viro para o outro lado. A velha está caída no chão de costas para mim. Parece estar desacordada. Não sei se ela me viu, ou se deu conta da minha presença, mas acho que não.

— O que houve aqui? – pergunto para a moça. – Cadê minha mãe e irmã?

— Eles a levaram. Você chegou tarde. Você não devia ter trazido elas para cá.

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Onde as histórias ganham vida. Descobre agora