40b. Final (Kunhã Rendy)

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Olho para ele, meus olhos tentam perscrutar os dele. Mas, de novo, se perdem nos dele. Não consigo ser racional. Ainda que seja isso, que seja feitiço, neste momento eu não me importo, não ligo. Ainda que ele queira a minha destruição, neste momento isso não faz sentido para mim. Tudo o que eu quero é que ele retome o toque, as carícias, o beijo. Ah, Adornado, agora sou eu quem diz interiormente: O que você fez comigo?

— Sim, menina, eu te enfeiticei! – e ele se aproxima de novo, toma minha cabeça em suas mãos, me atraindo a ele – Te enfeiticei porque é isso que sei fazer, essa é minha natureza, a isso eu fui designado. Te enfeiticei porque eu tinha que o fazer!

Novamente os seus lábios tocam os meus. Inicialmente só um toque. Então seus lábios tomam os meus. E o beijo volta a ser intenso, sôfrego. Seu corpo se aproxima, se encosta ao meu. É um corpo quente, cheio de desejo. Eu sei, eu sinto. E o meu corpo também transpira desejo. Estou apertada entre ele e a árvore, o corpo dele sobre o meu, totalmente. Sua pele nua do peito sobre a minha, pele contra pele, corpo com corpo. E o sinto, sinto o seu desejo. Ou, pelo menos, o que penso ser desejo.

— E você está enfeitiçada! – ele fala com os lábios quase colados aos meus, seu corpo ainda forçando o meu, eu sentindo o calor de sua boca. – Você me quer, menina, porque está enfeitiçada. Eu não sou como você me vê! – seus lábios sussurram, roçando os meus, seu corpo subindo e descendo suavemente, delicadamente. Me fazendo o sentir totalmente. Um gemido sai de minha boca, não consigo ouvir o que ele me diz.

— Eu, agora – ele continua – Te tenho totalmente em minhas mãos. Você não consegue mais fugir disso. Você me deseja mais que tudo, não é? – e ele com os lábios sobre os meus, seu corpo deslizando em mim.

Um ardor toma conta de mim. Completamente. Correspondo ao beijo, ao deslizar do seu corpo. Sua perna entra entre as minhas, forçando-as suavemente a se abrirem. Seu beijo continua ofegante, ele subindo e descendo. Fazendo que tudo em mim vibre, se torne só desejo.

— Sabe o que temos que fazer com relação a isso? – ele continua sem se afastar, sem parar com o movimento sobre mim – Eu poderia arrancar suas vestes e te ter aqui mesmo. E você não me resistiria, né? – uma de suas mãos desliza em minha coxa, a outra entrando sob minha blusa. Em minha mente, imagino o caminho que irá fazer, até onde irá.

Ele força ainda mais o seu corpo sobre o meu, seu beijo e carícias cada vez mais intensos, exigentes. Não existe nada em mim que queira resistir a isso. Tudo em mim quer que ele faça o que suas mãos e corpo intentam fazer. Ele me aperta mais a ele.

— Menina, menina. Eu sei do seu desejo. Já vi isso muitas vezes. Já vi muitas vezes o quanto vocês, humanas, são frágeis. O quanto é fácil tê-las. Já fiz muitas estremecerem em meus braços, gemerem... E é o que eu poderia fazer agora com você. Eu sei que você se entregaria. Você não tem força para me resistir, Kunhã Rendy! Nenhuma menina na sua idade tem. – E ele usou o meu nome próprio... — Eu poderia fazer qualquer coisa que quisesse com você. Eu te tenho em minhas mãos.

Eu não tenho como fugir daquilo. Eu tenho certeza. Estou perdida, ele vai me ter. Vai mesmo fazer tudo o que quiser comigo.

— Mas sabe, Kunhã Rendy... Desta vez eu falhei! Sim! Falhei terrivelmente. Falhei comigo mesmo e com minha natureza. – Ele continua próximo, continua sua dança de prazer – Eu me apaixonei por você, menina. Desde a primeira vez em que te vi. Desde a primeira vez em que um ser maior e mais poderoso que eu me indicou você e disse em meu ouvido: "Logo ela vai entrar em seu estado quente. E você sabe o que tem que fazer. Não me importa os seus métodos. O que me importa é que você faça! Essa família tem de ser destruída!". Desde o momento em que te vi pela primeira vez, eu soube, menina, eu não conseguiria destruir você. Desta vez, o enfeitiçado fui eu. Desta vez, a ruína seria minha!

E então repentinamente ele se afasta de mim. Seu corpo se distancia, impondo um limite. Suas mãos tomam o meu rosto, mas agora ele não me toca com malícia. Ele agora parece muito mais um protetor.

— Sabe, moça, eu te desejo tão intensamente como você me deseja agora, e mais ainda. Mas eu não posso te ter assim. Não enfeitiçada. Com você nunca será por meio de um feitiço. Nunca! E mais que isso: sobre relacionamentos como este, pesam palavras eternas de impedimento. Pesam maldições. Você estaria para sempre perdida se eu te possuísse. Totalmente amaldiçoada. Seus filhos... nossos filhos, se nascessem, seriam monstros. E eles mesmo te destruiriam. Não há lugar no mundo para relação verdadeira entre uma humana e um Senhor das Larvas! – vira seu rosto, impedindo-me de olhá-lo. – Ou seja, não há como ter um relacionamento entre um imortal e uma mortal. Este amor é condenado, amaldiçoado, atrai morte e destruição. E sua morte, menina, seria a minha ruína e minha perdição.

E então ele se aproxima mais uma vez. Ainda com meu rosto em suas mãos me olha intensamente e disse:

— Kunhã Rendy, tudo o que você sente por mim é por causa de um feitiço. Mas determino que, a partir de agora, você veja como realmente sou. Kunhã Rendy, eu determino que, de agora em diante e até o tempo em que você tiver este nome, que você me veja somente como um Senhor de Larvas. Você terá medo de mim, me repelirá, se afastará, como devia ser desde o princípio. Ainda que se lembre de mim e de tudo que viveu comigo, ainda assim não estará mais apaixonada por mim. E a partir de agora, Kunhã Rendy, você não sentirá a minha falta, não me quererá por perto. Eu, Avá Poty, um Senhor de Larvas, determino.

Dizendo isso, desvia o olhar novamente, se afasta. Eu olho para ele e me sinto estranha, bem estranha. Como se estivesse voltando de algum lugar distante, cansada. Ele então diz:

— Volte à aldeia do clã Jacu Ypy, menina. Siga as orientações dos anciãos e xamãs. Eles têm o conhecimento, a sabedoria. Você e seus irmãos vão encontrar o pai de vocês e vão libertá-lo. O pai de vocês conhece o Deus, Dono de vocês. Ele sabe falar com ele. Ele, o Dono de vocês, pela intercessão do pai de vocês, lhes dará um novo nome. E então a maldição que pesa sobre vocês será quebrada. Com um nome novo, tudo isso passará. E vocês viverão uma vida longa e feliz, com nomes novos, com nova vida. Mas antes disso, ainda têm desafios a serem vencidos, provas pelas quais ainda têm de passar. Mas agora, Kunhã Rendy, eu te libero de todo sentimento de amor e paixão para comigo. Eu te libero do meu mal. Eu te liberto de mim. Vai em paz.

Dizendo isso, sopra em meu rosto e então se volta para a mata e sai correndo. Some entre a vegetação, como se fosse parte do verde. E eu me sinto estranha. Mudada. Então abano a cabeça confusa com essa sensação. Olho em volta e tudo parece ter um brilho novo, diferente. Me lembro do Senhor das Larvas. Um arrepio passa por mim, sinto nojo e medo. Saio correndo. Preciso chegar logo à aldeia. Antes que escureça. À noite, seres maléficos agem enfeitiçando meninas, destruindo vidas. Preciso logo estar na aldeia. Em segurança. 

1368 palavras 

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Onde as histórias ganham vida. Descobre agora