What Could Have Been

By ellebrocca

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Alcina Dimitrescu teve a infelicidade, ou talvez não, de sobreviver após a luta contra Ethan Winters sendo re... More

TEMPORADA 1 - O Corpo
Desconfianças
O Vilarejo
Dentro do Castelo
Primeiro Dia
Seguidas por Sombras
Descobertas
A Queda
Pistas e Suspeitas
Uma Boa Desculpa
A Máscara de Chris
O Plano de Miranda
Uma Verdade Dolorosa
Quem Sou Eu?
Um Recomeço
TEMPORADA 2 - Fragmentada
Lado Sombrio
Alianças
Fuga
No Meio da Noite
Última Chance
Adeus, Rosemary
TEMPORADA 3 - De Volta ao Lar
O Badalar dos Sinos
A Colheita
Donzela
Um Leve Deslize
Incertezas
O Beijo do Dragão
Conexões
Deixe-me Ficar
A Escolha de Rose
A Sua Mercê
Segundas Impressões
Os Bons Filhos A Casa Retornam
Tormenta
Mãe
TEMPORADA 4 - Apresentações
Bela, Daniela e Cassandra
Corra
Conquistas
Pobre Daniela
Profundas Cicatrizes
A Herdeira
Miss D and The Pallboys
A Monarca da Casa Dimitrescu
Megamiceto
O Parasita e a Hospedeira
Uma Dádiva
Domínio
O Dansă, Domnișoară?
A Chave

Mente Estilhaçada

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By ellebrocca

OI?! Capítulo novo em 1 semana?! Acho que bati o recorde de atualização ahahahah

Razões para isso: fogo no cool
A partir de agora, o jogo vai inverter. Hora de botar a Alcina pra por a mão na massa... Ou melhor, estilhaça-la para atingir carga total! O progresso de Lady Dimitrescu tem sua contagem regressiva ativada!
Obrigada por sempre comentarem nos capítulos, continuem ajudando para o reconhecimento da fanfic! (Mais tarde irei responder os comentários do cap anterior)
Lancei um manual de "headcanions" da Lady D, já deram uma conferida? Em breve eu atualizo para manter vocês informados e ajudá-los a criar suas histórias <3

Não deixem de ler as notas finais, há explicações para algumas das ideias que executei nesse capítulo!

Boa leitura e preparem os corações para altas emoções!

*****

Mente Estilhaçada

O par de mãos gigantes abrange a composição de Beethoven, e a galeria imensa encontrou-se evacuada de qualquer som, com a história finalizada. Alcina sustentou seu olhar nas teclas de marfim, enquanto Becca parecia estética ao seu lado, a olhando quase sem piscar, tão exasperada e intensa. No que ela poderia estar pensando sobre Alcina? A condessa parecia se arrepender cada vez que os minutos passavam e nenhuma palavra era proferida por Becca, sentindo-se julgada com seu olhar sufocante.

Alcina engole seco, sem desviar do piano.

— Por favor, diga alguma coisa.

Becca não disse. A galeria recebe um silêncio ensurdecedor, quase angustiante. Pela falta de resposta, Alcina quase se precipitou em se oferecer para abrigar Becca e sua irmã na cidade — acreditando ser o lugar mais seguro fora do vilarejo, onde Miranda não as encontre —, quando de repente, os braços da loira se envolvem no seu. Becca chora, de maneira sufocante, contra ela. Alcina esperava de tudo; julgamento, raiva, até mesmo repulsa, qualquer coisa que pudesse expressar negatividade em seu ponto de vista.

Becca não a culpou. Becca não teve medo.

— Eu juro... Se eu estivesse lá, se tivesse existido uma única chance de ter te conhecido antes, eu mesma teria feito justiça com as minhas próprias mãos. — Becca delibera, um ódio repulsivo muito bem perceptível no abafo de sua voz grave. — Eu os caçaria, cada um deles! Te envolveria em meus braços, faria a loucura mais inimaginável só para ver seu sorriso, nem que eu precisasse sujar as mãos de sangue para isto!

Alcina inspira fundo.

— Você entende que eu destruí a minha humanidade, tudo que havia de mais humano em mim, só para fazê-los sangrar? Não foi só vingança, Becca. Eu matei mulheres inocentes. Eu matei a Pyetra.

Becca funga entre suspiros.

— Esta insinuando de que irá me machucar?

— Eu posso perder o controle, como já aconteceu uma vez. Se Miranda descobrir sobre você... — O resto das palavras entalam na garganta, e Becca continua em silêncio, esperando a justificativa de Alcina. — Eu não tive medo quando me sacrifiquei para salvar a Rose. Esse sentimento passou a surgir depois de você entrar na minha vida, e ficou ainda mais difícil quando a minha família se abrigou na casa da Donna. Tudo o que me é de mais valioso está aqui, neste vilarejo. Um pequeno erro, um leve deslize, por mais discreto que seja, e Miranda irá tirar tudo de mim num estralar de dedos.

Becca funga pela segunda vez.

— Você teme a Miranda. E você protege sua família. — Decreta Becca, mostrando sua face chorosa para Alcina. — Pessoas ruins simplesmente não sentem nada; elas não sentem amor, compaixão ou muito menos se importam com suas próprias ações. Se você fosse o monstro que acreditar ser, então por que não me matou quando soube de minhas intenções? Por que não me matou logo na colheita? Por que protegeu Rose durante todo esse tempo e por que se sacrificar por ela ao invés de entregá-la para Miranda?

— Isso não anula o que eu fiz no passado.

— Você foi torturada durante sua vida inteira, e Miranda se aproveitou disso para incentiva-la a sujar as mãos por ela. Não foi você que escolheu essa vida. O sangue era sua única forma de sobreviver, e se eu estivesse no seu lugar, mataria sem pensar duas vezes, só para me manter de pé. — O olhar de Becca transmitia sinceridade, e Alcina a olhou sem resposta. — Isso pode soar cruel vindo de mim, talvez até egoísta. Sinceramente, não me importa. Com excessão dos Morris, ninguém se importava de fato comigo. Eu poderia morrer congelada no inverno por não ter um abrigo e as pessoas pisariam no meu cadáver sem nem olharem para trás.

— Seria um caminho sem volta. — Esclarece Alcina. — A imortalidade tem um preço. E eu o paguei com a morte de centenas. — Becca a encara, pensativa, absorvendo seus sentimentos. — Você não deveria ignorar os fatos.

— Pelo contrário, eu os reconheço. Mas pouco me importa o que você foi no passado, eu me importo com o que você é no agora. — A mão de Becca alcança a mandíbula de Alcina, subindo seus dedos até os fios encaracolados no brinco de pérola. As safiras amareladas treme com seu toque quente. — Eu me ofereci na colheita com um propósito; matar a condessa que assombrou este vilarejo por décadas, recrutando moças para tornarem-se o seu banquete. No entanto, a Lady Dimitrescu que eu conheci não era quem eu esperava encontrar. Você é tão humana quanto eu. Nesses últimos meses eu vi uma mãe fazer de tudo para proteger suas filhas, e vi uma condessa que salvou sua empregada de ser morta por uma moroaica. Você me salvou duas vezes, Alcina. Se você realmente não tivesse algum vestígio de humanidade em seu ser, acredite, eu saberia e teria feito o seu fim com aquela adaga.

Os olhos dourados da condessa, ainda incrédulos, umedecem conforme suas bordas acumulam as lágrimas. Uma gota cristalina desce vagarosamente, no canto de seu olho direito.

— Como você pode ter certeza de que ainda não sou um monstro?

Becca sorriu com a pergunta, considerando sua preocupação um tanto boba com a prova escancarada em seu rosto. Com o polegar, a loira enxuga sua lágrima.

— Porque monstros não choram, Alcina. — Os olhos marejados de Becca acompanham os dela. — Seu coração sente amor, um sentimento que é unicamente humano. Você sente amor por suas filhas e por este castelo. Sente amor por Rose, por Chris, Donna... Pode até mesmo amar o estúpido do Heisenberg. — Elas riem juntas, por um breve período. Becca pareceu estar mais pensativa, um pouco receosa de continuar. Mas se ela não dissesse agora, poderia nunca mais ter a mesma coragem. — Só ainda não sei se esse amor pode me incluir também? Ao menos... Da mesma forma que eu a amo.

Alcina suspirou, mais precisamente, arfou com a confissão.

— Becca?

A loira morde a língua, entre tanto, preparada para declarar o óbvio — aquele sentimento que a acompanhou naqueles meses em que estivera próxima a Alcina:

— Sim, eu a amo. Não sei ao certo quando começou, mas é tão enérgico e inefável que um simples "eu te amo" não poderia expressar tudo o que sinto por você, Alcina.

— Becca mea. — Suspira a condessa, em choque. — Ouça o que está dizendo...

— Eu estou certa sobre a minha confissão, não é a primeira vez que este sentimento me envolve! — Becca se precipita, ainda mais certa de suas palavras. — Eu não só me apaixonei por você, eu também me apaixonei pelo castelo e tudo que há dentro dele. Suas filhas, a Margaret e seus irmãos, todos eles me fascinaram. Cada dia que passa eu me apego a essa família, e quero me tornar forte o suficiente para ser capaz de protegê-los. Eu era fraca demais para salvar a minha família, e vou me fortalecer para ser capaz de salvar a sua!

Alcina sorri sob a ponta de seus dedos. Graciosamente, sua mão gigante repousa por cima da pequena, bem próximo aos seus lábios avermelhados.

— Da nossa família. — Alcina a adiciona, confirmando seu amor por Becca em sua inclusão.

Para Becca já bastava. Ela não precisava ouvir um "eu te amo" dela, e nem mesmo criou expectativas. Era como se ela já conhecesse Alcina a mais tempo, reconhecendo sua demonstração de amor através dos seus olhos; em seu olhar há amor verdadeiro.

Ambas se inclinam, os lábios se encostando firmemente, o frio e calor se misturando num choque térmico viciante. O beijo prevalece por longos minutos, sem nenhuma insinuação de afastamento. E quando acaba, sorrisos apaixonados são expostos por ambas as faces cintilantes.

— E as meninas? — Investe Becca, curiosa sobre o dia em que Alcina tornou-se mãe. — Quando vocês se encontraram?

— Foi na colheita de 1950, a primeira feita no vilarejo. Entre as doze donzelas que selecionei, Bela, Daniela e Cassandra foram escaladas naquele inverno. Claro, seus nomes não eram os mesmos daquele ano.

— E como você as adotou?

— Miranda precisava de cobaias para testar um novo procedimento com o Cadou; ovos de moscas-varejeiras. A dedo, ela escolheu as meninas, e eu apenas as entreguei. — As safiras douradas ofuscam, e as sobrancelhas de Alcina se apertam. Ela sentiu-se culpada ao relembrar o fato. — Naquele ano, Miranda recém havia transformado Donna, e por estar acompanhando o procedimento dela, fui escalada para me comprometer as três cobaias. Levou cerca de quatro semanas, para que elas despertassem. Quando Miranda as analisou, considerou as três experimentos falhos, devido a fraqueza ao frio.

— E como você soube que eram elas?... Tipo, como o sentimento materno surgiu?

Alcina pensou, se aprofundando em suas memórias com um olhar vago. Ela inspirou, e o brilho em seu olhar transcendeu.

— Eu... Senti um sentimento agradável, como quando você sente o cheiro de pão de forma de sua avó. — Murmura Alcina, afirmando a teoria que Pyetra, certa vez, comentou. — Quando eu as vi despertar, meu coração acelerou, e naquele momento eu soube de que elas eram as crianças certas. As crianças de que Pyetra e eu sonhávamos em ter. — Aquele semblante de culpa voltou para assombrar Alcina. Mencionar Pyetra, e relembrar sua história poderiam estar gerando gatilhos a muito tempo não despertos. — Nunca me perdoei pelo o que eu fiz com ela.

— Não era você naquela noite. — Becca encosta a cabeça em seu braço, fitando as teclas. — Foi a coisa que a Miranda implantou em você... Te controlando.

— Eu... Não consigo distinguir o que estava sentindo. Foi tão rápido. — Alcina suspirou, em negação. — Eu não senti o impacto, e Pyetra era quase um nada. Mas no fundo, eu sabia que ela era muito mais do que me recordava. O Cadou... O Megamiceto é algo maligno. Aquela coisa pode tornar um humano indescritivelmente maléfico; ele se alimenta do que há de pior em seu hospedeiro, para então, torná-lo aquilo. Eu me tornei a versão de Connor. E Miranda tornou-se o que é hoje.

— Se levarmos em consideração essa teoria, o Megamiceto pode ser pior do que Miranda. — Acrescenta Becca, quase arregalando os olhos. — Precisamos descobrir um modo de destruir o parasita de vez.

— Primeiro, se ele realmente resistiu a explosão, devemos descobrir a localização dele.

— Vamos achá-lo, e então destruí-lo.

— O que me assusta é uma bomba não ter sido o suficiente para isto. Pode não haver nada que possamos fazer.

— Tem que haver uma maneira. — Diz Becca, mantendo a esperança. — Sempre há um jeito.

***

Na manhã seguinte, o dia ressurgiu harmonioso. Um grupo de sete empregadas assumiram o vinhedo, enquanto as demais se ocupavam no interior do castelo, seguindo a rotina de faxina instruída por Margaret. Logo cedo, Prudence tivera sua primeira aula com o violino com Alcina. Nas primeiras horas, Prue aprendeu a manobrar seus dedos; fazendo exercícios contínuos para melhorar a flexibilidade da mão.

Com o violino, Prue aprendeu, inicialmente, o posicionamento para ferir as cordas com o arco, visto que o mesmo tende a se mover para cima e para baixo. Tendo Alcina como sua tutora, e os guias para iniciantes da biblioteca, Prudence fora bastante ágil com as lições, demonstrando ter um talento — muito possivelmente — para vir a ser uma violinista. Sua paciência também lhe favoreceu, algo que Alcina admirou durante a primeira aula.

Caso fosse Becca em seu lugar, imaginou-a partindo o arco com a força de seus joelhos no primeiro acorde fora do ritmo. Possivelmente, ela também poderia bater o violino contra o chão — igual como um roqueiro faz com a própria guitarra em meio a euforia da plateia —. Alcina precisou espremer os lábios ao imaginar a cena em meio a aula, para não perturbar o foco de Prudence.

Mais tarde, logo após o almoço, Prudence fora treinar sozinha no jardim dos fundos, ensaiando a mesma melodia repetidas vezes, enquanto andava em círculos e num transe hipnótico com a própria música, exalando disciplina com sua perfomance de Danse Macabre, do compositor Camille Saint-Saëns. Os pensamentos, e sentimentos reprimidos de Prudence, eram expostos através da melodia. Ao estudar a alegoria da música, encontrou-se a si mesma por entre as notas, expressando suas emoções ao toca-la, andando descalça por cima dos bancos totalmente comprometida com o instrumento. Inebriada, Prue desvelou uma profunda paixão pelo violino.

Pela janela do escritório, Becca acompanha cada passo de sua irmã. Desde a noite do sequestro, não há nenhum momento em que Becca não desgrudava a atenção de Prue. Sentia-se culpada pelo crime, não importava o quanto sua irmã alegue de que não a odeia — uma atitude que Becca assume ser merecida de embolsar —, nunca, em tempo algum, Becca irá se perdoar pela cicatriz interna de Prudence.

Em imprevisto, Margaret penetra o escritório.

— Onde está a condessa?

— Com as meninas, na galeria. O que houve?

— Miranda.

Margaret não precisava dar mais detalhes, e saiu tão abrupta como havia entrado. Sabendo que Prudence estava isolada no jardim, Becca se apura para ir buscá-la antes da sacerdotisa descobrir sobre elas. Alcina havia mantido seu relacionamento escondido por uma razão: mantê-las a salvo de sua maleficência. O vestido verde petróleo, de ombros bufantes e espartilho apertado com um laço do mesmo tecido de sua saia com enchimento, só empatou seus esforços para ser mais rápida.

Ainda não havia percorrido metade do caminho, quando Mãe Miranda apareceu no meio do Salão Principal, revistando Becca da cabeça aos pés. O cenho franzido, e sobrancelha esquerda arqueada, diziam por ela. Encontrar Rebecca naquela vestimenta luxuosa — ao invés das de empregada — gerou novas suspeitas, e com a proporção do desespero se afugentando em seu peito, Becca crava suas unhas nas palmas das mãos.

— Sempre tive a certeza de uma coisa; o inesperado ocorre com mais frequência do que se possa esperar. — O olhar frio de Miranda perfura a alma de Becca com o contato cravejado.

— Mãe Miranda. — Becca fez na medida do impossível para não gaguejar. Não podia demonstrar insegurança. — Que prazer da sua visita.

A amargura quase se expõe numa careta por ter se permitido agir como membro do grupo alienado por Miranda, mas Becca disfarçou com exatidão. Talvez a coexistência com Alcina tenha sido um dos benefícios que recebera, o desempenhando com êxito.

Alcina e as três filhas entram de uma só vez pelas portas duplas, interligada com a sala de jantar, rindo de algum assunto entre família. Becca desejou te ouvido seus risos doces por mais tempo, mas a presença de Miranda não colaborou, e imediatamente o quarteto se põe em silêncio ao notarem a sacerdotisa no salão.

Margaret veio por trás delas em seguida, aceirando seus músculos assim que viu Becca.

— Mãe Miranda. — Alcina toma o controle, e suas filhas se puserem uma ao lado da outra, atrás da mãe. — Soube por Margaret de que estava a me espera.

— Sua família me parece bem preenchida, Alcina. Até mesmo adotou um novo membro. — Miranda soa sarcástica, e Becca engole seco.

Alcina finge uma risada.

— Rebecca nada mais é que meu novo entretenimento. — Alcina lhe apresenta, claramente uma farsa para livrar sua amada das garras de Miranda. — Eu a pus nas rédeas também, e com algumas punições, ela tornou-se uma garota muito obediente.

— Não me diga. — Miranda sonda Becca. — Não que eu duvide de seus ensinamentos, Alcina, até por presenciar muitas moças, tão jovens quanto Rebecca, como suas bonecas de enfeite no passado. — Com o rosto fervendo, Becca luta contra sua vontade de estapear Miranda ali mesmo, mesmo que isto pudesse lhe custar a vida. — Mas... Rebecca é um tanto selvagem, não acha?

— Não discordo. Eu já estive habituada com selvagens antes, amordaça-la não me rendeu uma única gota de suor. Nem mesmo nos jogos dentro do calabouço. — Diz Alcina, os olhos fixos em Becca. "Não acredite em nenhuma palavra do que digo, você é minha joia.", era o que seu olhar em ouro lhe dizia. Becca lhe devolve um olhar de compreensão. — Rebecca, diga-me a quem você pertence agora.

Seu comentário suspicaz atiça Becca em participar da jogada de Alcina.

— A senhora, Lady Dimitrescu. — Becca responde, em tom baixo e submissa.

— E a quem você é devota?

Becca olha para Miranda, não diretamente, por receio de seus olhos irados a denunciarem.

— A Mãe Miranda, M'Lady.

— Boa garota. — Diz Alcina, com um meio sorriso. — Exemplar, como meus bichinhos devem ser.

A encenação improvisada pareceu agradar Miranda, embora, os seus olhos prateados, visualizando Becca de canto, excessivamente curiosos, mostram uma mera desconfiança.

A tensão no salão fora interrompida com a entrada de Prudence, que não soube como se expressar com a presença de Miranda. Antes que Alcina ou Margaret possam perder o equilíbrio das pernas, Cassandra adiantou-se para tirar Prue das vistas de Miranda.

— Aí está você, sua peste! — Cassandra ataca Prue com seu enxame de moscas, lhe agarrando pelos pulsos finos e encenando um semblante faminto. — Bem na hora do jantar.

— A rata roubou meu violino de novo! — Acusa Bela, dando mais ênfase a encenação.

— Deveríamos esquarteja-la, como um porco! — Daniela rosna, ajudando Cassandra a suspender Prudence em suas mãos.

— Meninas, não brinquem com a comida na frente de Mãe Miranda! — Alcina finge um sermão. — É uma falta de educação intolerável!

— Perdão, mãe. — Cassandra arranca o violino de Prue, o entregando para Daniela. A mais jovem estava com os olhos arregalados, impedida de falar pelo sufoco que Cassandra produz com seu aperto possessivo. — Irmãs, o que acham do calabouço?

— Melhor. — Apoiou Bela.

Daniela se impulsiona pelo ar, rodopiando entre suas moscas a gargalhadas, e suas irmãs a seguem para fora do salão, carregando Prudence com elas como sua prisioneira. Com o rosto duro, Becca expulsa todo seu oxigênio para compensar os segundos que prendera a respiração desde a chegada repentina de sua irmã.

— Devo incrementar Prudence ao nosso cardápio. — Alcina continua. — O sangue virtuoso da garota tem sido muito eficiente para minhas filhas desde que Rebecca a vendeu para mim.

— Poupe-me dos detalhes, Alcina. Já vi o bastante. — Diz Miranda, congelando as vísceras da condessa com seu olhar afiado, lhe cortando internamente. — Me espere no pátio, gostaria de ter um momento com Rebecca.

Engolindo a seco, Alcina detém olhar para Becca durante sua trajetória até a porta. Qualquer desvio, mesmo que seja por um mísero segundo, poderia entregar seus reais sentimentos pela Walker. Com a saída dela, Miranda lança um olhar para Margaret a poucos metros, apurando sua retirada.

Inquieta, Becca se vê aprisionada naquele salão vasto de cantos escuros e da luz crepitante da lareira, a sós com a bruxa.

— Não precisa fingir, Rebecca. — Miranda a desvenda, sem parecer ameaçadora. — Suas intenções estão escancaradas. Podemos usar este momento para um acordo, se estiver determinada a cumpri-lo e colaborar não só comigo mas também com si mesma.

— O que, especificamente, sugere que eu faça? — Becca manifesta, rompendo sua máscara enganosa.

— O que você deseja de minha filha é algo que jamais poderá arcar, Rebecca. Não uma humana como você.

— Eu não tenho intenções de roubar nada...

— Você está a amando, e deseja seu coração. — Acusou Miranda. — Eu observei algumas de suas ações, e reconheço a paixão inflamada em seus olhos. Pouco tempo atrás, houve uma empregada que carregou o mesmo olhar... Não só havia amor neles, também havia audácia, e ela foi tola o suficiente para ousar se pôr no meu caminho, ameaçando tirar Alcina de mim junto de um soldado e da filha bastarda dela.

Amélia. Ouvir a confissão da própria Miranda resultou em um nó de raiva formando-se no peito de Becca. Miranda não tinha esse direito.

— E você a matou por isso. — Becca acusou.

Miranda sorriu, ameaçadora.

— Eu sempre soube que você tinha uma noção sobre o que é este vilarejo. Você nunca foi simplória, e deve saber o que Alcina e eu somos. — O sorriso de Miranda se fecha, ostentando uma face ainda mais sombria. — E já deve ter percebido que é impossível amá-la por ser humana. — O nó no peito de Becca subira para a garganta. Miranda havia imposto uma reflexão plausível, e dolorosamente admissível. — Vamos supor que eu aceite este relacionamento, e Alcina retribua seu amor; ela permanece imortal, ao lado de suas filhas, vivendo eternamente bela... E quanto a você, irá enfraquecer conforme os anos lhe afetam. É isto que deseja a minha filha? Fazê-la acreditar de que possam viver amorosamente felizes até sua vida acabar? Quer envolver Alcina em um amor com prazo de validade? Desejá-la engana-lá desse jeito?

— Eu... N-Não... — Becca hesita, estremecendo involuntariamente. — Eu não quero engana-la.

— Então ponha-se no seu lugar, e cumpra seu papel neste castelo como o bichinho de minha filha. Este é o meu acordo.

— Exigindo que pessoas desempenham deveres que não condiz a elas, sendo que você nem consegue executar seu papel como mãe. Quanta hipocrisia.

Agora Becca havia, definitivamente, assinado sua sentença. Miranda apunha-la seu rosto com as joias de dedo, furando sua pele na região da mandíbula, puxando-a para perto com sua força sobrenatural. Becca ficou atordoada demais para sentir a dor, ou cócega das gotas de sangue escorrendo por sua pele danificada.

— Não vou te matar agora por estar atrasada com meus compromissos, e também sei que isso pode gerar revolta em Alcina, como aconteceu com a Amélia. — O hálito quente de Miranda espanca o rosto de Becca, em poucos centímetros de distância. — De qualquer jeito, você irá morrer, por mim ou pela sua fragilidade humana. Sua condenação é inevitável. Minha filha e eu seremos eternas, e o vilarejo será purificado com suas almas, visto que da terra seus corpos foram tirados, para ela retornarão. Do pó os humanos vieram, e ao pó vão regressar.

Um gemido dolorido escapa de Becca quando Miranda a empurra com os dedos, cumprindo com sua deixa do salão. Becca vislumbra as costas de sua auréola, entorpecida de raiva. Se tivesse seu machado em mãos, não conseguiria refrear a vontade de arrebatar Miranda com ele, cortando-lhe a cabeça.

Fez-se um juramente silencioso, de que quando a hora chegasse, empunharia o machado contra o sol, e com a força de um carrasco concretizará sua degolação.

O sol estava se pondo demoradamente, uma tarde considerada fleumática. Miranda havia levado Alcina para o campo seco de trigos, onde existiu a antiga fábrica de Heisenberg. Não havia mais nada do edifício que não fosse tijolos, metais e arames disseminados por toda parte.

— Por que me trouxe aqui? — Alcina observa a campina amarelada, com uma fragrância de nostalgia ao revisitar o local.

— É a região mais afastada do vilarejo, e perfeita para combate.

Ardilosa, Miranda invoca trepadeiras da terra para acorrentar os pulsos de Alcina, e as plantas desbotadas a fazem despencar sob os joelhos. Mais algumas são manipuladas pela sacerdotisa, mantendo Alcina ajoelhada para que a seringa — antes oculta dentro de seu manto negro — fosse direcionada contra seu pescoço.

Uma sensação de espinhos roçando suas entranhas faz Alcina gritar.

— Vamos ver como seu corpo reage na prática. — Miranda se afasta, ansiosa para ver o resultado. — Lute comigo.

As trepadeiras soltam Alcina, mas a dor aguda continuou, a queimando por dentro. Ela se recusou a lutar, não poderia ser tão fácil assim. Miranda está planejando algo.

— O que você... Está fazendo comigo?!

— Te aperfeiçoando. — Miranda conjura mais um ramo, enforcando Alcina com a trepadeira. — Use suas habilidades, Alcina!

Trôpega e desajeitada, Alcina convoca suas garras para cortar o ramo e se libertar. Algo atinge seu rosto, e Alcina é arremessada contra os destroços da fábrica, e Miranda se vangloria com pernas de aranha substituindo suas asas, sendo elas que realizaram o golpe. As pernas grotescas se esticam em suas costas, e Alcina é espancada novamente com uma das pernas aracnídeas, arremessada para o lado oposto das sucatas.

Dor e raiva repulsam em Alcina, e sua resistência a faz revidar. Quando novas heras brotaram da terra afim de retesa-la, as garras fatiam as plantas com vigor. Prontamente, a condessa se põe diante de Miranda, aspirando revanche. A terra abaixo delas fremiu, um poder irreconhecível próspera sem licença,

A última sensação que Alcina vivenciou foi de uma radiação efervescente puxar seus nervos como cordas de marionete.

***

Atentamente, Rose acompanha o novo projeto de Heisenberg; um Corcel de Aço, criado por suas próprias mãos engenhosas. O Lorde havia posto na cabeça de que faria um cavalo indomável, inteiramente, feito com os metais e aços recuperados nos destroços de sua antiga fábrica. Em uma de suas missões com Chris, Jill e Claire pela manhã, ele aproveitou para visitar o local e juntar o que pudesse lhe parecer ainda útil.

Um de seus maiores incentivos para criar o corcel, fora o livro de Rose. A imagem ilustrativa do animal que carrega seu nome o inspirou para por as mãos na massa, e Rose tem servido de auxiliar e uma ótima companhia para jogar conversa fora. Angie, por ser uma boneca bisbilhoteira, levitava aos arredores do jardim, vidrada no corcel sendo construído com as habilidades de Heisenberg. O animal de aço havia sido fabricado a partir do seu esqueleto, imitando sua anatomia real, agora, encapado por camadas de metais velhos.

— Volte para a página anterior. — Conduz Karl, ajoelhado diante do bordo inferior de sua criação.

Rose, sentada ao lado esquerdo dele, segue seu pedido, retornando a ilustração da outra página que mostrava um ângulo de sua frente. Heisenberg estava de joelhos, vestido com calças largas manchadas de graxa, e só com uma regata preta, mantendo seu casaco longo amarrado em seu quadril dotado.

Com o canto do olho, Karl vira a chave inglesa conforme avaliava a arte do livro. Sentiu a falta de uma peça, e sem sair de sua posição, ele manipula a pilha de metais enferrujados a menos de dois quilômetros dele. As peças flutuam em sua direção, em uma fileira reta, pousando ao seu lado sem o menor esforço.

Rose passa os dedos pela testa metálica do animal, ainda inacabado, curiosa para vê-lo concluído.

— Você vai por um adorno de ouro nele também? — Rose estuda a arte do livro.

— O adorno, os olhos vibrantes, o vapor... Tudo o que essa belezinha tem de direito! — Karl parecia empolgado, pondo muita confiança em seu trabalho. Rose adorava seu estilo desbocado. — Se o socador de pedras não tivesse explodido minha fábrica, esse cavalo já estaria galopando agora.

— O que tinha na sua fábrica?

— Eu tinha uma máquina de fundição, e com ela eu podia desenvolver vários moldes. Se eu a tivesse ainda poderia fazer todos os moldes de cada membro deste corcel, seria bem mais prático. Maldito socador de pedra.

Rose riu internamente com os xingamentos envolvendo Chris. Por fim, ela aproveitou para apreciar o entardecer no meio das montanhas. Nunca se cansaria daquela paisagem, considerando a casa de Donna o melhor conforto para aproveitar o por do sol.

— Certo, hora de fazê-lo esquentar! — Karl se põe de pé, esticando a palma da mão para Rose. — Me carregue, pirralha.

A garota apertou sua mão, aprimorando as habilidades do Lorde com seu poder. Quando sentiu-se cheio, Karl recolhe sua mão, focando no esqueleto do corcel. As engrenagens que simulavam a caixa torácica passaram a rodar, criando ruídos agudos que imitavam batimentos cardíacos, dando a impressão de que o cavalo está realmente vivo. O esqueleto metálico treme, e as quartelas de aço se movem para frente e para trás.

— Vamos, levanta! — Comanda Karl, usando mais intensidade em seu poder para forçar o corcel a se erguer.

As montanhas, antes silenciosas, sacudiram de repente. A terra inteira estremeceu aos seus pés com a brutalidade do terremoto inesperado, e as engrenagens de Karl se espalharam em distâncias mínimas. O corcel se agitou, recebendo uma eletricidade intrusa em seu mecanismo. As luzes da casa de Donna piscam descontroladas, e Rose culpou Heisenberg pelo fenômeno. Angie gritou quando partes da montanha vizinha simplesmente despencaram pela cachoeira, e se refugiou nos braços de Rose.

— Karl, para! — Rose cobre a cabeça de Angie com uma das mãos.

— Não sou eu! — Ele grita de volta, sem entender a causa do terremoto.

Claire estava usando o notebook para revisar as áreas exploradas, quando a oscilação aconteceu. Chris e Jill saltaram do sofá com o balançar da casa, e Donna surgiu na sala momentos depois. Todas as lâmpadas explodiram ao mesmo tempo, e Claire conseguiu registrar a potência do campo magnético com o seu aparelho antes do próprio pifar. Pratos e xícaras chacoalharam uns contra os outros, alguns se espatifando no chão de madeira. Uma das bonecas de porcelana despenca da prateleira, e Jill consegue impedir da própria se destroçar, entregando a boneca para Donna — a mesma pálida por ter quase presenciado uma de suas criações se destruir —. O terremoto durou cerca de um minuto e meio, até cessar agressivamente, como se nunca tivesse ocorrido.

— O que foi isso? — Jill se perguntou, vasculhando a casa escura.

Chris usou a lanterna do próprio celular para iluminar a sala.

— Captei ondas muito altas de eletromagnetismo. — Claire digita uma das teclas, sem sucesso. — Parece que foi no vilarejo inteiro.

Karl e Rose adentram a casa.

— Todos estão bem? — O Lorde confere.

— Heisenberg, você enlouqueceu?! — Crítica Chris. — Se a Miranda detectar as suas ondas pode acabar descobrindo a nossa localização! Você nos pôs em risco!

— Ondas? — Karl parecia extremamente confuso. — Que diabos você está falando?!

— Das ondas magnéticas que aconteceram no vilarejo inteiro. — Continua Jill. — Seu projeto com o cavalo quase nos expôs ao perigo.

— Não fui eu! — Heisenberg se defende, não os convencendo. — Juro pela vida da Angie!

A boneca rosna como um cachorro raivoso, e Rose acaricia suas costas, livrando Heisenberg de levar uma mordida.

— Ninguém mais tem a dominação de ondas magnéticas além de você, Karl. — Diz Chris, ainda desconfiado.

— Eu não tenho tanto poder para causar um terremoto, eu sei dos meus limites! — Argumenta Heisenberg, olhando para as lâmpadas estouradas. — E outra, provavelmente foi uma fenômeno eletromagnético. Eletricidade não está inclusa nas minhas habilidades.

— Pensei que você controlasse o magnetismo no geral. — Comenta Claire.

— Fui considerado falho pela Miranda por um propósito; não exerço todas as funções dos campos magnéticos. Eu funciono apenas como um ímã ambulante, e nunca seria capaz de manipular a eletricidade como vejo aqui. — Karl aponta para as lâmpadas. — As lâmpadas explodiram durante o terremoto?

— Sim, e meu notebook não liga. — Claire pressiona a tecla on, mas nada acontece.

— Merda. — Chris avança para as câmeras acima da porta, verificando os cabos. Todos foram queimados com a potência grotesca. — As câmeras já eram. Terei que providenciar novos equipamentos com a BSAA. — Ele olha para Heisenberg, o semblante mais calmo, mas preocupado. — Tem certeza de que não foi você?

— Sim. Eu sei dos meus limites.

— Se não foi o Heisenberg que causou isso... — Murmura Jill, todos atentos com sua revisão. — Então quem foi?

A tensão na troca de olhares desperta todos os seus nervos, um pavor terrível quase engasgando suas gargantas ao terem um único nome, o mais qualificado, do responsável que atingira o nível assustadoramente extremo da potência eletromagnética:

Miranda.

***

Em todas as suas décadas de vida, Miranda nunca tivera medo das suas criações, por justamente ter o controle sobre elas. Embora, a situação seja diferente agora, e há um motivo justificável para temer Alcina; fora o descontrole, ela levitava em uma altitude mediana, e sem suas asas. Veias prateadas, brilhantes como tintas neon, bombardeiam seu sangue pelo corpo inteiro criando teias florescentes em sua pele.

Substituindo a cor amarelada de seus olhos, globos embranquecidos ocuparam toda a extensão deles, ainda tão cintilantes quanto suas veias. Um campo magnético se formou em torno dela, e com ele, um furacão surgiu ao seu domínio. Os destroços da fábrica as contornam, controlados pela corrente de vento. Não demorou para as árvores nas proximidades serem puxadas pela potência eletromagnética, com troncos e galhos girando freneticamente para dentro do furacão.

Alcina não estava consciente. Seu corpo emanava uma carga máxima pelo seu bel-prazer; sua mente estilhaça com a correntes elétricas percorrendo seus sistema cerebral, se encaminhando pelos demais membros, os fatiando com sua força indomável. Era demais para Alcina suportar, e Miranda soube que poderia perdê-la se não intervisse.

— Alcina! — Mesmo a chamando, a condessa manteu-se desenfreada.

Com seu poder psíquico, Miranda tenta controlar sua mente. Houve um bloqueio, a incapacitando de manipular os neutro-impulsos de seu cérebro. O campo magnético que Alcina projetou, por descuido próprio, impossibilitou de Miranda afetá-la. Havia muito mais do que magnetismo, a descarga dos novos poderes incluíam algo a mais, e um de seus feito fora o terremoto no vilarejo.

Uma névoa as envolve, também provocada por Alcina. De início, Miranda pensou ser apenas um grau grosso de poeira, tendo suas perspectivas alteradas quando a névoa atingiu uma cor dourada — paralelo ao pólen de roseiras —, e com ela um choro de bebê aterrorizou a sacerdotisa.

Imediatamente, Miranda reconheceu os choros de Eva, em algum lugar dentro do olho do furacão.

— Eva?! — Miranda esquadrilha a área. A bebê continua a chorar, ainda mais alto. — Não... Não é real!

Por mais que desejasse o contrário, aquilo não passava de uma ilusão projetada da névoa dourada; a mesma habilidade exercida de Donna. Miranda queria aprimorar o corpo de Alcina, torná-lo um recipiente dos poderes fracassados dos antigos Lordes, além de Eva. Inevitavelmente, Miranda não esperava que isso resultaria numa catástrofe ambiental absurda.

Os olhos de Alcina sangram da mesma substância negra que acontece com Miranda, uma comprovação de que seu corpo ainda não está propício para aguentar tanto poder. Se continuar, Alcina irá se desmaterializar. Miranda esperou que isso acontecesse por não houver mais alternativas, e então, surpreendida pela segunda vez; o furacão se desmancha, e as rajadas de vento morno abandonam o campo.

Com o bloqueio de seus novos poderes, Alcina atinge o chão, inválida.

Um arrepio frio desliza pela nuca de Miranda, ainda perplexa com o corpo desacordado a poucos metros a sua frente. Ela não conseguiu controlá-la, e nunca foi seu desígnio transformar Alcina em algo superestimado, no máximo, uma arma para combater a BSAA e evaporar de vez a corporação. Miranda cometeu mais um erro; ela não criou uma arma para contra seu inimigo... Ela criou uma arma contra a humanidade.

Um silêncio pesado se segue na ambientação. A vulnerabilidade de Alcina poderia dar a chance que Miranda precisava para destruí-la. Não há como seguir com seus planos sabendo que a qualquer momento a condessa pode se voltar contra ela, isto se seus poderes forem decifrados. Como acréscimo, havia Rosemary como seu novo objetivo — a substituta adequada. Era agora ou nunca.

Em um instante, o braço de Miranda se estende num tentáculo escuro, e uma lâmina irrompe em sua ponta. Ainda mantendo a distância, ela estica seu braço como um chicote, em direção ao coração de Alcina, onde seu Cadou se adaptou. Sem o Cadou, ela morre.

Abaixo de Alcina, raízes gigantes estouram a terra, formando um casulo por cima do corpo, tão indestrutível, ao ponto de quebrar a lâmina de Miranda com o impacto. O próprio Megamiceto a protegeu. A sacerdotisa escancara os olhos, recolhendo seu tentáculo em meio a regeneração e ofegante com a interrupção do parasita escondido no subterrâneo. As raízes agem como serpentes monstruosas, enrolando-se nos pulsos rasgados — para regenera-los com apuramento — e nos calcanhares de Alcina.

Por impulso, Miranda se aproxima sem intenções de ataque. Com a proximidade, ela detecta uma espécime de pele celestial na região do pescoço, provavelmente, todo o corpo de Alcina esteja sob a mesma camada de cristal. Uma vaga lembrança dos bustos encontrados das três irmãs lhe recorreu — os três, achados em alas diferentes do castelo, eram compostos do mesmo material. Usuários do Cadou podem atingir uma mutação semelhante aos cristais quando morrem —, embora fosse uma mutação padrão, o caso de Alcina era diferente. Algo totalmente fora do conhecimento de Miranda. A pele de cristal a impressiona de certa forma; algo tão delicado com uma capacidade absurda de lhe dar poder.

Um resmungo soa dos lábios vermelhos. Alcina está acordando. As raízes invertem, mergulhando para o subterrâneo do vilarejo. Miranda aguarda, paciente, Alcina abrir os olhos. Por um minuto, seu azul celeste se manteve nas íris, antes da cor caramelizada lhe tomar. A primeira visão de Alcina fora o céu alaranjado, com algumas estrelas adiantadas o enfeitando. Logo, não demorou para sentir Miranda ao seu lado, inclinando-se para perto dela.

— Onde estamos? — Alcina podia sentir a irritação em seus nervos, ainda queimando.

— No mesmo lugar. — Murmura Miranda. — Consegue se lembrar do que aconteceu?

Um gemido escapa de Alcina ao apoiar um dos cotovelos na areia, pressionando a outra mão na têmpora esquerda, por fim sentando-se e obtendo melhor visão do campo. Ferrugens e árvores jogados para todos os lados, numa mistura caótica, uma verdadeira obra gerada do furacão. Para bastar, buracos fundos estavam a sua volta.

— Eu fiz isso?

Apesar de ter sido uma pergunta, Miranda confirmou sua teoria através do questionamento de Alcina. Ao menos ela não sabe.

— Você herdou novas habilidades, bem como planejei. Entre tanto, há um limite para o seu corpo suporta-las.

— Habilidades? — Alcina encara os próprios dedos, ainda envolvidos pela pele de cristal.

Miranda chega mais perto, se agachando próximo ao seu rosto. Com o polegar, ela o lava no sangue escuro, para revelá-lo a Alcina. Assustada, a condessa suspira em frustração com o próprio sangue.

— Você quase se desmaterializou, Alcina. — O depoimento de Miranda fez Alcina entrar em choque. — Se eu não tivesse interrompido, iria perdê-la. Evite usar suas habilidades até a cerimônia, sem a minha supervisão você irá se descontrolar outra vez e não resistirá.

— Não posso usar minhas asas?

— Nem mesmo suas asas. Não podemos arriscar.

Como se recebesse uma apunhalada direta no coração, a notícia de não poder mais usufruir de suas asas doeu bem mais do que a resenha de quase ter morrido a menos de cinco minutos atrás. Alcina chegou a quase se curvar de dor com isso, a alma ficando desnuda.

— Volte para o castelo, e fique de repouso. Alimente-se de quantas empregadas precisar, seu Cadou necessita de nutrientes o quanto antes.

Sem mais delongas, as diversas asas negras desabrocham das costas de Miranda, deixando Alcina enciumada e com estômago revolvido pela humilhação. O caminho até o castelo seria de longe o mais sofrido.

***

Após o feito do terremoto, todas as empregadas se agruparam no salão por ordem de Margaret. Todos os cômodos estavam com as luminárias dos candelabros estouradas, restando alimentar as lareiras para proporcionar alguma iluminação no castelo. Becca sabia que o estrago envolvia Miranda ou Alcina, um fenômeno desses não seria conjurado por qualquer outro dos Lordes.

Prudence a abraçava, com o violino bem firme atrás das costas de sua irmã. As três irmãs verificam as entradas do castelo, certificando de que tudo estavam em ordem.

Margaret quase desliza para o lado de Becca, franzido as sobrancelhas.

— Acha que pode ter sido a Miranda?

Uma náusea atinge Becca.

— Parte de mim deseja que não. Mas também, prefere acreditar que sim. Desde que Alcina não esteja ferida.

— O que a Miranda faz com ela? — Prudence sussurra, esmagando o coração de Becca com sua preocupação.

— Ela vai ficar bem. — Becca coça sua cabeça, aliviando qualquer estresse de Prue com o terremoto. — A Alcina é mais forte do que imagina.

— Certo, garotas. — Margaret conduz as empregadas. — Vão para a cozinha, e preparem o jantar. Podem descansar mais cedo hoje.

Penelope e Willow se comunicam com olhares afobados, direcionados a Becca, e incentivadas por um semblante melodioso da própria. Elas seguem suas colegas para a segunda ala, sobrando as irmãs Walker e Margaret no salão. Seu isolamento não demorou muito, em menos de dois minutos as três irmãs infestaram o ambiente com sua neblina de moscas antes de tomarem sua forma humana.

Cassandra surgiu primeiro.

— Mãe não chegou?

— Ainda não. — Responde Becca.

Daniela veio em seguida.

— Será que vamos atrás dela?

— Melhor não, Dani. — Bela ressurge por último. — Vamos nos manter juntas, e dentro do castelo.

— Vamos ligar para a tia Donna e o tio Karl. — Incentiva Daniela.

— Como? Ficamos sem comunicação depois da queda de energia. — Diz Cassandra.

Daniela bufa, em rendição pelos fatos. Pena e abatimento viram o estômago de Becca com o sofrimento das irmãs pela falta da mãe, e seu olhar decai para Prudence apertando seu corpo.

Passos pesados são ouvidos do outro lado das portas de entrada, e para o alívio de todas — carregadas por desespero em conjunto —, Alcina chega.

— Mãe! — As irmãs forma uma barreira em torno dela.

Sua exaustão era tanta que Alcina foi incapaz de se manter em pé por mais tempo, caindo de joelhos diante de todas.

— Alci! — Becca corre até ela, segurando em seu rosto ensanguentado. A náusea retorna, uma mistura de angústia por Alcina e um ódio incandescente por Miranda. — O que aquela bruxa fez com você?!

— Não foi ela... Fui eu. — Alcina geme, quase desmaiando. — Algo aconteceu comigo... Argh!

A eletricidade cortante lhe rasga por dentro. O lustre balança agressivamente, e as poucas arandelas que resistiram ao campo magnético tremeluziram em alvoroço, seguindo as luminárias do lustre que piscavam. No momento em que Alcina havia sentido dor, o evento mostrou-se ser efetuada através dela.

Mais uma lâmpada estoura, em algum lugar fora de seu alcance, e Margaret pula com o susto. Desta vez, a energia permanece, fraca, mas resistível.

— Meninas, ajudem sua mãe a chegar até o quarto. — Guia Becca, ajudando Bela e Cassandra a equilibrar Alcina em seus pés. — Margaret, pode pedir a Willow para preparar uma bacia com água quente e lenço para o sangramento?

— Nos encontramos no quarto. — Margaret assente, indo para a cozinha às pressas.

— Prue, tome um banho quente, aproveite que a energia voltou.

— Posso ficar com vocês depois?

Becca sorriu, orgulhosa e pueril.

— Claro. Alcina precisará da sua companhia também.

Prudence se juntou ao grupo na escadaria. Daniela mudava de forma constantemente, suas emoções aceleradas remexiam suas habilidades. Bela seguiu atrás de Alcina, e Cassandra lhe servia como suporte, a segurando pelo quadril. Alcina depositava a maior parte do seu peso na grade da escadaria, desse jeito, evitando de perder o controle das pernas e desabar no meio do caminho.

Becca correu para o escritório. Pegou o telefone e ofegou em alívio por ouvir a rede funcionando com o retorno da energia. Discou o número da casa de Donna, errando alguns números por estar apressada. Respirou fundo, e tentou de novo.

Alcina? Vocês estão bem?! — Era Chris.

— É a Becca. Todas estão bem. E vocês?

Por sorte, estamos.

— A energia caiu aí também?

Em toda a casa. Alguns aparelhos pifaram, mas ao menos o telefone voltou a funcionar. Pensamos que fosse o Heisenberg, mas a Miranda deve ter feito algo...

Não foi a Miranda. Foi a Alcina.

Um silêncio regeu entre eles, até Chris continuar.

A Alcina causou o terremoto?

Acredito que sim. Eu preciso de todos vocês aqui agora, essencialmente o Heisenberg!

***

O violino agasalhou Alcina numa camada de conforto conforme Prudence movia o arco calmamente, seguindo os acordes no guia aberto em suas coxas. Antes, Bela convidou Prue a sentar-se ao lado da cama, na poltrona de sua mãe. Com a aprovação de Alcina, a jovem Walker passou longos minutos ensaiando clássicos para seu repouso. Uma vez ou outra ela errava alguma nota, recomeçando desde o início. Alcina não se importava com seus erros, encorajando Prue em não desistir.

— Você está indo bem. — Diz Bela, sentada ao lado direito da poltrona.

Cassandra estava diante da cama, os braços cruzados e rosto fechado. Das três, ela era a de longe que estava mais revoltada com a situação de sua mãe, e se manteve silenciosa o resto da noite. Daniela ocupou o lado esquerdo da cama, e Becca o oposto, aquecendo Alcina com o calor emanando de suas auras.

Willow torcia os panos acima da bacia, a água, antes transparente, agora estava escura depois dos panos ensanguentados serem mergulhados nela. As vezes, sorrateiramente, Bela encarava a nuca da empregada. Os cabelos ruivos ficavam mais resplandecentes na luminosidade do fogo dentro da lareira, uma cor rara e fascinante, que pareceu intrigar a filha mais velha por alguma razão.

Margaret, de vigilância na porta, escutou passos se aproximando. Por saber que teriam visita, se adiantou para atender Chris e os Lordes. Rose foi a primeira a invadir o cômodo, e Daniela deixou seu posto só para receber sua nova irmã.

— Fedelha! — Rose retribui seu abraço, olhando Alcina por cima do ombro de Daniela.

— Que bom ver vocês! — Suspira a mais nova, indo de encontro a condessa. — Mãe... Você está bem?

— Melhor agora com vocês aqui. — Alcina fala devagar, apertando a mão de Rose por cima do colchão.

O sorriso de Alcina imperou por mais alguns segundos, até Jill passar pela porta. Ela não havia se conformado da questão de Rose estar próxima a Valentine, e seu rosto não formulou uma expressão enciumada por muito menos, com a exaustão a deixando impossibilitada até para contrair os lábios.

Becca estava feliz de Willow ter lhe ajudado a limpar as feridas de Alcina antes de recebê-los, não aguentaria ver Rose ou qualquer um deles apavorados com o sangramento como presenciou com as três irmãs meia hora mais cedo.

— Vem cá... — Heisenberg se encosta na pilastra da cama, cruzando os braços como Cassandra, e sua sobrancelha direita se ergue por cima do óculos escuro redondo. — Pode me esclarecer essa história de terremoto?

— Eu não sei, não lembro de nada do que aconteceu. — Diz Alcina, a voz mais baixa.

— Miranda estava com você? — Interroga Chris.

— Ela me levou para a fábrica, afim de me testar. Nós lutamos e... Não sei direito o que aconteceu depois.

— Tente se lembrar, Alcina. — Diz Chris, um pouco intenso por estar preocupado. — Não podemos deixar isso passar abatido.

— Foi só um terremoto. Eu perdi o controle, apenas isso.

— Só um terremoto? — Karl se equivoca. — Alcina, a casa da Donna sofreu uma corrente elétrica violenta durante o seu terremoto, e todos os equipamentos eletrônicos foram pro brejo!

— Aconteceu o mesmo aqui. — Continua Becca, recebendo um olhar assustado de Alcina. — Ainda estamos sofrendo uma oscilação na energia, desde que você chegou.

Heisenberg estuda sua irmã, os olhos semicerrados por detrás dos óculos. Cada passo que ele percorreu, desde a travessia na ponte até a entrada do castelo, seus membros eram pressionados por um campo magnético — este não tão potente quanto o do entardecer, mas que continuou predominando com uma carga menor do antecessor. O que remexeu com seus neurônios, foi o fator do campo estar envolta de Alcina, e a mesma parecia não estar ciente. Mas Heisenberg o sente e enxerga, por ser um dos usuários do magnetismo.

No entanto, não há magnetismo envolvido, a eletricidade triunfa na aura da condessa.

— O que você sentiu na hora? — Investe Karl.

— Lembro de sentir algo ardente, como se meu corpo estivesse queimando de dentro para fora. — Sussurra Alcina, com todos focados em cada palavra. — Primeiro, começou pela minha cabeça, depois no resto do corpo, e a partir disso não lembro de mais nada.

Para Heisenberg não era o bastante. Ele precisaria testá-la, e teria que motiva-la a sentir alguma emoção impulsiva. Olhou ao redor, sem encontrar nada que parecesse valioso. Próximo a ele, estava os sapatos de Alcina; um scarpin branco desbotado da década de 70. Perfeito.

Karl pega apenas um, e anda até a lareira. Todos o olhavam curiosos. Antes de qualquer um prever sua meta, ele alimenta o fogo com o salto.

— Você enlouqueceu?! — Vocifera Alcina, sendo detida por Becca quando seu corpo inclinou-se para frente, beirando a raiva.

Sua aura eletromagnética estendeu-se, mas não era o suficiente.

— Só estou começando. — Insinua Karl, com um sorriso maroto.

— Era um scarpin, seu idiota!

— Você deve ter mais uns cinquenta no estoque. — Balbuciou o Lorde, disposto a pegar o outro. — Mais um deve manter a lareira bem aquecida.

Alcina jamais permitirá dele alcançá-lo, e irada, uma descarga eletromagnética é convocada por seus impulsos, e conduzidos com sua raiva, a bacia de alumínio acima da pequena mesa de livros levita na presença de todos. Em menos de um segundo, Heisenberg é atingido na cabeça pelo objeto manipulado.

O plano não saiu exatamente como ele havia articulado, mas ao menos, comprovou suas suspeitas. Além de Alcina, a mais incrédula pelo ocorrido, todos estavam boquiabertos por sua nova habilidade.

— Bem que eu senti uma corrente magnética neste quarto. — Heisenberg tira seus óculos, esfregando o antebraço nos olhos manchados com a água escura. Em seguida, ele tira a bacia de sua cabeça, olhando para Chris. — Só não esperava virar seu alvo, grandona.

— Você pediu por isso. — Alcina resmunga.

— Minha cabeça vale mais que um estopim!

Scarpin!

Dá no mesmo! — Heisenberg balança os ombros. — Você acabou de controlar uma bacia com a mente e está mais preocupada com um sapato chique? Deveria se preocupar com o que a Miranda anda fazendo com o seu corpo!

— Agora eu entendi de onde veio as ondas magnéticas. — Comenta Claire.

Com a tensão pairando sob suas cabeças, Alcina revisou a situação e passou a preocupar-se consigo mesma. Olhou para as próprias mãos, trêmulas pelas correntes elétricas percorrendo seus nervos, e com a percepção de que usara sua nova habilidade depois de Miranda tê-la alertado do quão prejudicial essa atitude possa ser.

— Alcina? — Becca entrelaça seus dedos nos dela, desacelerando sua tremedeira.

— Eu quase morri hoje. — Alcina explana, fixada em suas mãos, sentindo os olhares frustrados de cada um em cima dela. — Miranda disse que eu quase desintegrei, e que se não fosse por ela, eu não estaria nessa cama agora.

Becca sufoca com o nó na garganta, recusando-se a imaginar Alcina virando cinzas.

— O que mais ela te disse? — Chris se aproxima da cama, mais cauteloso.

— Não posso usar nenhuma das minhas habilidades. — As pupilas de Alcina tremem ao olhar para ele. — Nem mesmo as minhas asas.

— E se ela mentiu? — Deduz Karl. — E se aconteceu algo a mais durante seu descontrole, algo que, pode ser fatal a ela?

— É fatal para mim também. — Alcina rebate. — Meu corpo se rasgou por dentro, cada nervo meu quase explodiu e eu sangrei. Como posso ser fatal para a Miranda sem me suicidar primeiro?

— Teremos que te examinar. — Diz Chris. — Alexandra pode ajudar, alguns exames podem decifrar o que está nas suas células. — Ele enfia sua mão no bolso da calça, pegando seu celular. — Deixe-me ver com ela.

Chris leva o aparelho em seu ouvido, e na medida que o número chamava, a tensão no quarto pareceu pesar.

— Alexandra, é o Chris. — Ele finalmente fala. — Preciso de dois favores, é com urgência; primeiro precisamos de novos aparelhos de segurança, houve uma pressão eletromagnética e nossas câmeras... — Ele próprio se interrompe, escutando algo que pareceu absurdo, pois sua expressão ficou rígida. — O que? — Novamente, ele endurece ainda mais o rosto. Seus olhos se viram para Alcina, extremamente chocado. — Faltou luz na cidade inteira.

— Só pode estar brincando! — Claire se espanta.

— Puta merda, Alcina. — Heisenberg quase ri do feito de sua irmã.

— Sim, eu sei qual foi a causa. — Chris continua a interagir com Alexandra, e todos se silenciam. — Alcina vai precisar fazer novos exames, se puder enviar alguém para me encontrar na estrada seria ótimo. De preferência, a noite. — Mais alguns segundos de comunicação, até ele encerrar a chamada. — Combinado.

Ele suspira, guardando o celular no bolso. Algo em seus olhos estava indiferente.

— E então? — Jill se manifesta.

— Vamos receber nossos aparelhos amanhã a noite, junto de antenas para aprimorar o sinal. — Chris olha para Alcina, e depois Rose. — Nathan vai fazer a instalação e os exames.

— Nathan?! — Rose arregala os olhos.

— Nathan? — Alcina arqueia a sobrancelha.

Puts... — Expressa Heisenberg, mordendo a língua para não rir.

— Quem é Nathan? — Alcina encara Chris, aguardando explicações.

Nem ele, muito menos Rose, tiveram tempo para esclarecimentos. Heisenberg, o auxiliar do caos, os delatou.

— É o namoradinho da Rose.

— Heisenberg! — A garota exclama, pulando da cama, e os punhos apertados.

Chris espreme os olhos, desacreditado. As três irmãs trocam expressões enjoativas, e Prudence não demonstra reação alguma, estando perdida. Quando Rose olhou para Alcina, a encontrou com um olhar tempestuoso, digno de alguém que está prestes a entrar em colapso.

— Namorado? — Ela praticamente rosna.

— Eu ia te contar. — Rose quase gagueja. — Só não via o momento certo ainda.

Um namorado, cujo identidade ainda era um mistério para Alcina, havia fisgado o coração de uma das suas amadas filhas, justamente, a mais jovem delas. Rigorosamente, quando ela não estivera presente para acompanhá-la, e instruí-la com cuidado, no percurso indecifrável que é o primeiro amor.

Alcina precisava de mais explicações, afinal, ela é a mãe dela. Impelindo a raiva, e controlando sua respiração, ela abandona a cama.

— Alcina, não faça esforços. — Sussurra Becca.

— Se eu ficar mais tempo nessa cama irei me fundir com o colchão! — Alcina diz, amarga e ríspida. Ela calça seu sapato, dando-se conta de que Heisenberg havia jogado o outro par dentro da lareira segundos depois, rompendo seu ranço por ele com uma única olhada. Por fim, ela se volta para Chris. — Você e eu. No meu escritório. Agora.

Calçada com um único sapato, Alcina sai marchando do quarto. A faceta de Heisenberg estava vermelha pelo esforço — e muito empenho — de segurar suas risadas, contagiando Daniela facilmente, faltando pouco para ambos soltarem a gargalhada mais generosa que poderiam promover. O constrangimento era tanto para ter que aturar, não dispensando a imensa vontade de esmurrar Heisenberg, que Chris acelerou seus passos para se entender com Alcina.

Chegando no escritório do saguão, ela nem precisou pedir para que fechasse a porta, Chris fora certeiro em cumprir com a tarefa ao adentrar por último.

— Um namorado?! — Ela ruge.

— Não foi você que, alguns meses atrás, me disse que essa hora chegaria? — Chris rebate, seguindo uma voz calma para apaziguar com ela.

— A Rose nunca havia demonstrado interesse em rapazes, por isso nunca cogitei que isso aconteceria tão cedo! Ela é muito jovem, Chris! Onde você estava com a cabeça pra aceitar isso?!

— Eu não posso controlar o coração dela, levei um tempo para compreender isso. A Rose é esperta, e parece gostar mesmo do Nathan.

— Quem é esse garoto?! Como eles se conhecerem?! E quando eles se conhecerem?!

— Foi no mesmo dia que você havia aceitado a proposta da Miranda. — A confissão estrangulou o coração de Alcina, mas Chris continuou. — A Rose foi afetada pelos próprios poderes, e o Nathan era um estagiário da Alexandra na época...

A pressão arterial interrompe o fluxo de Alcina, podendo sentir suas forças esvaziando do seu corpo.

— Umbrella?! Um agente da Umbrella?!

A lâmpada próxima de sua cabeça pisca num ritmo acelerado, se agitando em concordância com as emoções inquietas de Alcina. Chris não precisava ser um dominador do sub-poder de Heisenberg para saber que ela estava alargando sua aura elétrica sem ter controle.

— Nathan é confiável, acredite em mim.

A voz dele, embora hesitante, pareceu honesta. A luz estabilizou, indicando a redução das ondas eletromagnéticas em torno da condessa.

— Eles... Já tiveram algum contato?

— Nada tão íntimo. — Declara Chris. — Eu nunca permitiria da relação deles ultrapassar os limites, e a Rose é cautelosa. Nathan também parece respeitá-la. — Ouvir aquilo pareceu ainda mais doloroso para ela, e Chris se aproxima, sua altura batendo no quadril de Alcina. Seguindo a lógica, ela deveria estar mais aliviada, e não prestes a chorar. — Desabafa, grandona, há algo a mais. Consigo perceber.

Alcina suspirou, desviando o olhar para que não seja examinada através deles.

— Eu queria ter feito parte disso. — Ela confessa, se firmando para conter a umidade nos olhos. — Como alguém que acompanhou o crescimento dela; lidando com as choradeiras em tantas madrugadas, ajudando na lição escolar, ensinando as diferenças do certo e do errado... Eu queria ter tido a chance de ensinar sobre o amor pra Rose. É o primeiro romance dela, Chris... E eu não pude estar lá para desempenhar meu papel como mãe. Era um momento importante, e eu não pude!

— Nem tudo na nossa vida vai acontecer da maneira que planejamos. Não temos o controle de tudo, imprevistos vão acontecer sempre, e não há como evitá-los. — Chris dizia tanto para ela quanto para si mesmo. — Rose está descobrindo a paixão, e isso pode dar certo, ou com o tempo, pode dar errado. Isto caberá a ela, e não podemos intervir. Ao menos, deixe com que as coisas fluem, e apoie ela.

— Eu sempre vou apoiá-la em tudo, mas... Se não fosse pela Miranda, tudo poderia ter sido diferente.

Chris sorriu.

— Como eu disse; imprevistos não podem ser evitados. Você ainda pode acompanhá-la nessa nova experiência, e ser mais capaz de tratar de certos assuntos com a Rose melhor do que eu, sabe? De mulher pra mulher... Mãe e filha.

— Eu entendi onde você quer chegar. — Colabora Alcina, recebendo um olhar agradecido dele. — Terei que ter uma conversa com ela.

— Eu deixo a Rose dormir aqui hoje, assim vocês tem mais tempo juntas antes de conhecer seu possível genro.

Alcina não disfarça a careta repulsiva, e Chris alarga o sorriso, rindo baixo.

— Não brinca com isso. — Ela diz, mais séria.

— Acho que o convívio com o Heisenberg está me afetando. — Ele brinca. — Seria uma boa nos unir com eles, aproveitar que a família está reunida.

— Concordo. Você investe na Jill, e eu fico com a Rose.

— Achei que você tinha superado.

— Nos teus sonhos!

Rendido, Chris segue ao lado dela, sorrindo abobado. Atravessaram o saguão, embarcando para a escadaria. Logo no primeiro degrau, Alcina para. Os sussurros atravessando seus ouvidos foram difíceis de ignorar, e as vozes eram conhecidas. É algo novo, e um pouco assustador. Seria uma outra habilidade se manifestando? Bela era a única da família com uma audição insuperável... Bem, ela era. As vozes se misturavam, vindo a quilômetros de distância.

Alcina nunca havia ampliando seus sentidos em uma longitude tão extensa como agora.

— Tudo bem, Alcina? — Chris a observava atentamente, parado no terceiro degrau.

— Eu os ouço. — Ela olha para as portas duplas da sala de jantar. — Estão na galeria.

Espantando, e sem questiona-la, Chris volta a segui-la pelo castelo até a galeria. E para mais estranheza, Alcina estava certa. As cadeiras foram movidas próximas umas das outras, formando um assento largo para as irmãs ficarem juntas. Jill e Claire estavam mais separadas do quarteto. Becca e Donna não se sentaram, e cochichavam algo a respeito do que Heisenberg dizia no centro de todos.

Como Prudence estava ausente, Alcina imaginou que Margaret pudesse tê-la levado para cama.

— Juro pra vocês! — Dizia Heisenberg, empolgado com o assunto. — Ele vai ser maior quanto qualquer outro cavalo, a criação mais magnífica e indomável, feita por minhas engenhosas mãos!

— Dá última vez que você criou algo indomável, sua própria criação foi usada contra você. — Chris entra na conversa, alfinetando Heisenberg com a história do tanque de guerra usado por Ethan para abatê-lo.

— Ah, foi um errinho besta. Meu alazão será mil vezes melhor do que aquela lata velha.

— Do que vocês estão falando? — Pergunta Alcina, levemente interessada.

— Tio Karl está construindo um cavalo de aço. — Responde Cassandra.

— Já tem um nome pro seu "alazão"? — Jill simula aspas com os dedos.

— Já sim. — Heisenberg, com um sorriso de triunfo, ergue os braços para afastá-los no alto formando um nome invisível. — Armageddon.

— Armageddon? — Becca franze a testa. — Por que esse nome?

— Porque esse cavalo vai ser o fim dos tempos daquela puta da Miranda!

A referência bíblica foi um belo xeque-mate. A criatividade do Lorde foi bem empenhada, e Chris se viu rindo com ele pela primeira vez. Em meio a troca de gargalhadas, Rose cruza olhares com Alcina, lambendo os lábios pelo pequeno nervosismo. Chris lança uma piscadinha de aprovação, motivando Rose a se aproximar.

No meio de seu percurso, Chris se afasta para deixar mãe e filha com sua privacidade. Por todos estarem interessados na criação de Heisenberg, embolando perguntas sobre o corcel, Rose poderia conversar livremente com a condessa.

— Eu... Queria falar sobre o Nathan.

— Podemos falar sobre o garoto mais tarde. — Alcina se adianta, a voz mais calma quanto Rose poderia prever. — Você vai passar a noite conosco, e poderemos falar sobre o bich... — Ela morde a língua, tudo para não expressar-se indevidamente na frente de Rose. — Garoto.

— Nathan.

Alcina fez a medida do possível para não revirar os olhos.

— Isso... Nathan.

É como dizem: o que uma mãe não faz pelo filho. O amor incondicional por cada uma de suas filhas sempre virá primeiro, as pondo acima de suas prioridades. Pode vir uma diversidade de situações — incluindo casos como o de Rosemary — para Alcina encarregar-se, não importa como, faria de tudo... Tudo, pela felicidade delas.


****

Eu ouvi um amém? BECCA SE DECLAROU!

Curiosidades: Há certas fanarts de Resident Evil Village em que Heisenberg está montado num cavalo de aço, e não lembro se a Capcom chegou a comentar de que no jogo ele tbm teria um cavalo de metal. Pode ser coisa da minha cabeça, mas se eu achar vou disponibilizar o link para vcs s2 vou deixar o link de uma das fanarts para vcs terem uma noção do cavalo (basicamente, é o mesmo do livro "Vilarejo das Sombras"). Já pensaram o quão incrível seria o Karl com um cavalo de metal no jogo? Seria f0da pra crl!

O nome "Armageddon" foi inspirado na série "Good Omens". Quem me acompanha sabe q eu pretendo lançar uma fanfic de aziracrow, então já segue a dica.

Sobre as novas habilidades de Alcina: Embora parecidas, tem suas diferenças no magnetismo e eletromagnetismo (digamos que a Alcina tá mais apelona do q Heisenberg, imagina se ela aprender a controlar melhor. Karl tá fudi...) E sim, ela também tem a habilidade da Donna. Logo isso será explicado nos capítulos futuros.

Tenham uma boa semanaaaaa!

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