What Could Have Been

By ellebrocca

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Alcina Dimitrescu teve a infelicidade, ou talvez não, de sobreviver após a luta contra Ethan Winters sendo re... More

TEMPORADA 1 - O Corpo
Desconfianças
O Vilarejo
Dentro do Castelo
Primeiro Dia
Seguidas por Sombras
Descobertas
A Queda
Pistas e Suspeitas
Uma Boa Desculpa
A Máscara de Chris
O Plano de Miranda
Uma Verdade Dolorosa
Quem Sou Eu?
Um Recomeço
TEMPORADA 2 - Fragmentada
Lado Sombrio
Alianças
Fuga
No Meio da Noite
Última Chance
Adeus, Rosemary
TEMPORADA 3 - De Volta ao Lar
O Badalar dos Sinos
A Colheita
Donzela
Um Leve Deslize
Incertezas
O Beijo do Dragão
Conexões
A Escolha de Rose
A Sua Mercê
Segundas Impressões
Os Bons Filhos A Casa Retornam
Tormenta
Mãe
TEMPORADA 4 - Apresentações
Bela, Daniela e Cassandra
Corra
Conquistas
Pobre Daniela
Profundas Cicatrizes
A Herdeira
Miss D and The Pallboys
A Monarca da Casa Dimitrescu
Mente Estilhaçada
Megamiceto
O Parasita e a Hospedeira
Uma Dádiva
Domínio
O Dansă, Domnișoară?
A Chave

Deixe-me Ficar

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By ellebrocca

É aqui q o "enimies" vira "lovers" hahahahaha

***


Deixe-me Ficar

A nevasca tomou conta do vilarejo com suas grossas camadas de flocos encapando as telhas das casas, trazendo consigo um frio congelante petrificando os lagos da região. Gotas escorrendo dos telhados congelaram tomando a forma de mastros cristalinos. Qualquer um que ousasse a desafiar o clima de inverno teria seus pés atolados na densa neve que encobriu a grama verde.

Dentro das paredes do castelo a maioria das lareiras foram preenchidas por lenha, agregando em seu aquecimento. Para complementar a noite fria, Mila e Eden formaram uma dupla na cozinha no intuito de fazerem uma panela grande de Ciorba de Legume, a tão famosa receita de sopa da região. O restante das garotas continuaram na faxina afim de diminuir suas tarefas no dia seguinte, e entre elas faltava uma empregada em especial, e essa se encontrava nos aposentos de Lady Dimitrescu.

Quebrando mais uma vez uma das ordens de sua supervisora, Becca fez questão de deixar alguns serviços de lado para sorrateiramente invadir o quarto e manter seus olhos na condessa adormecida. Passou-se horas desde a sua recaída, e sua lareira enfraqueceu por não ter recebido uma nova quantidade de lenha. Percebendo que o aposento começará a esfriar pela falta de calor, Becca apressou-se a buscar mais madeira e preencher o espaço vazio e cheio de cinzas, com pequenos restos de madeira queimada. Feito o serviço o fogo estendeu-se novamente, garantindo o aquecimento do quarto. Becca sorriu com o estralar da lenha, deslumbrando das faíscas alaranjadas entre as chamas, além de sentir-se acolhida pelo calor envolvente alcançando seu rosto.

— O que está fazendo aqui?!

Becca se ergue às pressas com a chegada de Margaret ao quarto, e prontamente com uma desculpa em mente.

— Vim para alimentar a lareira. — A responde.

— Eu fui clara quando disse para ninguém entrar aqui!

— E se eu tivesse seguido suas ordens essa lareira estaria apagada. — Retruca Becca.

— Agora que está feito, por favor, retire-se. — Margaret estende sua mão em direção a porta para incentivar Becca a partir.

— Por que está me mantendo longe do quarto? — Becca a confronta se recusando a ir.

— Porque eu estou no comando. — Esclarece Margaret em seu último pingo de paciência.

— E essas de fato são suas ordens, ou a Mãe Miranda que te ordenou a fazê-las?

— Ouviu nossa conversa? — Lhe interroga franzido sua testa.

Ao invés de responder sua supervisora, Becca apenas inclinou os ombros como se não soubesse do que ela estava falando, mas seu comportamento já havia lhe entregado, e Margaret compreendeu através de sua expressão corporal.

— Bom, agora que sabe, tem noção de que não será bom se a Mãe Miranda te encontrar aqui. — Margaret leva sua atenção a condessa, aproximando-se da cama para examina-la melhor.

— Tenho certeza de que ela não vai retornar tão cedo. — Comenta Becca dando alguns passos para frente e ficar a uma curta distância de onde se encontrava Margaret. — E a nevasca está muito forte para a Mãe Miranda ter vontade de ver como a condessa está.

— Precisa ter mais cuidado ao se dirigir a Mãe. — Alerta Margaret ajeitando pela terceira vez o travesseiro de Alcina. — Eu entendo que você tem remorso por ela, mas a Mãe possui um grande poder que ninguém compreende. Se você continuar a desafiando sofrerá consequências, ou até mesmo sua irmã pode se envolver.

— Então você também acredita de que ela não é uma pessoa boa?

A pergunta de Becca fez Margaret refletir certos pontos em relação ao passado do vilarejo com os dias atuais, e como ambas estavam com uma pequena vantagem por estarem sem testemunhas — com exceção da condessa que mesmo estando presente não está consciente para ouvi-las — Margaret abdicou de sua severidade para se abrir um pouco a empregada.

— Mãe Miranda já fez muito por nós. — Alega enquanto alisa algumas dobras do vestido de Alcina para impedi-lo de amassar. — Mas existe ambições por trás de suas ações, e devemos temê-la. Se quisermos garantir nossa segurança, precisamos estar na linha.

Sem a questionar, e guardando aquelas informações para si, Becca ficou observando o cuidado que Margaret depositava na condessa. Sempre preocupando-se com ela, como se Alcina fosse capaz de rachar com seus toques, o que até então prendeu a atenção da Becca.

— Quando eu a encontrei no jardim, ela estava caída com as mãos estendidas na lápide das filhas. — Comenta Becca recebendo a atenção de Margaret. — É possível alguém sentir tanta dor aponto de quase morrer de angústia?

— O luto pode ser fatal, e isso irá depender do quanto nosso amor é profundo. A perda de alguém amado, ou até mesmo das filhas, pode provocar uma tristeza tão forte que nem mesmo nosso coração é capaz de suportar. — Margaret a responde voltando sua atenção para o rosto adormecido de Alcina. — Eu admiro a força dela. Tantas coisas lhe ocorreu, sendo os dezesseis anos mais complicados que alguém poderia viver, ainda mais uma mãe que perdeu suas três filhas.

— As vezes eu tenho a impressão de que você conviveu com ela antes disso tudo. — Becca comenta estando um tanto distraída com seus próprios pensamentos, isto até Margaret a surpreender.

— De fato, eu convivi.

Um peso na consciência assolou Becca depois de receber a confirmação. Margaret praticamente jogou suas cartas na mesa, de uma maneira totalmente embolada para que Becca permanecesse em conflito com suas dúvidas, porém com as respostas espalhadas ao seu redor. E tudo o que ela precisava fazer era por as cartas em ordem.

— Céus, a minha coluna está me matando! — Exclama Margaret fugindo do assunto e estralando suas costas se adiantando para a porta. — A supervisione até eu voltar. Caso a condessa desperte e pergunte sobre mim, diga que fui consultar o curandeiro e que ela irá arcar com o custo dos meus remédios! Francamente, eu não tenho mais idade pra carregar alguém nos braços, e a senhora está me devendo essa! — Margaret resmunga antes de sair do quarto.

Conseguindo ouvir suas reclamações do corredor, Becca se descontrai e ri baixo da situação crítica de sua supervisora, e ela não era a única que sentiu pena da mulher mais velha.

— Pobre Margaret. — Suspira Alcina pegando Becca de surpresa por ainda manter seus olhos fechados até conseguir se acostumar com a claridade do quarto.

— M'lady! — Becca avança para mais perto da cama, e muito menos se importa em estar a pouco menos de um metro de distância da condessa. — Há quanto tempo está acordada?

— Tempo suficiente para ver sua dedicação em me manter aquecida. — Alcina finalmente abre os olhos tendo seu brilho amarelado misturando-se com os tons flamejantes do fogo, referindo-se ao momento que Becca havia alimentado a lareira, e a mesma captou sofrendo com uma queimação em suas bochechas. — Quer dizer que meu bichinho retornou ao castelo? — Sorri levemente por ter a presença da loira.

— Fiquei tentada pela recompensa, então decidi fugir na próxima. — Brinca Becca mantendo um semblante sério, mas com um sorriso de canto carregado por sarcasmo.

— Então eu lhe faria uma outra proposta. — Diz a condessa causando um novo formigamento caloroso no ventre de Becca. — Mas deixaremos para o futuro, quem sabe... — Alcina se ergue arrastando-se com os cotovelos até pousar suas costas na cabeceira, assim podendo apreciar a lareira a sua frente por estar sentada na cama. — Faz quanto tempo que estou aqui?

— Algumas horas. Mãe Miranda veio para examina-la depois que eu e a Margaret te trouxemos pra cá.

— Mãe Miranda, é. — Alcina mal consegue disfarçar seu desgosto devido ao seu despertar recente. — O que ela disse?

— Que você necessitava de repouso, e que era para a Margaret avisa-la quando acordasse. — Resume Becca para ser mais direta. — Mas com a nevasca acredito que a Mãe Miranda só poderá vir amanhã.

— Nevasca?! — A cabeça de Alcina vira rapidamente para sua janela que estava coberta pela cortina em carmesim, e um medo avassalador lhe corrói na questão de um mísero floco de neve adentrar seu castelo. — Vocês fecharam todas as janelas?!

— Sim, tudo está trancado. — Responde Becca confusa pela reação de espanto da condessa. — Algum problema, M'Lady?

— Não sou apreciadora do inverno. — Suspira Alcina em aflição. — Eu só quero que essa estação diabólica termine logo.

— O castelo está bem aquecido, isso eu garanto. — Diz Becca com cautela, e a confiança em sua voz traz a atenção de Alcina outra vez para si. — Também não sou fã do inverno.

— E qual seria sua estação favorita? — Pergunta Alcina carregada de curiosidade.

— Verão. — Becca sorri fraco por lembrar-se de alguns momentos com Prue durante a estação. — Eu e minha irmã sempre amamos o calor, e nadar na cachoeira era nossa parte favorita. E a caça também é mais fácil.

— Por falar em sua irmã, conseguiu aproveitar o tempo com ela?

Becca não consegue raciocinar o quanto Lady Dimitrescu demonstrava interesse nas suas falas, o que ocasionou em sua boca muda nos próximos segundos antes de prosseguir normalmente.

— Sim. E ela está bem. — Becca morde seu lábio e desvia seu olhar para baixo, encarando seus pés antes de juntar coragem para dizer o que realmente necessitava. — E por falar nisso, gostaria de saber quando receberei minha recompensa?

— Que bichinho impaciente. — Murmura Alcina sem desfazer de seu sorriso angelical. — Pois bem, eu lhe darei agora. — Com a proposta, Becca novamente levanta sua cabeça para recebê-la. — Um desejo.

— O que? — A loira apenas pergunta para ter a certeza de que ouvira certo.

— Diga um desejo seu, e eu o realizarei. Pode ser qualquer coisa. — O tom de voz da condessa soa mais ousado, e seu sorriso se esbanje ainda mais.

— Qualquer coisa?

— Exatamente.

— E você irá fazer?

— Sem hesitar.

Becca pensou. Hesitou mentalmente. E voltou a persistir em silêncio. De seus desejos, das suas vontades, havia algo que ansiava por um bom tempo, e agora que poderia ter a chance de conquistar mesmo sendo a última vez, não a desperdiçaria.

— Um beijo.

Um misto de euforia e satisfação iluminou-se através dos olhos dourados de Alcina, e ter recebido o pedido ousado de Becca não poderia ter lhe trazido mais agrado. Ela almejava em ver sua caçadora lhe implorar, ou melhor, pedir piedosamente para obter tal recompensa. E agora, cá estavam elas, tão próximas uma da outra e com uma nova chance de compartilhar de seus sabores.

— Um beijo. — Repete Alcina abusando de seu tom sedutor. — Menina atrevida. — Becca cora com o apelido, mas não desvia o olhar da condessa. Seu coração palpitava tanto ao ponto de quase errar suas batidas. — Pois bem, eu sou uma mulher de palavra. Se deseja meus lábios, então venha até eles. — Se oferece abertamente.

Obviamente Becca não conseguiu dar um único passo depois de ter recebido a permissão de Alcina, por achar que estava fácil demais e ser algum truque. Por outro lado, a condessa se mostrava a vontade e até mesmo transpareceu em querer a mesma coisa. Muito provavelmente Becca poderia se arrepender futuramente, e até mesmo se odiaria por ser tão fraca em relação a sentimentos. Ao menos, estaria saciada pelo seu último beijo. Ou não.

É impossível de prever o futuro, e ele pode muito bem lhe trazer perigos se trilhasse pelo mesmo caminho que ousava a seguir. Mas a partir do momento que Becca deu o primeiro passo para mais perto da condessa, a ponto de erguer seu joelho para apoiá-lo no colchão ficando a uma altura aceitável para ao menos alcançar os lábios dela, o futuro deixou de ser assustador quando suas mãos abraçam o pescoço de Alcina para então ter um apoio servindo de encontro para seus lábios.

Exatamente como da primeira vez, seu beijo iniciou-se calmo e sendo apenas um encostar de bocas tão meigo que fazia Becca sentir-se nas nuvens. Quase era difícil de acreditar o quão doce Lady Dimitrescu poderia ser, movendo seus lábios com tanta suavidade e auto-controle, e pendendo suas mãos na cintura da jovem caçadora para mantê-la mais perto de si, ocasionando em um delicioso aconchego assim que os pequenos seios de Becca pressionaram contra o busto farto de sua condessa, e bem cheios.

Na medida que sua bocas voltavam a se acostumar a ponta da língua de Becca buscava pela a de Alcina, o que fora compreendido quase de imediato por ela já imaginando o quanto a loira queria que houvesse mais intensidade entre elas, e assim a condessa o fez. Becca geme contra sua boca com a invasão da língua grande, e a abre mais para receber os intensos beijo de sua senhora, se excitando com seus dedos percorrendo suas costas até uma de suas mãos lhe pressionarem a nuca aprofundando o contato molhado entre ambas.

— Hum... Draga... — Alcina geme contra a boca de Becca, intensificando o calor que já fazia-se presente em seu corpos.

Naquele momento Becca já estava se deixando levar mais pelas sensações, enquanto todas as suas razões foram completamente esquecidas. Dane-se seus planos de derrubar aquele castelo e que se foda seus segredos. O único segredo que Becca queria desvendar era até onde a língua da condessa conseguiria alcançar. As mãos dela que antes seguravam gentilmente seu pescoço, desviam-se para cima preferindo tocar o rosto prateado de Alcina e sentir sua pele sem o excesso da maquiagem, e a sensação fora uma das melhores que havia sentido. Por Becca estar com o rosto erguido, o que poderia lhe causar um pequeno desconforto em seu pescoço, Alcina deixa sua nuca para levar ambas as mãos até a base das coxas de Becca, e então a puxa com um único movimento diretamente para o seu colo, fazendo-a soltar um pequeno gritinho de surpresa pelo ato que até mesmo suas pernas se prendem no quadril da condessa como uma maneira desesperada de buscar conforto.

Alcina interrompe o beijo para certificar-se de que Becca não estava desconfortável com sua atitude, além de perceber que suas bochechas estavam exageradamente avermelhadas e seus olhos mal conseguiam encara-la direito pela timidez.

— Fui muito ousada, draga?

O novo apelido pareceu acolhê-la, e ao contrário de "bichinho", a nova palavra transparecia algo mais doce e menos submissa, apesar de Becca não entender a língua romana. Mas só a preocupação da condessa já fora o suficiente para ela ter a certeza de que não estava em perigo.

— Não, M'Lady. Só não estava esperando.

— Podemos parar se você...

Becca ataca os lábios de Alcina interrompendo sua fala, e um sorriso formou-se nos lábios dela durante a dança de suas línguas, e ambas não conseguem mais manter seu auto controle, e com isto toques mais possessivos começaram a se desenvolver. Agora que estava no colo da condessa, Becca consegue ter mais acesso para aprofundar seus dedos nos cachos de Alcina, apertando-os vez ou outra despertando aos poucos o lado selvagem que ainda não conhecia dela.

Com o corpo da loira esfregando-se no seu, e seu quadril inquieto dando leves reboladas, Alcina não aguentou manter suas mãos somente nas costas de Becca, e as levou diretamente para suas coxas novamente ultrapassando a saia de seu uniforme e estremecendo ao sentir a cinta-liga em sua pele. Todos os tipos de pensamentos impróprios fez-se presente na sua consciência, e por tão pouco Alcina não rasga o fino tecido para deixar Becca nua em cima dela. Mas tudo precisava ter o seu tempo. Paciência e cautela. Contudo ela não quis poupar suas apertadas audaciosas em sua carne, levando seus dedos perigosamente no volume de sua bunda, fazendo Becca ofegar contra sua boca com aqueles toques precisos embaixo de sua saia feitos pela condessa.

As chamas da lareira pareciam acrescentar mais o calor que já se mostrava presente em suas peles, causando partículas de suor na região dos seios devido a camada de roupa que cobriam seus corpos, o que já estava sendo o suficiente para qualquer uma das duas perder o controle naquela cama tão convidativa. Os instintos de Alcina começaram a atiça-la, mesmo que estivesse ocupada nos lábios de Becca, seus ouvidos captaram uma aproximação vindo do corredor, e só pela maneira de andar soube de quem se tratava.

Afastou Becca rapidamente a movendo para fora da cama, com o cuidado para não machucá-la. Ao ser colocada em pé "bruscamente" e ter sido expulsa do seu colo, Becca não entendeu o porquê da condessa tê-la dispensando daquela maneira, até que tudo ficou mais claro quando Margaret adentrou o quarto.

— Senhora! — A supervisora se alegra ao ver Alcina acordada. — Graças aos céus, é bom vê-la desperta! Como está se sentindo?

— Melhor. — A condessa estica suas pernas para fora da cama, sentando-se na beira. — Fiquei sabendo que Mãe Miranda esteve aqui.

— Sim, senhora. Precisarei informá-la de que acordou, foi o pedido dela.

— Eu mesma irei informá-la, não perca seu tempo com isto. — Dispensa Alcina levantando-se da cama. — Antes de tudo, quero agradecê-la pelos seus cuidados, e também a Srt. Walker. — Ela lança um olhar encantador para Becca, acompanhado de um sorriso terno. — Graças a ela fiquei bem aquecida.

É claro que Margaret interpretou o pequeno elogio como sendo algo referente ao serviço de Becca em manter a lareira acesa, ao contrário da própria empregada que ainda manteve-se desnorteada pelo beijo fogoso que compartilhou recentemente com a condessa, e agora precisava agir como se nada tivesse acontecido. Perguntou-se naquele momento como que Alcina conseguia ficar tão plena sendo que a menos de um minuto estava com suas mãos possessivas apertando suas coxas por debaixo da saia?

— Isso é ótimo. — Elogia Margaret tirando Becca de seus devaneios. — Gostaria de saber se precisa de algo a mais? Sente-se tonta? Necessita de um prato específico?

— As meninas estão fazendo Ciorba de Legume. — Comunica Becca para tentar despertar um interesse na condessa em servir-se do prato.

Ouvir sobre a sopa da região fez Alcina viajar no tempo e recordar da noite em que Amélia fora a sua casa para preparar a mesma refeição, com a companhia de vinho e boas risadas. Tanto a preparação da janta quanto o momento em que dançaram jazz na sala até caírem juntas no sofá passou como flashs em sua mente, e tragicamente o olhar da condessa decaiu levemente. Contudo, a nostalgia lhe deixou com apetite.

— Eu adoraria. — Alcina aceita agradecida, e Becca lhe devolve um sorriso discreto passando despercebido por Margaret. — Se importa de levar a sopa para o meu escritório? — Pergunta a supervisora em seguida.

— Agora mesmo, minha senhora! — Margaret se apressa saindo do quarto primeiro, sendo seguida por Alcina que a acompanhou até o final do corredor.

Mesmo com o quarto vazio, Becca ficou simulando o que acontecerá até pouco tempo, não deixando de tocar seus lábios para apreciar o gosto de Lady Dimitrescu ainda impregnado neles. Estava perdidamente atraída pela mulher alta, e as chances de seus sentimentos se aflorarem e ficarem ainda mais intensos já se mostravam altas — como sua M'Lady — diga-se de passagem. Sua história contendo um mistério tentador, o castelo e tudo o que há nele incluindo as criaturas que o rodeiam já se mostravam de um interesse maior por Becca, que agora nutria uma admiração que substituiu seu desdém de antigamente.

Decidiu por fim deixar o quarto dando uma última olhada na cama onde esteve com a condessa, viajando pelos seus pensamentos repletos de ternura e inseguranças. Não uma insegurança dela mesma, mas sim do que as outras pessoas iriam achar se descobrissem sua atração pela Lady do castelo que tanto assombrou o vilarejo durante décadas, e que até semanas atrás era a maior inimiga de Becca. Era uma reviravolta em tanto.

Alcina chegou ao seu escritório, fechando a porta como sempre para manter sua privacidade e seguindo para diante de sua mesa onde ficou encarando seu telefone por um bom tempo. Sempre que tinha a percepção de que teria que falar com Miranda precisava ter um tempo para preparar seu estado mental e manter-se no personagem que a sacerdotisa acreditava ser real, e suspeitava de duas coisas: Ou Miranda se demonstraria furiosa pela sua recaída de mais cedo, ou ela deixaria passar dando apenas um aviso ameaçador para que não aja uma próxima.

— Que seja rápido. — Deseja Alcina pegando o telefone e discando o código de Miranda.

Durou apenas segundos até que a voz da sacerdotisa soasse do outro lado da linha.

Sim, Margaret?

— Sou eu, Mãe.

Alcina consegue ouvir um longo suspiro vindo de Miranda, e tentou identificar se era de alívio ou desapontamento.

Que satisfação ouvir sua voz, minha criança. — Contempla Miranda aliviada. — Não sabe o tremor que me causou quando soube da sua recaída.

Peço suas desculpas, Mãe. Não foi a minha intensão lhe causar problemas. — Alcina se adianta para não receber nenhuma reprovação.

Não há porque me pedir desculpas, Alcina. Você foi uma mãe, assim como eu, e sabemos que não é fácil superar a solidão. — Miranda compartilha de sua sabedoria já deixando claro que estava ciente sobre a causa da recaída de Alcina mais cedo. — Tudo o que estou fazendo é justamente para por um fim nesse doloroso luto e trazer uma segunda chance a nós. A única coisa que vou lhe pedir é para ter mais paciência, o projeto já está em desenvolvimento, e pode levar mais um mês ou dois para ser finalizado.

— Projeto? Se refere a minha cerimônia? — Alcina fica na dúvida não sabendo ao certo sobre o que Miranda se referia naquele assunto.

Os preparativos para a sua cerimônia estão em andamento, sim. Mas me referia ao novo experimento que estou realizando. Um presente, por assim dizer. — Miranda olha por sob o ombro os três corpos das donzelas que estavam sendo consumidos pelas moscas. — Infelizmente não posso vê-la por questões do trabalho, mas assim que a tempestade passar irei até o castelo. Até lá repouse.

Sim, Mãe.

Até breve, minha criança.

Ao desligar o telefone, Alcina reflete sobre a questão de Miranda estar trabalhando em um novo experimento, e isso era deveras preocupante. Tratando-se de seu currículo poderia ser referente a cerimônia, ou pior. Provavelmente Miranda estaria no subsolo do cemitério, por ser onde a maioria de seus experimentos eram feitos, e Alcina ficou pensando em uma maneira de entrar no laboratório em um período que a sacerdotisa não estivesse presente, para então descobrir sobre sua trama.

— M'Lady?

A voz intrusa faz Alcina afastar-se da mesa para ficar defronte à empregada, Gwendolyn. A mesma ocupava suas mãos com uma bandeja e um prato da sopa que as outras garotas haviam preparado para o jantar, e supostamente Margaret havia lhe mandado.

— Pode deixar na mesa. — Alcina toma distância do móvel para deixar a empregada realizar sua tarefa, a olhando atentamente enquanto se esforça em lembrar de seu nome. — Obrigada, Srt...?

— Jones, M'Lady. — Gwen se apresenta novamente com seu sobrenome sem deixar de fazer uma breve reverência.

— Srt. Jones. — Completa satisfeita.

— Com licença, M'Lady.

No momento que Gwendolyn deixa o escritório Margaret entra lançando um rápido olhar de aprovação para a empregada que concluiu sua tarefa corretamente, e Alcina sorriu para si mesma o que trouxe um sentimento de curiosidade para a supervisora.

— Tudo certo, minha senhora? — Ela verifica.

— Eu ainda não decorei o nome das meninas. — Confessa contornando a mesa para sentar-se em sua poltrona e aproveitar do jantar. — Acho que falhei como patroa. — Brinca para se descontrair .

— Se isso irá deixá-la menos mal, eu também tenho dificuldade para chamar o nome de todas. — Compartilha Margaret parando em frente a mesa. — Por um acaso, conseguiu avisar a Mãe Miranda sobre a sua recuperação?

— Sim, e estou preocupada. — Desabafa Alcina tirando o prato de sopa da bandeja deixada por Gwen e o pondo diante dela para iniciar sua refeição. — Miranda está trabalhando em um novo experimento, por isso ela não virá agora.

— Qual tipo? — A testa de Margaret se enruga devido à preocupação que lhe atingiu com a notícia.

— Miranda nunca foi de compartilhar sobre seus experimentos, ela mantém tudo em total sigilo. A única coisa que ela confirmou é de que se trata de um presente para mim. — Conta Alcina desviando seu olhar para a nevasca do lado de fora através de sua persiana. — Isso me dá medo. Quando se trata da mente perturbada da Miranda todo o tipo de maldade é possível. Um lado bom é que a minha cerimônia será adiada, ao menos.

— Isso é bom. Teremos mais tempo para planejar algo. — Margaret demonstra sua lealdade sem nem hesitar.

— Não precisa se arriscar desse jeito, eu lido com isso sozinha. A única coisa que vou exigir de você é que mantenha as meninas segura caso as coisas saem do controle.

— Mas, senhora...

— Sem "mas", Margaret. — Interrompe Alcina com mais precisão. — Já te coloquei em perigo por ter contado a verdade, e só isso basta. Além do mais eu sou a única que tem capacidade de enfrentar a Miranda, então eu me viro.

Se havia algo que Margaret aprendeu convivendo com Alcina em tão pouco tempo, era que ela tinha uma grande preferência em lidar com as coisas sozinha, se recusando a aceitar qualquer tipo de ajuda que lhe fosse oferecido. Talvez um dos principais motivos de Alcina ter esse comportamento seja pelo fato das pessoas em que ela perdeu, pessoas essas que tentaram ajudá-la. Margaret sentia o peso da culpa no olhar da condessa, por mais que ela tentasse escondê-la por debaixo da sua personalidade bruta, mas não havia como ela enganar a supervisora, e até mesmo não estava tendo o mesmo efeito em Becca que também demonstrou ter habilidade para lê-la apenas com suas observações ocultas.

— Como a senhora deseja.

Margaret lhe reverência disposta a deixá-la com sua privacidade, retornando para a cozinha e por fim também servise da sopa na companhia das garotas. Todas estavam presentes tendo escolhido a cozinha para realizar sua refeição por conta do fogão a lenha mantendo o ambiente aquecido, e a maioria conversava com assuntos do trabalho sendo compartilhado por cada uma. Alyssa comentou sobre ter escorregado no Saguão de Entrada ao ter pisado no sabonete enquanto lavava o chão, e que seus olhos estavam vermelhos por causa da espuma na hora da queda. Dito isso, Gwen acabou fazendo uma piada para se aproveitar do momento.

— E eu achando que você tinha fumado um dos cigarros da condessa.

Houve uma crise de risos após o comentário de sua colega, e Willow chegou a engasgar com a sopa precisando receber tapinhas de Becca para ajudá-la a recuperar o ar.

— Valeu. — A ruiva agradece depois de tossir algumas vezes.

— Vem cá. — Penélope chama a atenção de Becca, que estava sentada a sua frente. — O que você estava fazendo no quarto da condessa?

— Penny! — Becca exclama baixo e olha rapidamente para suas colegas, mas elas estavam entretidas do outro lado da mesa fazendo piadas sobre maconha e dos olhos de Alyssa. Em seguida retornou para Penélope. — Fala baixo, por favor.

— Desembucha. Você tentou matá-la de novo? — Pressiona Penélope.

— Não. — Becca desvia o olhar para seu prato. — Ela acordou antes do esperado.

Penélope não quis prosseguir com o assunto, porém um sentimento suspeito despertou ao presenciar o comportamento estranho de Becca, ainda mais depois da loira estar agindo diferente com os dias atuais em comparação de quando Becca chegou ao castelo. A cozinha inteira fora silenciada quando Lady Dimitrescu simplesmente invadiu o local sem qualquer aviso prévio conseguindo causar uma forte tensão muscular em cada uma das empregadas.

Becca fitou a condessa sem quase piscar, e sem receber um olhar da volta por motivos óbvios, mas que lhe causaram uma pequena falta. Alcina estava com a bandeja em mãos, e seu prato vazio, depositando-os a pia e com uma expressão fechada que causava ainda mais atrito entre as garotas.

— Quem fez a comida? — A condessa interroga virando-se para encarar cada uma das donzelas com um olhar tão penetrante que poderia rasgar suas almas.

Todas acreditavam que Lady Dimitrescu havia ficado insatisfeita com a sopa, e para evitarem de serem punidas denunciaram Mila e Eden em silêncio, usando a força de seus olhares de julgamento. A dupla engoliu seco sentindo cada membro de seus corpos paralisados a partir do momento que a condessa as encarou.

— Eu e a Mila cozinhamos. — Responde Eden quase gaguejando.

O único som a ser ouvido na cozinha fora dos passos pesados da Lady se aproximando até onde as duas empregadas se encontravam na mesa, com ambas sentindo um nó na garganta e até mesmo seus olhos não deixaram de lacrimejar por receberem uma longa atenção da condessa. Becca até mesmo estava preocupada com suas colegas, e não acreditava que Lady Dimitrescu fosse puni-las caso tenha desprezado a sopa, afinal nenhuma delas tinha culpa.

O clima na cozinha mudou completamente quando a condessa mudou sua expressão fria por um sorriso de gratidão junto a um brilho em seu olhar dourado.

— Estava deliciosa. — Elogia as garotas antes de prosseguir até a saída, sem antes de dar uma rápida espiada em Becca sem deixar o sorriso nos lábios.

Com a sua saída, todas voltarem a respirar normalmente, com exceção de Eden que manteu-se paralisada e ainda em estado de processamento com o elogio que recebeu da própria Lady Dimitrescu.

— Tudo bem, Eden? — Suspira Mila ainda pálida.

— Calma, a alma dela ainda não voltou pro corpo. — Comenta Gemma conseguindo arrancar algumas risadas de suas colegas. — Me admira a Mila ter mantido a calma.

— "Calma" nada, eu quase me caguei! — Exclama Mila com os olhos arregalados.

Penélope quase cospe sua água por estar ingerindo da bebida no momento em que o comentário fora dito, e Becca se divertia junto de Willow com as reações de espanto das outras empregadas. Por sorte, a sopa havia agradado a todos.

***

A nevasca suavizou com o passar dos dias, completando-se um mês desde a chegada das garotas ao castelo. Nem mesmo Becca acreditava que as semanas passaram-se em um sopro, tendo em vista que no início era quase torturante vivenciar os primeiros dias dentro daquelas paredes frias. Sua relação com a condessa estava diferente, mas que transmitia um sentimento bom apesar de estranho. A convivência dentro da propriedade fez Becca descobrir que nem tudo o que lhe fora contado na infância, relacionado as lendas dos aldeões sobre os atos cruéis de Lady Dimitrescu eram verdade. Ao menos, até o momento Becca ainda não havia presenciado tais atos, e ela desejava que estivesse errada sobre suas inseguranças.

O tratamento da condessa com as empregadas era um tanto cauteloso, e com exceção da morte de Mary no primeiro dia, nenhuma das outras garotas correu qualquer tipo de perigo dentro do castelo. Até mesmo quando Alcina precisava se alimentar de uma das virgens era extremamente cuidadosa, e as colegas de Becca que serviram seu sangue alegaram que em nenhum momento a condessa foi rude ou demonstrou qualquer ameaça. Algumas ainda acreditavam de que Lady Dimitrescu tinha algum tipo de poder de manipulação e que ela poderia controlar as mentes das empregadas quando bem entendesse, enquanto outras tiveram suas percepções mudadas e adquiriram uma admiração por sua M'Lady.

Sempre que Alcina visitava o túmulo de suas filhas conseguia sentir um calafrio alarmante em sua nuca, tendo a intuição de estar sendo observada a distância. De início ela acreditava que pudesse ser Becca, já que a mesma tinha o comportamento de admirar a condessa quando tinha a chance, mas havia uma diferença perceptível sempre que ela chegava ao jardim. Era como se tivesse alguém na floresta, entre as árvores, acompanhando cada passo que Alcina avançava entre os vasos de flores congeladas pela neve. Talvez poderia ser Miranda que estivesse garantindo de que ela não teria outra recaída, mas uma parte em Alcina conseguia distinguir a energia ambiental que contornava seu castelo, e seja lá quem estivesse a espionando não tinha a mesma aura da sacerdotisa.

Preferiu deixar o jardim por garantir sua segurança e passar um tempo na biblioteca no conforto da lareira, apreciando um de seus livros e claro, desfrutar de mais um dos seus cigarros para manter-se relaxada. Neste mesmo período, Becca se encontrava isolada no quarto das empregadas, fazendo alguns minutos que estava sentada em sua cama e segurando a adaga em suas mãos. Fazia-se dias que esteve repensando sobre sua decisão de eliminar a condessa, chegando a conclusão que não parecia ser algo justo. Se existisse alguma ameaça vindo diretamente de Lady Dimitrescu teria percebido nos primeiros dias que dormiu no castelo e então faria algum sentido em matá-la o quanto antes para impedir das outras garotas se machucarem, incluindo sua irmã. Mas não existia. Havia ainda tantas dúvidas em Becca que a deixavam indecisa, mas de uma coisa ela estava certa por agora e era referente a aquela adaga. "Eu tenho que me livrar disso.".

Aquela lâmina era perigosa demais, e até mesmo suas colegas estavam correndo o risco de ter uma arma do tipo dentro do quarto. Para a sorte de Becca suas amigas souberam guardar segredo e até então ninguém soube da existência da adaga que não fosse elas. A única alternativa a ser feito era entregá-la para a única pessoa que poderia mantê-la em segurança, longe de qualquer outro que poderia abusar da arma para fins malignos — como quase ocorreu com a própria Becca.

Usando a fronha do travesseiro para cobrir a lâmina por completo e deixá-la macia em suas mãos sem o perigo de se cortar e contrair os diversos tipos de venenos que coexistem na adaga, Becca sai do quarto a procura da condessa. Primeiro, ela abriria o jogo e pediria desculpas. E como um gesto de arrependimento a entregaria o artefato por saber que Lady Dimitrescu era a única que a manteria em um lugar seguro. Com tudo o que aconteceu entre elas, desde de beijos trocados e toques gentis, Becca gostaria de se mostrar alguém de confiança na qual a condessa poderia se aliar. Mas claro, as chances de dar errado também são contáveis, pois isso envolve tentativa de assassinato. Somente quando a adaga fosse entregue que Becca teria suas respostas.

Acabou tendo sorte de decidir procurar pela biblioteca primeiro, já encontrando sua condessa na metade de seu cigarro e descansando em sua poltrona diante da lareira. A primeira coisa que percebeu fora a música sendo exibida em um toca-disco antigo próximo de Alcina, um gênero suave e com uma bela voz feminina, e um tanto familiar, cantando suavemente ao que parecia ser jazz.

Ao perceber a presença da empregada que havia entrado sorrateiramente, Alcina se apressa em desligar o toca-disco de uma maneira discreta antes que Becca pudesse decifrar quem era a cantora do álbum.

— Draga. — Alcina a recebe com mais um de seus belos sorrisos que sempre obtinham um destaque encantador pelo batom escarlate. — Precisa realizar alguma tarefa na biblioteca?

— Na verdade, eu estava a procurando, M'Lady. — Becca se aproxima aos poucos, e os dedos nervosos apertando com firmeza a adaga por dentro da fronha que mais se parecia apenas com um pano vazio aos olhos de Alcina.

— E você me achou. — A condessa se ergue da poltrona depositando o cigarro no cinzeiro em cima da pequena mesa de leitura ao lado. — Do que precisa?

Becca se aproxima um pouco mais por estar envolvida no perfume que obtinha uma fragrância floral envolvente vindo da condessa, e não deixou de aproveitar para ler a capa do disco exposta na mesma mesa onde se encontrava o cinzeiro, conseguindo ver apenas o Miss D na parte central e passando a crer de que seria a artista que ouvira cantar segundos atrás. E claro, Becca também não poderia deixar de apreciar o exuberante vestido preto com mangas bufantes que fora usado pela condessa no dia da colheita, tendo falta apenas o seu chapéu que não estava em sua cabeça deixando seus cachos perfeitamente arrumados.

— Eu tenho pensando em algumas coisas, recentemente. — Becca começa a desabafar, sem conseguir manter muito contato direto por estar com medo do que pode acontecer quando a verdade vir a tona. — E acho que não fui sincera com a senhora.

— Eu não vejo sentido nessa acusação. — Alcina argumenta com tranquilidade e nenhuma suspeita. — Você sempre me transpareceu ser verdadeira, até demais.

— Tem coisas sobre mim que a senhora não sabe. — Alega Becca juntando forças para continuar. — Minhas primeiras intenções ao pisar nesse castelo, as coisas que pensei da senhora...

— Eu não tenho uma boa fama lá fora, draga. — Diz Alcina ciente do fato. — Quase todos pensam absurdos de mim, mas não acho que você deve ser como eles. — Ela avança um pouco mais quebrando a pequena distância entre ambas, esticando um dos braços para que seus dedos enluvados pudessem tocar o rosto de Becca. Ao receber o toque a loira deixa escapar um suspiro de conforto. — Quando eu a conheci na colheita tive um forte pressentimento do quanto você era diferente das demais. E eu fiquei fascinada. Uma garota que luta pela vida, que se arrisca a qualquer custo para proteger o que lhe é mais precioso, é algo de se admirar. Se soubesse o quanto me atrai, draga.

— Por que me trata como se eu fosse especial? — Questiona Becca.

— Você conseguiu despertar algo dentro de mim que eu acreditei ter perdido. — Alcina confessa sem nenhum receio de demonstrar seus sentimentos, olhando fixamente para os olhos âmbares que carregavam surpresa por dentro de suas íris. — Talvez fosse sua ousadia, ou seu dom para caçada que tenha me conquistado. Pode ser até além disso, mas você, Rebecca Walker, foi a joia rara que eu mais tive sorte em ter encontrado.

— Acho que eu não mereço esses elogios, M'Lady. — Recusa Becca sentindo-se mal consigo mesma. — Não depois do que tentei fazer.

— Do que está falando, draga? — Alcina se inclina para manter seu rosto próximo de Becca, para então tentar compreender o que seus olhos estavam transmitindo.

A aproximação da condessa fez Becca encarar as próprias mãos que continham a adaga escondida dentro da fronha, e só de ter Alcina tão próxima dela o medo de acabar machucando-a por acidente era inevitável, causando mais tremedeira em seus dedos.

— Meu propósito de início não era servi-la. — Becca sussurra com a voz quase falha, e para manter-se firme engole seco desprendendo o nó que formou-se em sua garganta. — Eu tinha outro objetivo. Insiste nele durante muito tempo, e passei a observar cada passo da senhora para encontrar uma fraqueza. Mas depois do que aconteceu entre nós as coisas mudaram, e me fez perceber de que não era isso que eu queria fazer. Mesmo depois de ter posse disso não consegui prosseguir por ser errado. — Becca lhe estende a fronha e Alcina ainda fica sem entender o que estava acontecendo. — Isso pertence a você, e eu jamais deveria ter tentando usá-la.

Fora então que Alcina percebeu algo sólido dentro do tecido, acrescentando em um pequeno volume. Seus instintos soaram freneticamente, lhe alertando do perigo que estava a sua frente. Mesmo que o poder de seu Cadou estivesse insinuando de que ela precisava se afastar, Alcina preferiu manter o contato com Becca e insistir na sua confiança.

— O que é isto?

Ver a inocência que a condessa estava levando com aquela velha fronha destruiu Becca por dentro, e no mesmo instante ela quis desistir. Porém não havia mais volta, e ela não queria ter mais aquela maldita adaga consigo.

— Eu a encontrei no dia da caçada. — Revela enquanto desembrulha a lâmina com cuidado para não escorregar do tecido. — A mantive comigo até agora, e me arrependo por te-lá carregado ao invés de abandoná-la.

Assim que a ponta da adaga fora exposta diante de Alcina imediatamente ela recuou para longe de Becca, e uma forte dor em seu peito lhe consumiu por testemunhar os detalhes das flores prateadas na arma que Ethan tentou usar para matá-la, e por tão pouco quase conseguiu. Becca ficou assustada com o comportamento de Alcina, pois dava para ver o quanto a lâmina lhe atingia intensamente, acionando seus maiores gatilhos para retornar ao passado e reviver seus pesadelos.

— Como você foi capaz?! — Alcina arfa indignada, e todas suas altas expectativas sobre Becca se quebram em pedaços como cacos de vidro.

— Eu sinto muito, M'Lady. — Murmura Becca arrasada por ser a causa do desapontamento da condessa, mas o que mais estava lhe atingindo foi o olhar amedrontado que estava a acusando. — Eu realmente...

— Eu confiei em você!

— M'Lady, por favor, eu não quero fazer nada com a senhora! — Becca tenta se aproximar de Alcina, no intuito de lhe entregar a adaga.

— Fique longe de mim! — Alcina ativa suas garras na frente de Becca, o medo sendo tão avassalador que precisou liberta-las para se auto defender caso existisse alguma chance da empregada tentar atacá-la. Sua confiança havia se perdido completamente, e isso já era notável por Becca. — Como você teve capacidade para andar com essa coisa no meu castelo?!

— Eu estava com medo! — Becca tenta se explicar, preferindo manter distância por temer as garras expostas. — As coisas que eu absorvi na minha infância, a má fama do castelo, era muita coisa para lidar e eu me baseei por boatos! Eu deveria ter ouvido a Margaret, me perdoe por isso.

— Você não tem noção do quanto essa adaga me prejudicou. — A voz de Alcina se encontrava ameaçadora, tornando-se uma experiência péssima para Becca por estar sendo a verdadeira razão de sua raiva. — E pensar que você esteve com ela desde a caçada... — Algo veio como um balde de água fria na mente de Alcina, e só então ela deu-se conta de algo estranho que ocorreu no seu primeiro beijo com Becca, e que agora fazia todo o sentido. — Você estava com ela naquela noite, não estava? — Acusa Alcina substituindo sua raiva por angústia. — Você estava a escondendo atrás das suas costas.

Injustamente os olhos de Becca umedecem, um fenômeno que ela não esperava que ocorresse. Mal compreendia seus sentimentos pela condessa, mas por chegar a um estado de quase chorar na sua frente dava para ter a perfeita noção de que não era qualquer sentimento.

— Eu estava. — Confessa envergonhada.

Alcina abalou-se com a confirmação, dando-se conta de que nunca fora realmente correspondida por Becca, ao menos fora assim que ela interpretou. Sua cabeça começou a girar em torno de seus lembranças com o beijo, um momento que para ela tornou-se um acontecimento verdadeiramente amoroso, mas que destruiu-se quando Alcina percebeu que poderia ter sido morta caso Becca não tivesse desistido no último segundo. Por conta de ter-se aberto para um futuro amor, de ter permitido a entrada da Walker em seu castelo, seus planos de destruir Miranda e manter tanto Rose quanto Chris a salvos poderiam ter sido destruídos. Apenas por um mero descuido envolvendo sentimentos humanos.

— Eu fui uma tola. — Alcina se acusa. — Pensei que você era diferente, que podíamos... — Ela preferiu guardar seus emoções somente para si, por já não bastar seu erro em demonstrar sentimentos. — Eu deveria ter ficado com a sua irmã ao invés de te aceitar.

— M'Lady... — Becca investe em uma segunda tentativa de se aproximar de Alcina, mas a mesma recua por temer a adaga em suas mãos.

— Eu já disse para ficar longe de mim! — Os olhos amarelos vibram expondo seu poder oculto, e até mesmo a voz de Alcina fica duplicada como se uma outra entidade estivesse se revelando. Ou talvez pudesse ser o dragão despertando.

— Eu não quero te machucar! — Garante Becca ficando histérica pelas ameaças e entrando quase em estado de pânico.

— Margaret! — Alcina tenta pedir ajuda, desejando que a supervisora a ouvisse independente de onde possa estar.

— Eu apenas quero lhe entregar a adaga!

— MARGARET!

Aos prantos Margaret chega na biblioteca ofegante por ter escutados os gritos de Alcina direto do pátio central do castelo, e logo ela enrijece ao ver Becca segurando uma adaga enquanto a condessa tentava mantê-la afastada com suas garras. Somente com aquela cena Margaret já interpretou que Becca pudesse estar ameaçando Alcina com a arma.

— Por Deus, o que significa isso, Becca?! — Exclama apavorada.

— Margaret tire a adaga dela! — Ordena Alcina.

— Becca, me dê isso. — Margaret se aproxima com cautela e esticando o braço para receber a adaga.

Becca não sabia ao certo o que fazer. Nem mesmo conseguia sair do lugar por estar presa ao olhar entristecido de Alcina, carregado por uma profunda decepção.

— Rebecca! — Margaret lhe chama a atenção novamente, sendo mais severa para conseguir fazer Becca olhá-la diretamente. — A adaga. Me entregue.

Por fim ela recobre a percepção e lhe estende a lâmina, livrando-se finalmente do artefato.

— Cuidado. Ela é venenosa. — Alerta Becca para manter uma segurança maior de Margaret.

A supervisora no entanto encara incrédula a empregada com a informação e toma a adaga com um certo receio, e em seguida retorna para Alcina se comunicando através de seus olhares.

— M'Lady. — Becca insiste em conseguir a chance de se explicar. — Por favor, deixe-me...

— Chega! — Alcina a corta outra vez, e Becca morde a língua com medo de prosseguir. — Por hoje já foi o suficiente. — Suas garras se encolhem até tornarem-se seus dedos novamente, e Alcina vira-se de costas preferindo encarar a lareira ao permitir de Becca presenciar seus olhos lacrimejando. — Você me desapontou, Srt. Walker. Suas ações sempre terão consequências, e até eu me decidir o que irei fazer com você fique longe das minhas vistas. Agora saia!

Na atual circunstância, e de seus profundos sentimentos, uma apunhalada com a adaga teria sido menos dolorida do que as palavras que recebeu da condessa. A última vez que sentiu-se tão mal, a ponto de sentir seu coração despedaçar, fora quando Greta pediu o término da maneira mais injusta que poderia ter feito, e desde então Becca recusou-se a aceitar uma nova chance para amar. Era esse seu sentimento? Amor? Caso fosse, suas expectativas de ser aceita por Alcina foram quebradas.

Por aceitar seu erro, Becca se retira da biblioteca como lhe fora ordenado, seguindo fielmente seu cargo como sendo apenas uma mera empregada. Margaret acompanhou seus passos até a mesma não estar mais presente, e fitou as costas de Alcina sem saber ao certo o que fazer com a adaga em sua posse.

— Minha senhora, o que devo fazer com isto?

— Se livra dela. — Suspira Alcina sem deixar de encarar as chamas. — Garanta de que ninguém irá encontrá-la de novo.

— E quanto a Rebecca?

Alcina custou para responder a pergunta. Qualquer menção envolvendo a garota já a deixava com mais aflição, e ainda não havia absorvido tudo o que Becca lhe confessou. A realidade, era que Alcina não sabia o que iria fazer.

— Livra-se dessa adaga. — Volta a repetir sem responder a pergunta anterior.

Sua vontade era de destruir cada estante daquela biblioteca e por sua angústia para fora, mas Alcina preferiu aguardar a saída de Margaret para fazer qualquer coisa. E quando ocorreu de estar sozinha pela primeira vez descontou sua força na mesa que acomodava seu cinzeiro e o toca-disco, tendo todas as peças destroçadas pelo chão mesmo que o álbum de jazz fosse importante para Alcina.

Feito a bagunça, ela se permite pôr as lágrimas que havia segurado até então mancharem sua maquiagem, perdendo-se em seus conflitos internos e julgando-se por ser quem era. Se achava uma completa idiota por ter esquecido da adaga que estava perdida próximo de seu castelo, e xingou a si mesma por ter sido ingênua o suficiente por não enxergar as verdadeiras intenções de Becca. Para ela nada havia sido real, apenas uma tentativa falha da empregada de conquista-la aos poucos até ter a chance de lhe apunhalar com a lâmina.

O amor pode machucar as vezes, e Alcina era a que mais tinha tamanha lucidez para saber. A única que mulher que realmente demonstrou amá-la, mesmo depois de saber sobre sua verdadeira identidade, foi Amélia. Por um momento Alcina acreditou que havia encontrado alguém que poderia amá-la como tal, sem ter medo do seu corpo "sobrenatural" e de suas habilidades. No entanto, nada mais passava pela sua cabeça além da certeza de que ela estava errada, e que Becca nunca nutriu os mesmos sentimentos. A única solução era aceitar o fato o quanto antes e não cometer o mesmo erro duas vezes, por mais que fosse doloroso.

Quando fora dispensada da maneira mais vergonhosa possível, Becca fugiu de suas obrigações para isolar-se no quarto novamente, encolhendo-se no colchão como fazia quando criança sempre que estava com medo. Os olhos marejadas e repletos de desprezo, as feições de julgamento vindo da condessa passaram a atormenta-la pelo resto do dia. "Como eu cheguei a isto?" se perguntava repetidas vezes. Agora a condessa demonstrava estar com ódio dela, e Becca voltou a considerar o castelo perigoso. "Até eu me decidir o que farei com você..." as palavras proferidas pela condessa lhe torturavam freneticamente, fazendo com que Becca pensasse todos os tipos de atrocidades que Alcina faria com ela por sua tentativa de assassinato.

Próximo do anoitecer Margaret lhe visitou no quarto, a assustando de início por achar que poderia ser a condessa, mas para o seu alívio — e desconforto — a presença da supervisora a deixou ainda pior pelo semblante desapontado que Margaret carregava. Becca ajeitou-se no colchão dobrando suas pernas para se manter sentada, tendo a companhia da supervisora que acomodou-se na beira da cama. Com um longo suspiro, Margaret une suas mãos por cima das coxas sendo considerado um comportamento seu quando ela precisava ter uma séria conversa com alguém.

— Onde você estava com a cabeça, Becca? — Margaret a interroga, mas não obtém uma resposta pelo fato de Becca não saber ao certo o que dizer. Por essa razão ela prossegue. — Passou pela sua cabeça de que aquela adaga poderia ter colocado a vida das suas colegas em perigo? E a sua também?

— Não. — Responde Becca encolhendo os ombros.

— Deu para perceber. — Murmura Margaret nada surpresa com o descuido de Becca. — Hoje você ultrapassou os limites, e não sabe o grande problema que quase causou. A condessa está extremamente desapontada com você.

— Ela disse alguma coisa sobre mim? — Pela primeira vez Becca encara Margaret durante a conversa, aguardando ansiosa por uma resposta positiva.

— Não. — Lamenta Margaret. — Mas ela pretende fazer algo a respeito, e por isso eu preciso que você mantenha distância dela para não piorar mais as coisas. Faça suas tarefas como devem ser feitas.

— Você se livrou da adaga?

— A deixei em um lugar seguro. — Garante sem dar muitos detalhes por precaução. Até mesmo sua confiança em Becca havia diminuído. — Além de nós, mais alguém sabe daquela adaga?

— Penélope e Willow. — Conta Becca não suportando mais mentiras. — Mas elas não vão contar pra ninguém.

— Assim eu espero, se não vai haver uma confusão enorme e a condessa terá que tomar medidas mais graves. — Margaret deixa a cama se posicionando de frente para Becca. — Eu quero que você repense com cuidado todas as suas atitudes, e amanhã irá trabalhar o dobro como punição. Fui clara?

— Sim, senhorita Margaret.

A supervisora aprovou sua obediência, já percebendo que Becca parecia estar profundamente arrependida e que talvez começasse a andar na linha sem causar mais confusões. Mesmo sendo possivelmente tarde para se redimir.

Com a chegada de suas colegas no quarto, Margaret sai em silêncio deixando as garotas com um "que" de dúvida, ainda mais por verem Becca isolada na cama e com uma expressão deprimente. Logo Penélope e Willow foram ao seu encontro por estarem preocupadas.

— O que a Margaret estava fazendo aqui? — Pergunta Penny.

— Recebi uma punição. Apenas isso. — Responde voltando a se encolher na cama e deitando de costas para suas colegas.

— Mas por que? — Willow insiste.

— Eu não quero falar sobre isso. Me deixem quieta, por favor.

Ambas trocam olhares em silêncio, entre tanto respeitam o pedido de Becca com cada uma indo para sua própria cama se desfazendo dos uniformes. Mesmo que tenha se aprontando para dormir mais cedo para ter energia suficiente no dia seguinte, os olhos de Becca mal se fecharam durante a noite, considerando aquela a segunda pior noite que conviveu no castelo. A ansiedade não a permitiu de pregar no sono tão cedo, tendo cada segundo sendo assolado pelo olhar de reprovação da condessa.

Como o esperado, não obteve o descanso que necessitava. Seus olhos pesados pelo cansaço dificultavam durante seu trabalho, e seus braços não davam conta de carregar pertences pesados por estarem moles. Algo que Becca mais temia acabou por se concretizar no dia seguinte: A ausência da condessa. Durante o período da manhã não esbarrou com ela em nenhum momento, e a tarde nem se fala. Becca evitou ficar perto de suas amigas por saber que receberia várias perguntas sobre sua punição, e no momento sua cabeça não estava no lugar para respondê-las.

Em um momento específico no período da tarde, ocorreu de Becca estar atravessando o Salão Principal e ouvir os passos de Lady Dimitrescu se aproximando com cautela, arrepiando sua nuca com o estalo dos sapatos de bico fino ecoando nas proximidades. Margaret apareceu no salão segundos depois dando um breve sinal para Becca se retirar o quanto antes. Sem outra alternativa ela obedeceu imediatamente saindo às pressas do salão antes da chegada de Lady Dimitrescu, ouvindo seus passos ficarem mais distante a medida que ela se afastava do local.

Era uma sensação angustiante. Ter que evitar os lugares onde a condessa estava, receber olhares de suas colegas aguardando alguma explicação sobre seu comportamento inusitado e ainda ter que conviver com uma possível punição da própria condessa.

No outro dia tudo se repetiu, mas desta vez Becca não precisou trabalhar o dobro. Mais uma vez ela sentia-se isolada pelo castelo, lutando contra sua vontade de se encontrar com Lady Dimitrescu e implorar por misericórdia, mas sempre que pensava em procurá-la mudava de ideia instantaneamente por temer mais ainda sua fúria. Com tudo, enquanto varria a neve acumulada no jardim na companhia de Mila e Alyssa que realizavam a mesma tarefa, com cada uma limpando uma parte do pátio, Eden chegou para lhe trazer uma ordem.

— Becca. — A morena lhe chama com um semblante sério. — É para você ir no escritório da condessa.

— Agora? — Pergunta Becca inusitada.

— Sim. Ordens da Margaret. — Informa Eden antes de partir para retornar com suas obrigações.

Deixando a vassoura no chão a loira segue um caminho torturante até o escritório, suspeitando de que receberia a tão esperada punição da Lady e estava nervosa por ser a primeira vez que se encontraria com ela desde o desentendimento na biblioteca. Começou a planejar o que diria a ela assim que entrasse, mas as palavras se embaralhavam por causa do seu desespero, e no fim ela não soube formular nada para se explicar.

Entre tanto, suas expectativas foram mais uma vez quebradas quando adentrou o escritório e encontrou Margaret ao invés da condessa.

— Era a senhora que queria falar comigo? — Confere Becca fechando a porta, dando uma rápida espiada a sua volta na esperança de que Lady Dimitrescu pudesse sair detrás das cortinas. Mas obviamente não ocorreu, e ela de fato não estava presente.

— Recebi ordens da condessa. — Ressalta Margaret se posicionando no centro do escritório. — Ela enfim decidiu sobre seu destino.

Os membros de Becca congelam, da mesma maneira que sua respiração tornou-se pesada.

— E o que ela decidiu? — Sussurra sentindo a palma de suas mãos soarem.

Margaret a fita intensamente, sendo algo sufocante para Becca suportar por muito tempo. Um silêncio suspendeu-se no ambiente, tendo apenas o som do relógio de parede quebrando a inquietude. E enfim, a resposta lhe foi dada.

— Pegue todos os seus pertences. Você irá partir do castelo amanhã.

Não houve qualquer movimento de Becca ao receber a notícia, muito menos veio qualquer pensamento. Apenas um silêncio em sua consciência, e um vazio no peito. Processou aquelas palavras lentamente, até absorvê-las por completo e recuperar o movimento de suas pernas e seguir de cabeça baixa para fora do escritório. Estava andando no automático, sem um rumo decidido por si só.

Parou ao pé da escada quando enxergou Lady Dimitrescu atravessando o corredor do segundo andar, sendo a primeira vez que encontrou-se com ela indiretamente após a discussão. Ela não soube decifra-la por conta da aba de seu chapéu cobrindo seu rosto perfeito, e a condessa pareceu não nota-la já que continuou seguindo tranquilamente até seus aposentos. Um vestido escarlate com alças era o que a Lady usava naquela tarde, deixando Becca descontente por não poder aprecia-la de perto. Após isso conseguiu apenas acompanhar o som de seus passos ecoando sorrateiramente até a mesma chegar ao seu quarto. Para algumas, o eco dos sapatos de Lady Dimitrescu poderia significar perigo, mas para Becca, escutar seus passos tornou-se uma melodia estranhamente agradável e satisfatório. Era uma pena saber que não poderá mais escutar os mesmos sons quando fosse embora do castelo.

Chegou ao Provador buscando sua roupa de caçada no armário de Helena, a única coisa de pertence seu que existia naquele lugar. Finalizou suas tarefas com antecedência e dirigiu-se para o banheiro na esperança de se recompor com a água gelada chicoteando suas costas. Becca estava tão deprimente que até mesmo não teve a menor vontade para o jantar, preferindo isolar-se no quarto outra vez e ficar deitada em sua cama enquanto aguardava o nascer do sol. Ela não quis contar a verdade para suas amigas, e pretendia sair do castelo antes do amanhecer para evitar uma despedida melancólica. Se havia algo que Becca odiava era ter que dizer "adeus" para alguém, uma das razões dela ter inseguranças em aceitar novas pessoas entrar em sua vida.

Na madrugada passou breves momentos encarando o teto da torre, escutando os roncos de Alyssa e mais alguns múrmuros sonâmbulos de Delilah. Becca detestou a questão do dia ter passado tão rápido, logo este em específico que ela desejava ter tido mais tempo para planejar uma maneira de conseguir o perdão da condessa. "Quanta hipocrisia." julgou-se mentalmente. "O que eu mais desejava era sair daqui, e cá estou... Rejeitando o fato de que partirei do castelo."

— Sua idiota. — Cochicha Becca criticando a si mesma.

Um novo efeito sonoro chamou sua atenção no calar da noite, abafando os roncos de Alyssa e satisfazendo os ouvidos de Becca. Uma canção. Alguém estava cantando, e a voz chegava a ser tão convidativa que fora o suficiente para fazer Becca levantar de sua cama e aproximar-se da janela acima da cama de Alyssa. Andou na ponta dos pés e erguendo sua camisola para não tropeçar por acidente, e até mesmo precisou morder o lábio inferior para não rir da expressão sonolenta de Alyssa que estava com a boca aberta sendo a causa dos seus roncos altos.

Através da janela que dava acesso ao pátio central, Becca notou uma iluminação vindo da Galeria, e além da voz majestosa um piano acompanhava a canção. Era Lady Dimitrescu. Sua melodia era calma, e até mesmo triste, que poderia representar a solidão que a condessa estava convivendo. Contudo não deixava de ser bela. Envolvida com a música, uma luz transcendeu no peito de Becca, lhe trazendo coragem para enfrentar seus medos e corrigir seu erro. Aquela poderia ser sua única chance de fazer a condessa mudar de ideia, e quem sabe, ela poderia viver no castelo por mais tempo.

Deixou o quarto às pressas, andando descalça pelos corredores e sem pensar na probabilidade de encontrar-se com as criaturas outra vez. Na verdade, pensou que seria uma boa ideia disso acontecer, visto que Alcina poderia salvá-la de novo. Quando chegou ao pátio não deparou-se com nenhum monstro, e muito menos escutou a música e sem qualquer informação sobre o paradeiro da condessa.

Sentiu uma vibração vindo acima de sua cabeça, arrepiando os pêlos de seu corpo, e não era por questão da corrente gelada. Erguendo a cabeça conseguiu vislumbrar a silhueta de Lady Dimitrescu no terraço do castelo, sem ter uma visão muito nítida por estar escuro e mais a distância do chão para o terraço. "Como ela subiu lá em cima tão rápido?!" Não tendo outra opção — a não ser retornar ao seu quarto — Becca apressou-se para pegar o elevador sendo o único meio de locomoção que a levaria para o terraço. Sabia que se tratava de uma ala proibida, mas seu desespero de acertar-se com a condessa a incentivava mais do que dar atenção ao alerta de Margaret.

O terraço nutria uma forte onda congelante justamente por ser a parte mais alta do castelo, e Becca estremeceu por conta da sua camisola ser fina e não ser o suficiente para aquecê-la do frio. Sua teimosia a motivou a trilhar pelo caminho entre as telhas, e até mesmo estava um pouco assustada com a novidade do local por ser sua primeira vez. A condessa não estava a vista, e alguns sons estranhos de "aves" a deixavam incomodada. Houve uma movimentação sorrateira na torre a sua direita, ativando os instintos de caçadora que Becca nutria, até que a surpresa lhe ocorreu. Uma criatura humanoide surge no breu da noite, abrindo suas asas esqueléticas que estavam fundidas aos seus braços, e sua aparência se assemelhava com as criaturas que uma vez a atacaram dentro do castelo.

Becca deixa escapar um palavrão com a chegada da criatura bizarra e tenta escapar escalando o telhado, e por descuido seus pés sofrem lesões pelas telhas que se partiram, com alguns cortes sendo feitos em sua pele trazendo uma ardência que mal era sentida pela adrenalina controlando seu corpo. Não havia para onde ir, o telhado era ao ar livre sendo o lar daquela criatura. Outras duas apareceram cercando Becca, bloqueando qualquer passagem com suas asas. Línguas afiadas deslizam para fora de suas bocas como as de uma serpente, preparadas para dar o bote e desfrutar da carne da pobre garota que atreveu-se a invadir seu território.

— Já chega! — Alcina interfere na caçada, obtendo a atenção das criaturas e a de Becca também. — Vão procurar comida em outro lugar, e não me façam repetir outra vez! — Ela libera suas garras para ser mais ameaçadora. — Vão!

Por serem submissas a sua condessa, o trio de aberrações ganham altitude e desaparecem pelo céu noturno, deixando Becca a sós com Alcina. O pânico se desfez dela por ter finalmente a companhia da condessa, recebendo a chance de apreciar o robe vermelho que ela estava usando aquela noite, sem mencionar sua camisola do mesmo tom marcando sua silhueta. O rosto limpo da maquiagem revelando sua beleza natural, e como sempre, seus cachos presos aos grampos que os mantém firme em sua cabeça.

— Você faz isso de propósito? — Interroga Alcina cruzando os braços, que por consequência elevam seus seios através do decote da camisola.

Becca acaba sorrindo para descontrair.

— Se refere a mim buscando por perigo pra ter a chance de ser salva por você? Quem sabe. — Diz Becca buscando controlar seu fôlego. — Que criaturas eram aquelas?

— Samcas. — Alcina responde virando a cabeça em direção às torres, garantindo de que não havia mais nenhuma delas por perto. — São as guardiãs do castelo, e elas não são amigáveis.

— Eu percebi. — Becca suspira sendo sarcástica.

— O que veio fazer aqui? — Alcina retorna a encara-la.

"Não vacila agora, Becca.". Em busca de algum conforto para dialogar com ela, Becca aperta o tecido de sua camisola contendo seu nervosismo.

— Eu precisava falar com a senhora, por isso te segui até aqui. Sobre a dois dias atrás...

— Esse assunto já se encerrou. — Alcina a interrompe por não suportar em ter que retomar a mesma angústia que sofreu por causa da adaga.

— Não pra mim! — Becca se altera pelo negacionismo da condessa. — Eu não quero ir embora desse castelo sem ao menos conversar com você! A única coisa que peço da senhora é que me escute por um minuto! Apenas isso!

Alcina faz uma reanálise do pedido de Becca, e claramente seus olhos âmbares apresentavam redenção. Uma curiosidade lhe bateu para saber o que Becca tinha a lhe explicar, e independente de qual poderia ser a sua desculpa ainda haveria chance de Alcina permanecer com sua decisão de mandá-la embora, a não ser que existisse verdade em suas palavras que pudessem fazê-la mudar de ideia. Isso dependerá de Becca.

— Pois bem. — Suspira entregando a loira uma chance para explicar-se. — O que tem a me dizer?

Mais alguns segundos. Fora o tempo que Becca precisou para soltar a camisola e lhe entregar a verdade.

— No dia da colheita, eu fiz uma promessa para a minha irmã. Prometi que iria acabar com a senhora de qualquer maneira, e eu pretendia levar esse juramente a diante. Arquitetei um plano para descobrir qualquer fraqueza sua, te espionei por longos dias, e até furtei seu mapa...

— Ah, então foi você que mexeu nas minhas coisas. — Descobre Alcina se baseando nas palavras que acabara de ouvir.

— Sim, fui eu. — A verdade era que Penélope havia furtado, mas Becca não queria pôr a vida de suas amigas em risco. — E foi um grande erro, eu sei. Eu não sabia ao certo o que me aguardava no castelo, a única coisa que eu tinha na memória era que esse lugar possuía sangue e morte. E depois da morte da Mary eu fiquei mais apreensiva.

— Então aproveitou a caçada para procurar a adaga e me destruir? — Alcina tenta impor.

— Eu encontrei a adaga por pura coincidência, não pretendia procurá-la aos arredores...

— E mesmo assim você a pegou. — Reforça com desapontamento, e Becca abaixa a cabeça. — Até agora você só demonstrou que me considera um monstro, e isso já é o suficiente.

Alcina dá meia volta estando pronta para ir embora, e desesperadamente Becca a impede.

— Eu me apaguei pelo castelo! — Confessa avançado três passos para frente, conseguindo deixar a condessa imóvel. — Convivendo com a senhora mudou a perspectiva que eu tinha desse lugar! Eu recuei na decisão de matá-la porque havia pontos na sua história que não faziam sentido, e se fosse para eu tomar qualquer atitude eu precisava ter a certeza sobre os meus atos. — Mesmo estando de costas para a loira, Alcina a ouvia com foco total e não deixando passar nenhum detalhe sequer. — Tudo pra mim mudou quando você me impediu de espatifar na biblioteca. — Prossegue Becca não se importando caso Alcina tivesse deixado de ouvi-la, tudo o que necessitava era por sua verdade para fora. — Você foi gentil comigo, algo que eu não esperava. Depois você me salvou no salão naquela noite que fui atacada e me salvou agora. Ao invés de acabar com a minha vida pelo o que eu tentei fazer com você sua decisão foi apenas me banir do seu castelo. E... — Suas bochechas queimam por entrar naquele assunto, favorecendo em uma cor rosada na pele embranquecida de Becca. — Nosso beijo. Sinceramente, eu estava apavorada quando você começou a se aproximar, e acreditei que pudesse ser meu fim. Mas quando você me envolveu com suas palavras, e me tratou com tanto cuidado, eu me senti bem. Senti uma liberdade que nunca havia experimentado antes, e foi uma das melhores sensações que vivenciei. Naquela noite em diante eu decidi mudar o meu rumo e tentar descobrir o que estava acontecendo comigo, e quem era você de verdade.

— Como posso saber se está falando a verdade?

— Eu sei que é difícil de confiar nas pessoas, ainda mais quando elas tentam te matar. — Becca compreende a indecisão que Alcina poderia estar passando, e ela apenas queria ver através de seus olhos dourados ao invés de lidar com suas costas. — Acha que eu também não tive minhas desconfianças em relação a você? Minha infância inteira eu vivi com medo da colheita, chegando a ter pesadelos com as coisas que poderiam acontecer comigo nesse castelo e do que você faria comigo. — Seu trauma passa a assombra-la durante seu desabafo, e Becca chora sem causar ruídos de soluço. — Não é fácil para uma criança de dez anos presenciar todas as atrocidades que aconteceram nesse vilarejo, viver entre os uivos dos licanos durante a noite e temer os Lordes pela manhã. Eu cresci dessa maneira, sobrevivendo dia após dia e carregando esse medo comigo. Por muitos anos foi assim.

Agora Alcina conseguia compreendê-la. Dentro do vilarejo existia uma garotinha que temia o badalar dos sinos, que assistia as donzelas serem selecionadas na colheita ano após ano pela janela de seu quarto, chorando aos prantos por saber que quando completasse dezesseis anos seria a próxima a ser escalada. Becca acompanhou sua jornada sombria desde a infância, sem Alcina ter a noção de sua existência para acabar se importando. Na verdade, ela nunca se importou com ninguém. A única pessoa que Alcina demonstrava apego e lealdade extrema era com Miranda. A época que Lady Dimitrescu era verdadeiramente cruel e sanguinária.

— Se você ainda não confia em mim... — Becca continua e limpa suas lágrimas rapidamente com os punhos. — Deixem-me ficar aqui para te provar o contrário.

O pedido inesperado conseguiu convencer Alcina no mesmo instante, virando seu corpo em seguida para que seus olhos pudessem se encontrar. Tons de amarelo unidos ao caramelo.

— Eu sinto muito por você. — O pedido de desculpas vindo da condessa pegou Becca desprevenida, deixando-a muda nos próximos instantes porém atenta as próximas palavras de Alcina. — Infelizmente você presenciou a pior versão de mim naquela época. Eu era movida por trevas, e estava completamente cega por palavras de alguém que eu considerava ser a minha "luz". — Completa usando de metáforas para referir-se a Mãe Miranda. — Podemos ser o oposto uma da outra, mas há algo em comum entre nós. Ambas tivemos que abandonar nossa humanidade para sobreviver.

Uma densa conexão estendeu-se entre elas, ascendendo faíscas dentro de seus corpos, com vibrações acolhedoras percorrendo suas veias.

— Eu gostaria de saber. — Becca avança mais uma vez com apenas dois passos mantendo a forte conexão entre seus olhares. — Qual a sua verdadeira intensão com o vilarejo? E se eu devo considerá-la uma ameaça?

— Sinto muito, não posso lhe dar todas as respostas. — Lamenta Alcina dando um passo à frente e diminuindo mais ainda a distância entre ela e Becca. — Porém há algo sobre mim que eu quero que você saiba. Existe dois lados de mim, um que pode ser considerado minha "humanidade" e o outro que por muitos é considerado "maligno". O que eu quero dizer com isto é que apesar de eu ter mudado, ainda sou uma predadora. Se for preciso derramar sangue para proteger o que amo, eu o farei com muito prazer. Então agora eu te pergunto, Becca, você ainda deseja saber quem eu sou de verdade?

Ela estremece com a pergunta, arriscando-se em sua decisão de ver do que Lady Dimitrescu era capaz, e o que ela escondia.

— Me mostre. — Becca lhe pede com fervor.

Disposta a ir adiante, vidrada nos olhos da garota a poucos metros de distância e que devolvia a mesma intensidade em seu olhar, Alcina abre seu robe expondo sua camisola de ceda vermelha, retirando-o vagamente de seus ombros até o restante da peça escorrer pelos seus braços e ir de encontro ao chão. Becca não entendeu o porque da condessa tira-lo sem nenhuma razão aparente, considerando-se uma dúvida que não permaneceu por muito tempo visto o que aconteceu a seguir.

A vestimenta vermelha de Alcina obtinha uma abertura em triângulo invertido nas costas, para que então ela pudesse usufruir de suas asas que se estenderam majestosamente diante de Becca. Enormes asas brancas que fascinaram os olhos caramelos, deixando a garota maravilhada pelo privilégio de admira-las de perto. Asas essas que lhe pareciam familiar, causando uma pinicada em sua nuca e despertando uma lembrança. Becca já vira aquelas asas albinas, as mesmas que havia presenciado a distância meses atrás das costas da mulher de cabelos negros que fora recrutada pelos soldados. A mesma mulher que trabalhou no castelo quando Erick era jardineiro, desenvolveu um romance com Amélia e que agora tem seu antigo armário ocupado por Becca. A forasteira.

É você. — Becca arfa ao decifrar o maior mistério envolvendo o castelo. Tudo havia ficado claro para ela, trazendo um grande sentido a sua vida. — Você é Helena Redfield!

Pela reação de espanto e euforia ao mesmo tempo, Alcina deduziu que Becca já estava a tempos pesquisando sobre seu passado e que esteve perto de descobrir por si mesma, e isso a deixou impressionada.

— Há quanto tempo soube? — Pergunta curiosa já afirmando que ela havia sido a tal "Helena".

— Eu não tinha certeza. — Diz Becca ainda simulando o que recém descobriu. — Sempre que eu olhava para você tinha a sensação de que a conhecia de algum lugar. Eu tinha te visto no portão, com a Amélia no dia que os soldados interviram. Quando toda aquela merda aconteceu.

— Eu também te vi. — Alcina compartilha da mesma lembrança do seu ponto de vista. — Você estava vendendo lenha para um dos civis naquela manhã. Seu cabelo estava preso em uma trança embutida, e você usava seu casaco de lobo. Claro que o seu pavio curto também me chamou a atenção.

— Até disso você se lembra? — Ri Becca sendo acolhida por um maço de felicidade espontânea.

— Por alguma razão te guardei em minhas memórias. E cá estamos. — Alcina abre os braços por fração de segundos para similar o reencontro de ambas. — Não consigo mais ver medo em seus olhos.

— É porque eu não estou. — Declara Becca admirando as asas de Alcina pela segunda vez, seguindo sua textura que lhe lembrava o tecido de uma luva-cirúrgica contendo uma base óssea que poderia identificar-se como asas de um dragão. A história de Edward conectou-se a este fato. — Elas são fantásticas.

Um sorriso tímido fez-se presente na face de Alcina, e saber que Becca estava maravilhada com a sua segunda forma trouxe segurança a ela. As coisas que havia pensado da garota durante sua crise na biblioteca, recobraram a sua visão interior, considerando Becca uma pessoa verdadeira e que sim, nutria sentimentos semelhantes aos dela. Ambas haviam se enganado em respeito uma da outra, mas foram corajosas o suficiente para procurar a verdadeira essência de cada.

— Ainda posso ficar? — Becca retorna a perguntar quando um silêncio repudiou entre elas.

Alcina percorreu o telhado com o olhar, lembrando-se do motivo que havia chegado ao terraço. Necessitava espreguiçar suas asas e esvaziar a cabeça voando entre as nuvens no calar da noite, e agora soube que poderia ter uma companhia se de-se a oportunidade para a rendição de Becca.

— Com uma condição. — Propôs quebrando a pequena distância que persistiu durante a conversa, e o que mais lhe agradou foi ver os olhos dela iluminando-se com a sua aproximação duvidosa.

— E qual seria, M'Lady?

Suas asas se abrem pela segunda vez, insinuando de que Alcina estava preparada para alcançar voo, porém ela não pretendia fazer isto sozinha, e Becca adivinhou na mesma hora.

— Que voe comigo. — Alcina lhe estende a mão.

Um teste de confiança. Becca não era apreciadora de altura, e até mesmo evitava fazer escaladas em árvores altas para caçada, a não ser quando fosse necessário para a sua sobrevivência. Se Alcina estava lhe propondo que ficasse com ela entre as nuvens, sem nenhuma superfície para dar apoio ao seus pés cortados, significava de que a condessa queria conferir se Becca realmente tinha confiança nela. E ela está determinada a provar.

Apenas se você me segurar firme. — Becca propõe de volta mesmo que sua mão já estivesse no encontro na da condessa.

— Não teremos problema com isto. — Alcina sorri maliciosa e puxando a mão de Becca a partir do momento que seus dedos se entrelaçam, colidindo seus corpos rispidamente quebrando qualquer distância mínima entre elas, com seu tórax inclinado para baixo facilitando do seu braço livre envolver a cintura dela lhe garantindo mais segurança. — Envolva seus braços em torno do meu pescoço. — A instrui.

Um pouco desajeitada por estar prestes a fazer algo que jamais passou pela sua cabeça que seria possível, Becca guia seus braços trêmulos e abraça Alcina, ocasionando em seus rostos estarem perto o suficiente para que a condessa sentisse sua respiração turbulenta.

— Não me deixe cair. — Becca sussurra sem disfarçar seu nervosismo.

— Nunca.

Instantaneamente Becca aperta mais o pescoço da condessa quando as asas bateram pela primeira vez, resultando em uma forte rajada de vento por sua grandeza que balançou seus cabelos em sincronia da camisola em que usava. Ao ter um pequeno embalo e de ter seu corpo sendo apertado contra o peito de Alcina, ao mesmo tempo em que ela depositava cuidado para não esmaga-la, acabou por esconder seu rosto na curva do pescoço dela retribuindo cócegas através da sua respiração quente. Alcina sorriu pelo comportamento medroso de Becca, e logo pretendia mostrar a beleza do céu estrelado para ajudá-la a abandonar esse medo.

Becca passou a sentir apenas as sensações a sua volta, como o momento em que seus pés começaram a levitar e deixar de ter contato com o chão. As asas de Alcina bateram com mais força, as fazendo subir cada vez mais alto, e Becca espreme mais suas pálpebras quando sua intuição lhe alertou de que se encontrava a uma altura extremamente alta. Uma das mãos de Alcina lhe deu um apoio por debaixo de suas nádegas, tornando-se um assento para Becca aproveitar a vista.

— Abra seus olhos, draga.

O apelido pelo qual sentiu falta conquistou o coração de Becca, a incentivando deixar o pescoço da condessa — porém ainda mantendo seus braços em torno dele — e olhar a sua volta. Por alguns segundos o ar lhe faltou aos pulmões, recobrando em seguida. O castelo estava logo abaixo e parecia menor visto daquela altura gritante, e o vilarejo então nem se falava. O lugar que Becca considerou por anos sendo amaldiçoado e horrendo, agora revelava ter uma beleza oculta que apenas Alcina poderia lhe agregar com suas asas. O riacho refletia os raios lunares, as estrelam piscavam como vaga-lumes no céu e a floresta tinha seu próprio próprio som em sincronia com os animais que a habitavam. Era como se estivesse presenciando o reino dos contos que Prudence amava ler, tornando mais do que um cenário fictício como tendo ganhado vida.

— Era o que você esperava? — Alcina pergunta depois de testemunhar a admiração nos olhos de Becca.

— Não chegou nem perto. — Arfa com encanto.

— Para onde você quer ir? — Entrega as opções para tornar a noite de Becca mais emocionante. — Temos o vilarejo, as ruínas, a floresta...

— Tudo! — Becca se empolga, abrindo um sorriso tão cativante que até mesmo deixou Alcina sem palavras por ser a primeira vez que via a jovem de tal maneira. — Quero ver tudo!

Alcina sente uma corrente bater em sua espinha causando-lhe uma vibração ansiosa em suas asas, que até então apenas estavam planando no ar mantendo-as imóvel acima do castelo. Com uma boa agilidade Alcina ajeita Becca para que a mantesse deitada em seus braços, dessa maneira ela poderia aproveitar da melhor maneira possível.

— Segure firme.

Ambos mergulham em uma velocidade considerada extrema, sendo impossível de Becca conter um gritinho de euforia com o que estava vivenciando. O castelo fora deixado para trás, e seu primeiro deslumbre fora o vilarejo iluminado por tochas espalhadas pelas ruas, e para captarem cada detalhe Alcina circulou a área desde a igrejinha até o reservatório, e Becca ria enquanto um pequeno grupo de galinhas e bodes corriam da presença acelerada de ambas por cima das casas. Seguiram para o reservatório abandonado em direção ao rio que se interligava com o riacho, tendo suas imagens refletidas pelo reflexo das águas rasas.

Alcina achou que seria uma boa ideia atiçar a criança interior que mostrava-se presente no rosto sorridente de Becca, então desceu para mais perto do riacho conseguindo manter suas asas planas para manter o percurso calmo e baixou seu braço direito para que os pés de Becca pudessem tocar a água fria. Sua primeira sensação fora de choque-térmico devido aos cortes em sua pele, mas ao acostumar-se com a temperatura da água seu sorriso transcendeu sua largura e até mesmo risadas com as pequenas ondas sendo formadas entre seus dedos criando uma trilha curta durante sua rota pelo riacho. De início Alcina deslumbrou da felicidade de Becca, e não havia como deixar de admira-la por isso. Durante décadas ela esteve presa a Mãe Miranda, sempre buscando mostrar-se ser a melhor de suas criações, e surpreendê-la com suas habilidades, tendo nunca recebido verdadeiramente uma aprovação da sacerdotisa. Com Becca estava sendo completamente diferente, ela encantou-se com suas asas, voltou atrás para corrigir seus erros e lhe implorou para ficar. Mais uma vez seu coração palpitava pela jovem caçadora. Feito suas anotações dos traços de Becca, direcionou sua atenção para os pés dela, percebendo os cortes que até então passou despercebido.

— Está machucada, draga. — Comenta Alcina subindo voo para não prejudicá-la.

— Foram alguns cortes, nada demais. — Becca tenta disfarçar para não quebrar o momento precioso que estabeleceu entre elas.

— Nada disso, vamos tratar como deve ser feito. — Decide Alcina dobrando a rota para seguir pela floresta.

Para não encerrar a descoberta de Becca e fazê-la aproveitar até o final da viajem, Alcina continuou voando plenamente sem ter qualquer pressa para chegar ao castelo, e logo teve a cabeça de Becca se aconchegando contra sua clavícula tornando o voo ainda mais único. Ela estava a vontade nos braços de sua condessa, e apesar da vista das ruínas ser espetacular abdicou do privilégio para apreciar o rosto de Alcina e na maneira que suas asas se esticavam mais lhe entregando o voo perfeito. A mais bela criatura que já vira. E pensar que elas já haviam se encontrado antes, por pura ironia do destino, um fenômeno que Becca nunca passou a acreditar de verdade. Contudo, depois da reconciliação entre elas e de estar ciente sobre sua identidade como Helena Redfield não houve mais dúvidas de que fora a prova que precisava e ainda ser testemunha da tal lei natural. Tudo acontece por um acaso.

Agora poderei ficar? — Becca a questiona pela terceira vez, mostrando o quão forte é seu espírito insistente.

— Por quanto tempo desejar. — Aceita Alcina encontrando seus olhos.

Com um sorriso satisfeito, e olhos fechados, Becca repousa novamente sua cabeça contra a curva do pescoço de Alcina, inebriando seu aroma natural e deleitando-se com os cachos negros de sua nuca através dos seus dedos em torno do pescoço. Fora como um sopro, da mesma maneira que piscar os olhos, já se encontrando no pátio do castelo onde Alcina começou a caminhar tranquilamente com Becca em seus braços. Suas asas se aconchegaram em suas costas, sendo observadas pela loira que não deixou de tocar uma delas para tirar sua dúvida de como era a textura, e se surpreendeu com a temperatura morna que as asas acolhiam. Por ser uma superfície sensível, dependendo da maneira que a pessoa a toca, Alcina arrepiou-se com o toque cuidadoso de Becca sem deixar transparecer.

Levou-a diretamente para seu quarto onde trataria de seus pés lesionados, e garantir que Becca fosse bem cuidada. Até o momento que adentrou o castelo Alcina escondeu suas asas como um passe de mágica, deixando Becca ainda mais apreensiva sobre como ela conseguia fazer isso com tanta rapidez. Ao menos ela havia descoberto como a condessa conseguia se locomover tão rápido e aparecer em lugares inusitados de uma hora para a outra, isso por si só já explicava muita coisa.

A condessa pôs sua donzela na cama, a informando para esperar enquanto preparava alguns panos umedecidos para limpar os cortes, e Becca nem se atreveria a sair daquela cama tão macia e preenchida por cobertores quentes. Na verdade, se tivesse a sorte, ela pretendia ficar naquele quarto por um longo tempo.

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Alguém está com saudades dos Lordes? Pode ocorrer de uma aparição deles no próximo cap....

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