Ao retornar ao hospital, me apresento novamente na recepção como acompanhante de Zoey.
Bato na porta logo que chego ao quarto de Zoey, uma voz sonolenta me responde e ao abri-la, encontro uma garota incrivelmente linda, sentada na cama, ajeitando os cabelos castanhos. Me aproximo e a beijo na testa. Zoey sorri, me olhando nos olhos.
— Como está se sentindo hoje? — Procuro saber. Nada me deixaria mais relaxado do que saber que Zoey está melhor.
— Eu só quero ir para a casa logo. — A garota reclama, fazendo bico. — Já perdi muitos dias no trabalho. — Os olhos de Zoey se abaixam para as sacolas em minha mão. — O que tem aí? É comida? Estou morrendo de fome! — Ela faz uma careta, alisando a barriga com as mãos para enfatizar o quão faminta está. Sorrio para ela, achando graça em seu jeito único. Zoey é uma menina muito especial.
— Sim, eu encontrei um lugar legal. — Falo, entregando-lhe o pacote. — Bón Apetit! — Tento imitar um sotaque francês.
O rosto da garota se ilumina.
Zoey está realmente feliz com aquele pequeno gesto, e eu me sinto completo.
— Obrigada! — Zoey exclama, abrindo o pacote com agilidade. Primeiro ela tira a garrafa térmica de dentro do pacote e seus olhos castanhos brilham radiantes. — Você não comprou isso apenas para pedir que colocassem o café, não é?
Sorrio e levanto uma sobrancelha, decidido a brincar com ela.
— Não sei, será? — Provoco-a.
— Davies! — Zoey semicerra os olhos. Marie costumava fazer o mesmo sempre que eu a provocava com minhas brincadeiras, em uma tentativa de me fazer contar a verdade. Marie dizia que este era seu olhar de penitência.
— Vai me dizer que não gostou? — Continuo a provocação.
— Eu gostei, mas... — Ela hesita em suas palavras. — Não precisava disso, Keanu. — Zoey é cautelosa, parece ter receio em brigar comigo. Essa é uma divergência entre as duas mulheres. Marie sempre gostou de debater comigo.
— Se não quiser, eu posso ir até a cozinha pegar um copo qualquer e depois eu devolvo a garrafa para a cafeteria. Posso dizer que ela tinha algum defeito ou algo do tipo. — Dou de ombros, ainda a provocando. Os olhos de Zoey aumentam de tamanho, em incredulidade.
— Você não faria isso. — Em sua voz há traços de surpresa e descrença.
— Não duvide de mim, moça. — Mantenho meus olhos focados na garota de camisola em minha frente. — Vamos, Lancaster, a decisão é só sua.
— Eu fico com a garrafa! Ela é linda, apesar de eu achar tudo isso muito exagerado. — Zoey abre a garrafa térmica e leva a mesma até a boca. Um gemido de satisfação escapa por seus lábios ao experimentar o capuccino. — Que delícia! Como você sabia exatamente qual eu gostava?
— Eu observei você tomando um desses na viagem. — Falo apontando para a garrafa em suas mãos. — Então, eu deduzi que você prefere isso a café.
Seus olhos me encaram com surpresa e suas bochechas ficam levemente coradas.
— Você é um homem muito observador, Keanu Davies. — Zoey repousa a garrafa térmica ao lado da cama, sob um criado mudo branco que há ali. Ela vasculha o resto do pacote.
— Sou. — Respondo, finalmente. — Apenas com coisas que são verdadeiramente importantes para mim. — Mantenho meu olhar em Zoey, sua atenção está em mim. A conexão que temos é algo inexplicável. A maneira com que ela me olha faz queimar cada centímetro do meu corpo. É de se perder o ar toda a sensação que Zoey está me proporcionando. Não é preciso nenhum toque ou palavras para que eu fique assim, só aquele olhar, que somente Zoey tem e que Marie possuía, basta para reacender faíscas em meu coração gelado.
Não dissemos nada um ao outro por breves segundos, apenas me deixo ser consumido por inteiro nessa troca de olhares. Em minha imaginação, nos dois já estamos nos embolando naqueles lençóis de hospital.
Todo o calor é apagado com o entrar da médica no quarto. Me levanto da cadeira por impulso, coçando a barba para disfarçar o meu espanto.
— Bom dia, senhorita Lancaster, senhor Davies. — A médica cumprimenta a nós dois cordialmente.
— Bom dia. — Minha voz é mais grossa do que esperado. Quanto a Zoey, o seu bom dia é completamente baixo, quase que inaudível.
— Em minhas mãos está o resultado dos exames. — A mulher de jaleco branco diz.
Paro de imaginar coisas que poderia fazer com a minha aluna e foco toda a minha atenção na profissional de saúde em minha frente, Zoey também a encara com expectativas e a observo deixar sobre o colchão o seu café da manhã, a vasilha com os croissants.
— Com os exames que fizemos, constatamos que Zoey sofre de sopro no coração. É quando uma válvula cardíaca está com um orifício de passagem reduzido, ou quando essa válvula não fecha corretamente, fazendo com que o sangue volte para o furinho que causa a insuficiência cardíaca. A válvula, geralmente, apresenta problemas após um infarto, o que no seu caso, essa possibilidade não existe. — A médica sorri para nós, tentando nos tranquilizar.
Sopro no coração.
O nome parece soar tão grave.
Zoey me olha assustada, eu não sei o que dizer para ela. Eu não sei ao menos o que pensar, ainda estou absorvendo toda a informação.
— Mas, é grave? — Consigo perguntar. — Quero dizer, isso apresenta algum risco a vida dela?
— Não, nem todo sopro no coração é algo realmente sério. Em alguns casos, eles desaparecem após algum tempo, quanto em outros, podem acompanhar o paciente a vida inteira, mas sem interferir diretamente na vida da pessoa. Zoey não apresenta nenhum fator de risco, fora os sintomas normais, que seriam as dores no peito e na cabeça, que o senhor nos relatou ouvi-la reclamar, antes da mesma perder a consciência.
— Há algum tratamento? — A pergunta veio de Zoey.
Eu estou aliviado em saber que não afetará gravemente o futuro brilhante dela.
— Recomendo que não faça muito esforço físico ou passe por emoções fortes. O sopro ocorre justamente por conta da velocidade em que o sangue flui através do coração, mas com as medicações que vou passar e uma boa alimentação, você viverá muito bem e feliz. — A médica sorri gentil.
Estou simpatizado com a profissional de saúde desse hospital, ela é gentil e paciente, tira todas as dúvidas com clareza. A mulher de jaleco branco entrega uma receita na mão de Zoey.
— Posso ir para a casa agora? — Não deixamos de rir de sua pergunta, Zoey está desesperada para ir embora e não esconde isso.
— Claro que sim. — Responde a médica. — Os papéis de sua alta já foram assinados por mim e estão lá na recepção. Espero nunca mais te encontrar aqui, senhorita Lancaster.
— Eu também não! — Exclama Zoey animada. Acompanho a médica para fora do quarto, dando privacidade para que Zoey pudesse se trocar. Em instantes, a garota passa pela mesma porta branca. Zoey usa um vestido roxo e a mesma bota que usou nesses últimos dias, seus fios castanhos estão amarrados em um rabo de cavalo.
Ela não está usando nenhuma maquiagem no rosto.
— Finamente vou para a casa. — Zoey sorri para mim.
— E você tinha razão, a cadeira de hospital não é nada confortável. — Admito ao me alongar mais uma vez. Juntos pegamos o elevador para a recepção.
Nunca havia notado o quão baixa é a estatura de Zoey, até a garota precisar ficar nas pontas dos pés para conversar com a recepcionista.
— Oi, bom dia. Sou Zoey Lancaster, a médica Palmer Sampaio me disse que os papéis da alta estão aqui. — A recepcionista mal olha para a garota em sua frente. A mulher pega os papéis e anota mais algumas coisas e os colocam sobre o balcão. Zoey encara aquelas folhas brancas assustada, aposto que está espantada com o alto valor da conta. A conta hospitalar já está paga por mim desde o dia em que Zoey deu entrada no hospital.
— Como faço para negociar o pagamento? — A garota tenta negociar, sua voz está trêmula e muito preocupada. — Eu não tenho todo esse dinheiro comigo agora, mas eu posso dar uma garantia para vocês.
— Sua conta hospitalar já foi paga. — A recepcionista a olha a contragosto. — Apenas assine no lugar marcado.
A expressão no rosto de Zoey é de confusão e lá está, as rugas entre as sobrancelhas.
— Mas como, se eu não... — Sua voz some durante a frase e suas íris, castanha e azul, me encaram em um familiar semicerrar de olhos. — Não acredito que fez isso!
— Fiz e não me arrependo. — Lanço um sorriso travesso para Zoey.
Enquanto esperamos o Táxi, eu não tiro meus olhos da pequena mulher ao meu lado. Zoey está com uma mala aos ombros, a mesma que havia levado para a viagem até a Polônia. Um fio pequeno e rebelde está caindo delicadamente em seu rosto, ela morde, para a minha surpresa, o croissant doce. Alguém aqui é amante do açúcar.
— O que tanto me olha? — Sou surpreendido com sua pergunta.
— Nada. — Meu tom de voz é envergonhado por ter sido pego no flagra.
— Sabe, uma foto dura mais tempo. — Zoey está visivelmente debochando de mim.
— Para quê? Eu posso vê-la todos os dias na sala de aula. — Respondo no mesmo tom de deboche que ela. O semblante que antes era de brincadeira, está agora complemente sério. — Ei, o que houve?
— Só pensando em como vai ser na segunda-feira quando retornarmos para a realidade.
— Que realidade? — Eu não estou entendendo.
— Você é meu professor, Keanu. — A garota me responde exasperada. — E depois de tudo o que foi dito naquele quarto de hospital, não dá mais para nós dois negarmos o laço que há entre a gente.
— Você tem razão, a nossa conexão é muito intensa para ignorarmos. Uma conexão de almas, como a nossa deve ser aproveitada ao máximo.— Falo, encarando os seus olhos com intensidade e consigo me ver através deles.
— Conexão de almas? — Zoey questiona. Sinto o meu coração pulsar mais rápido no peito, minhas mãos estão suando frias e me sinto como um adolescente se declarando pela primeira vez.
— Sim. — Falo sussurrado. — Quando estou ao seu lado, Zoey, sei que te conheço de outras vidas. — Meus dedos gelados a puxam para um abraço e a minha garota repousa a cabeça em meu peitoral, deixo um beijo demorado em seus cabelos cheirosos.
Me sinto mais leve com essa confissão.