- 𝘼𝙉𝙏𝘼𝙍𝙀𝙎; (𝘮𝘪𝘯𝘴𝘶...

Por godhannie

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Prólogo | I can't forgive and I can't forget
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LIVRO FÍSICO CONFIRMADO
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AGRADECIMENTOS + LIVRO FÍSICO
PRÉ-VENDA ABERTA!!!!!!!

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Por godhannie

Estou fora de órbita.

Minha mente perdeu a força pra se concentrar na realidade, meu corpo se fez presente mas minha consciência se afastou de tudo. Me vi tão cheio de dor e tão sufocado que corri pro único lugar seguro que me restou, minhas lembranças.

Vi Jisung na minha frente, tão lindo e sorridente que uma parte de mim soube que não era real, mas eu ignorei. Me lembrei daquele dia que eu o levei pra ver as estrelas comigo, onde a luz da fogueira iluminou seu rosto e me fez paralisar por alguns segundos com a sua beleza surreal e o brilho alaranjado em seus olhos.

Me lembrei com tanta clareza que pude então escutar o som da sua voz, tão doce e tão baixinho, como se estivesse me chamando pra ir mais fundo e me prender pra sempre naquela memória, porque ela seria o único pedaço que me restou dele.

E eu quis, eu quis tanto me lembrar um pouco mais, aperfeiçoar um pouco mais os detalhes do seu rosto ou ouvir sua voz um pouco mais alta, mas eu não consegui. Aos poucos, ele foi desaparecendo no ar e dando lugar a parede acinzentada que fez meu coração doer e me forçou a voltar pra realidade. Eu me odeio tanto, eu nem tenho forças pra imaginar um pouco mais, eu nem consigo fugir pra dentro de mim mesmo pra encontrar um pouco de conforto. É como se a vida real me desse um soco no estômago e me trouxesse pra cá, pra esse maldito lugar, pra essa maldita vida cheia de arrependimentos.

Me prenderam em uma cela, e eu estou sentado no concreto suspenso que deveria ser uma cama, mas se parece mais com um asfalto. Olho pra parede marcada com caneta preta, com palavras de outras pessoas que passaram por aqui, e me pergunto por quanto tempo vou ter que ler as mesmas palavras todos os dias porque essa vai ser a única coisa que vou ter pra olhar.

— Ei – alguém bate no metal da cela, e quando olho vejo Hyunjin do outro lado da grade.

Me sinto aliviado por finalmente ver um rosto conhecido. A única coisa que fizeram comigo foi me trazer pra delegacia e me prender nessa cela sem nenhuma outra explicação.

É bom ver Hyunjin agora, é como encontrar um amigo quando se está sozinho no meio de uma guerra. Eu me levanto correndo e o olho através das grades como se ele fosse minha salvação, mas ele não sustenta o olhar muito tempo e logo abaixa a cabeça pra destrancar a cela.

— Hyunjin! – eu o chamo com alívio, mas algo me diz que ele não está tão feliz por me ver – Que bom que veio.

Ele entra e encosta o portão, eu penso em dar um abraço nele porque o que eu mais quero agora é um abraço de um amigo, mas assim que vou até ele vejo que ele desvia o olhar e abaixa a cabeça outra vez. Eu recuo, sinto uma pontada no peito mas tento ignorar. Eu não devia ter pensado que ele veio aqui pra me ver ou me abraçar, afinal de contas, estou sendo acusado por assassinato e Hyunjin está quase se formando na academia de polícia.

— É... Oi – ele pigarreia e diz sem me olhar, está envergonhado e não sabe exatamente o que dizer.

Me sinto quebrado outra vez, acho que confiei muito na nossa amizade depois que voltamos a nos falar com frequência. Eu coloquei nele a responsabilidade de me apoiar e acreditar em mim sempre, porque era isso que eu também faria por ele, mas parece que essas coisas são descartadas assim que algum de nós é acusado por um crime.

— Oi – engoli em seco – Como ele está? Me diz.

Não posso evitar perguntar, eu provavelmente vou perguntar isso pra todo mundo que eu conheço até que alguém me responda que ele está bem, que se recuperou, que está vivendo uma vida normal e feliz, dando aulas de piano pra crianças.

— Eu não sei – deu de ombros e me olhou brevemente – Não estou sabendo de muita coisa.

— Alguém precisa cuidar dele, Hyunjin. Ele não pode passar por isso sozinho, alguém precisa ficar do seu lado.

— Alguém vai ficar, Minho – me assegurou – Vamos cuidar dele, mas espero que saiba que não vamos fazer isso por você. É ele quem precisa de ajuda.

Isso não me magoa tanto, mas me deixa um pouco abalado. É claro que o bem estar de Jisung é o que mais importa agora, mas a forma como Hyunjin fala é como se eu não precisasse me preocupar mais com ele, afinal, fui eu quem lhe fiz mal, então por que me preocupar tanto assim?

Eu engulo em seco e concordo com a cabeça, realmente não preciso que façam isso por mim, e sim por ele. Jisung é quem mais vai sofrer agora, e só o que me preocupa é que ele precisa de alguém pra ampara-lo. Durante todo esse tempo, eu o fiz dependente de mim, mesmo que eu tivesse a oportunidade de apresenta-lo pra outras pessoas, eu não me preocupei em fazer isso. Achei que eu sempre seria a única pessoa que ele fosse precisar, que durante toda a nossa vida eu ia conseguir esconder meus erros dele, e eu seria o único a fortalece-lo em momentos como esse.

Agora, ele perdeu sua âncora, e ainda por cima eu lhe deixei afogar. Só preciso saber que alguém vai leva-lo de volta pra costa, vai ensina-lo a nadar com calma e paciência, e só vai deixa-lo sozinho no mar aberto quando ele não tiver mais medo de água. É o suficiente pra mim, eu posso viver com isso pro resto da vida.

— Eu sei – respondi.

Hyunjin concorda e dá alguns passos pra trás pra ir embora.

— Espera, você tem notícias de Gahyeon? Ela está bem? Eu nem sei quanto tempo passou desde que eu cheguei aqui, ela ainda não veio me ver.

Ela já deve ter ficado sabendo sobre a minha prisão, e eles provavelmente a chamaram pra prestar depoimento, mas me deixa apavorado pensar que ela ainda não saiu da faculdade e veio correndo pra cá. Tenho medo de algo ter acontecido com ela, mas tento me tranquilizar pensando que ela usou outra passagem pra Chicago e vai me avisar que fugiu depois de um tempo.

— Eu não a vi, não temos notícias ainda.

Suspirei pesado e triste, meu coração está agoniado e machucado, mas eu não tenho mais lágrimas pra chorar, e por isso não consigo sentir nenhum alívio desse sufoco.

— Tá – respondo sem ter mais o que dizer, pois sinto que Hyunjin não tem muito interesse em conversar comigo.

— Vou arranjar um advogado pra você, é seu direito – disse se virando pra sair.

É meu direito, é por isso que ele vai me arranjar um advogado, porque se não fosse, ele não ia fazer muita questão que eu fosse defendido por alguém.

— Hyunjin.

Assim que ele saiu da cela, eu o chamei. Não posso deixar isso me ferir sem que eu saiba da verdade, sem que eu ouça ele dizer da própria boca.

— Eu sou inocente, você sabe, não é? Eu contei tudo pra Jisung, eu disse que foi um acidente. Eu só estava tentando defender Gahyeon, eu não queria fazer isso. Você precisa acreditar em mim, estou falando a verdade.

Hyunjin me olha nos olhos agora, mas pela primeira vez não consigo ler seu olhar. Ele não me olha com pena nem com desprezo, me olha apenas como se não me conhecesse, como se eu não fosse seu amigo e ele não tivesse a obrigação de responder minha pergunta.

Então, continuo esperando que ele puxe o ar e fale alguma coisa, mas de repente ele simplesmente tranca a cela e sai andando como se eu não significasse mais nada pra ele.

Tudo bem, eu sabia que algumas pessoas não me perguntariam o que aconteceu, e outras não iam responder minhas perguntas. A única coisa que eu não esperava disso tudo, era ser abandonado por quem eu mais acreditei que estaria do meu lado em todos os momentos difíceis.

Perder Jisung era inevitável, e eu sabia que essa dor eu ia sentir uma hora ou outra. Só não imaginei que eu também perderia meu melhor amigo, e que quando eu mais precisasse de alguém, eu estaria completamente sozinho.

Me sento no concreto gelado de novo, e deito minha cabeça no travesseiro  fino e duro. Fecho os olhos com força, tento prender a respiração pra que as lágrimas não venham e os meus soluços não façam eco nas paredes da cela.

Tento fugir outra vez, tento imaginar que esse travesseiro frio é o colo de uma mãe, e tento imaginar que ela está fazendo carinho no meu cabelo enquanto sinto o cheiro de café vindo da cozinha e escuto ela me dizendo que vai ficar tudo bem.

Não dura muito tempo, e logo meus olhos se abrem e eu vejo a parede cinza outra vez. Não consigo fazer isso. Colos de mães devem ser quentes, não gelados. Eu nunca tive uma mãe pra saber.

***

Gangnam-gul, Seul.
14:05

— Ei, Jisung?

Felix bate na porta do quarto duas vezes, esperando que o garoto responda e lhe deixe entrar.

Desde que a polícia foi embora, ele não conseguiu deixar o garoto sozinho, pois viu e presenciou uma das cenas mais horríveis de toda a sua vida.

Primeiro Jisung caiu de joelhos, apático e sem reação, sem respirar ou chorar, completamente congelado e preso em si mesmo. Depois de um tempo, as informações foram fazendo sentido em sua mente, e as lembranças boas do passado foram se misturando com a amargura do presente, e isso lhe fez ter uma crise tão forte que era inexplicável.

Todas as suas dores se juntaram, todas as memórias ruins contaminaram as lembranças felizes, e de repente toda a sua vida se tornou um oceano de dores que lhe afogou de uma só vez, sem deixa-lo ter a chance de respirar por apenas um segundo.

Chegou no limite, toda a sua ansiedade saiu pra fora do corpo, lhe causou uma overdose de momentos ruins e inesquecíveis, contaminou cada parte da sua mente até que ele não tivesse mais como lutar contra si mesmo.

Então, ele chorou, mas não era um choro passageiro. Jisung chorou, soluçou e gritou até não ter mais como respirar, até começar a tremer e perder o ar, sufocando, tremendo e ficando roxo, até começar a vomitar e se engasgar, pedindo socorro porque não conseguia mais controlar o corpo, a alma, ou o coração. Todos eles se desconectaram, todos sentiam a dor da forma mais dolorosa e difícil, e Jisung se sentiu fraco e derrotado pela primeira vez em sua vida.

Já tinha sentido outras dores, já tinha superado coisa pior, mas todas as vezes ele tinha Chan pra ajuda-lo, ou Minho pra ser sua força e a pessoa que o seguraria caso ele caísse. Mas agora, Minho lhe derrubou, e por isso era tão difícil levantar outra vez, porque não tinha ninguém pra segurar na mão, e mesmo que tivesse, não tinha coragem de confiar em outra pessoa de novo.

Só se permitiu sentir, porque pensou que se sentisse todas as suas dores, uma hora não ia sobrar mais dor nenhuma pra machuca-lo. Deixou cada uma delas entrar em seu corpo, quebrar seu coração, levar pedaços da sua alma, destruir suas memórias, queimar tudo de dentro pra fora e depois sair pela boca, ou pelas lágrimas, ou pelos gritos. Sentiu tudo até o último segundo, sentiu até não poder mais sentir, porque de repente seu corpo começou a morrer junto com cada parte dele que amou Minho.

Logo a ambulância chegou, e os médicos avisaram Felix que Jisung estava tendo uma crise de ansiedade muito forte, mas que seus sinais vitais eram bons. Eles aplicaram um sedativo no garoto pra poder coloca-lo sobre a maca, aos poucos Jisung foi parando de lutar contra os médicos e adormeceu permitindo que cuidassem dele.

Felix tentou respirar mais calmo enquanto o acompanhava seguindo a ambulância, tentou pensar que o pior já tinha passado e que ele ficaria bem, mas era difícil pensar nisso depois de vê-lo em seu pior estado. Provavelmente nunca ia esquecer do desespero que sentiu quando pensou que Jisung estava morrendo na sua frente.

Os médicos o levaram pra dentro do hospital, alguns calmantes foram aplicados em sua veia, e o vômito e o suor foram limpados do seu rosto e das suas roupas.

Felix continuou sentado no sofá do quarto do hospital, tentando assimilar tudo que aconteceu de um dia pro outro. Nunca pensou que Minho era capaz de fazer o que fez, e nem que ia acabar salvando e cuidando de quem ele odiava tanto a um tempo atrás.

Na verdade, seu ódio por Jisung nunca foi verdadeiro. Guardava tanta mágoa de Minho que passou a odiar Jisung por ter lhe conquistado, por ser tudo que ele mais queria enquanto Felix passou tanto tempo tentando reconquista-lo de formas diferentes e mesmo assim nunca conseguiu.

No fim das contas, quando Changbin entrou na sua vida como um caso de uma noite que acabou se prolongando, ele passou a lembrar de Minho só de vez em quando, até que quando percebeu, não lembrava quase nunca, e nem queria o mal de Jisung como antes.

As coisas mudaram, mas mesmo assim ele esteve presente naquela noite, e não pode evitar ajudar o garoto assustado e desesperado. Seu coração se quebrou por ele, tão inocente e indefeso, prestes a ser magoado pela pessoa que mais amou e confiou na vida toda. Felix lhe ajudou, mas não porque era Jisung que estava precisando de ajuda, e nem porque queria fazer um favor pra Minho. Ele lhe ajudou como ajudaria qualquer outra pessoa, afinal, debaixo daquela cara de cínico e aqueles comentários ácidos, sempre houve alguém com coração de manteiga que não conseguia dormir a noite sabendo que alguém precisava dele.

Depois de não ouvir nada, decidiu entrar mesmo assim. Jisung continuava dormindo na cama de hospital, sua expressão era de quem estava cansado e preocupado, mas mesmo assim continuava inconsciente devido aos calmantes que lhe deram.

Felix respirou aliviado vendo que ele estava bem, e logo em seguida sentiu seu celular vibrar com a ligação de Changbin.

Enquanto isso, Jisung piscava os olhos e franzia a sobrancelha tentando se livrar de um pesadelo. Sonhava com Bang Chan de novo, mas dessa vez ele chorava e pedia socorro, haviam marcas de uma mão ensanguentada em sua roupa. Jisung sabia que era a mão de Minho, e quis acordar antes que visse seu rosto no pesadelo.

— Eu não acho que ele seja culpado, Bin. Eu senti que ele estava sendo sincero.

Jisung não se mexeu na cama, apenas virou a cabeça o suficiente pra reconhecer o cabelo platinado de Felix.

— Ele disse que alguém torturou e drogou o homem antes, e que essa mesma pessoa estava lhe ameaçando caso ele não se entregasse pra polícia e assumisse a culpa.

Jisung quis dormir outra vez, pensou que a realidade era ainda mais assustadora que aquele pesadelo, então preferia viver dentro da própria mente.

— Deixe de ser ignorante, porra! – ouviu Felix sussurrar com raiva – Eu não estou defendendo ele, ele é um mentiroso e enganou o menino! Eu só estou dizendo que ele não assassinou ninguém, e se ele fez algo foi pra se defender. Não leve isso pro pessoal, Changbin. Só estou sendo justo com ele.

Jisung não aguentou, se virou na cama e pensou em dizer pra Felix calar a boca e não falar sobre isso perto dele, mas assim que ele percebeu que o garoto acordou desligou a ligação imediatamente e sorriu tentando disfarçar.

— Ah, oi. Você acordou. – sorriu – Como se sente?

Jisung não conseguiu ter paz dormindo, e depois de acordar se lembrou de tudo de imediato assim que ouviu a voz de Felix. Estava emocionalmente exausto, mas os calmantes eram tão fortes que se pareciam com anestesia. Não pode sentir aquela dor de novo e nem conseguia chorar, tinha consciência do quão horrível era aquela situação, mas estava muito drogado pra ter outra crise de ansiedade.

Ficou em silêncio sem conseguir responder Felix, seu corpo estava tão cansado que seus braços e sua cabeça pesavam uma tonelada. Não queria iniciar uma conversa agora, nunca gostou muito de conversar com as pessoas, e agora quanto mais ele se afastasse delas melhor.

De repente, Jisung se lembrou que ainda havia alguém com quem gostaria de conversar agora. A única pessoa que lhe restou no mundo, quem ele sabia que podia confiar pra contar tudo isso, e que certamente seria ouvido e cuidado com muito carinho e consideração.

Sicheng.

— Felix – chamou com a voz rouca e fraca. O loiro correu pra beira da sua cama, estava preocupado com o bem estar dele – Você pode me emprestar seu celular?

Ele olhou pra tela do aparelho, pensou um pouco antes de tomar a decisão, tinha receio dele ter escutado a conversa que ele teve com Changbin.

— É... Sim, claro – gaguejou sem jeito e entregou o aparelho – Aqui.

Jisung olhou pra tela tentando puxar na memória o número de Sicheng, e assim que se lembrou da primeira metade escutou batidas na porta.

O médico de cabelos grisalhos entrou no quarto, sorriu ao ver Jisung acordado e se curvou brevemente.

— Olá, como vai? Sou o Doutor Yan. Fico feliz que já tenha acordado – se aproximou pra checar sua pressão arterial – Como está se sentindo?

Jisung tentou não tremer com o toque do homem em sua pele enquanto media sua pressão, sabia que ele só estava fazendo seu trabalho, mas ainda é tão difícil e tão incômodo deixar que um desconhecido se aproxime tanto assim.

— Bem – respondeu baixinho.

— Nenhuma náusea ou fraqueza? Pode ser que os remédios tenham efeitos colaterais.

Jisung balançou a cabeça negativamente, e dessa vez respondeu com a voz um pouco mais alta pra que ele não perguntasse outra vez e fosse embora logo.

— Estou bem.

— Ótimo – ele finalmente tirou o aparelho do seu braço e se virou pra Felix – Você está lhe acompanhando, certo? Posso falar com você lá fora?

— Claro – respondeu e se virou pro garoto na maca – Eu já volto, Jisung.

Ele assentiu, sem entender porque Felix continuava ali, se importando tanto e cuidando dele como se fossem próximos, mas eles nem se conheciam direito, e a presença contínua dele estava começando a lhe incomodar.

Discou o número de Sicheng rapidamente, e aproveitou que estava sozinho pra falar com ele mais a vontade.

— Alô?

— Sicheng, sou eu, Jisung.

— Jisung? – perguntou confuso – Que número é esse?

— É de um amigo, posso te explicar depois. Você está ocupado?

— Acabei de dar uma palestra, por que?

Ele ouviu o barulho de pessoas falando no fundo, e se sentiu culpado por ter ligado em um momento importante do seu trabalho. Tentou pensar em uma desculpa pra dar a Sicheng, mas ele foi mais rápido ao perceber que havia algo errado.

— Você está bem?

— Eu... – Jisung não conseguia responder essa pergunta agora – Eu preciso da sua ajuda, você pode vir me buscar?

— Claro, onde você está?

— No hospital do centro, te espero na porta.

— Jisung, você está bem? – perguntou preocupado e até seu tom de voz mudou.

— Te explico tudo depois. Vem rápido, se puder.

— Chego em cinco minutos.

— Obrigada, Hyung.

Jisung se sentiu um pouco melhor depois daquela conversa, mas olhou pro braço com uma agulha e pensou que teria um pequeno problema agora.

Ele tirou os esparadrapos primeiro, sentiu a pele doer quando a fita arrancou seus pelos. Olhou pra agulha em sua veia, sentiu tanta agonia ao ver que seu estômago até revirou. Decidiu fazer isso de uma só vez, segurou e puxou rapidamente e flexionou o braço pra que não visse se tinha sangrado ou não, depois se levantou da cama se sentindo tonto e se desequilibrando, mas conseguiu colocar o tênis e fugir do quarto.

Tentou andar normalmente pelo corredor do hospital pra não levantar suspeitas, até tirou o adesivo de paciente que estava colado na sua roupa. Não demorou muito até conseguir passar pelos enfermeiros e chegar na recepção, sentiu pena de Felix quando se lembrou que ele ainda estava lá com ele, mas se consolou ao pensar que agora não ia mais dar trabalho nenhum ao garoto.

Ao chegar na entrada, avistou o carro de Sicheng parado na porta, e o homem segurando o volante com uma expressão preocupada que foi substituída por uma de alívio assim que viu Jisung vindo até o carro.

— Oi – ele disse ao entrar.

— Oi – Sicheng respondeu lhe puxando pra um abraço onde tentou checar em que parte do corpo Jisung tinha se machucado – O que houve? Você está bem?

— Eu só passei mal – respondeu – Foi uma crise de ansiedade.

— O que aconteceu? – perguntou com os olhos arregalados de preocupação.

— Pode me tirar daqui primeiro? – Jisung perguntou com os olhos tristes e agoniados, suplicando pra que ele o levasse pra qualquer outro lugar.

— Claro – Sicheng se aproximou pra passar o cinto de segurança sobre ele, mas Jisung se apressou pra fazer isso sozinho. Era Minho que tinha costume de fazer isso, e ele faria tudo que pudesse pra fugir das malditas lembranças dele.

Sicheng ligou o carro e acelerou pela rua principal, correu tanto que pode ouvir as buzinas dos carros assim que passou por eles.

Felix viu tudo da porta do hospital, conseguiu enxergar o cabelo de Jisung voando assim que o carro passou correndo bem na sua frente. Ele colocou as mãos na cabeça sem saber o que fazer, não conseguia entender quem era aquela pessoa, e se Jisung foi ou não forçado a ir com ele pra sabe lá onde estavam indo.

— Droga! – xingou um pouco alto demais e buscou as chaves do seu carro no bolso. Voltou na recepção pra pagar pela internação de Jisung, e em seguida seguiu para o estacionamento onde pegou o carro pra ir até a delegacia.

***

Antares, Gangnam-gul.
14:45

— Antares? – Jisung perguntou quando Sicheng estacionou em frente o lugar. O nome trouxe outra lembrança à tona, e Jisung balançou a cabeça negativamente tentando afastar qualquer memória de Minho outra vez – O que é isso?

— Esse cômodo comercial é meu, aluguei pra um amigo e ele fez um estúdio de tatuagens.

— Ah... – murmurou ao sair do carro e seguir Sicheng – Mas por que estamos aqui?

— Preciso pegar algumas coisas que guardo aqui antes de ir pra casa, tem problema?

— Não.

— Não se preocupe, está vazio. Ele foi viajar – disse ao destrancar a porta.

Jisung entrou no local e seus olhos arderam com o led vermelho fluorescente. Viu os desenhos chineses colados na parede, as tatuagens em algumas molduras e em cima da mesa um dragão chinês em miniatura e uma estátua pequena de Buda.

— Pode se sentar aqui, prometo ser rápido.

Sicheng entrou pra dentro do estúdio e deixou Jisung sentado na sala de espera. O garoto perdeu o olhar entre os desenhos e tatuagens grudados na parede, se perguntava como alguém poderia desenhar tão bem na pele de outra pessoa.

Acabou se levantando pra ficar mais perto da parede, viu a tatuagem de uma mulher com o cabelo cheio de cobras, e seus olhos brilharam ao ver algo tão bonito e bem feito. Olhou pro próximo desenho, dessa vez era uma serpente enrolada no braço de um homem, era tão bem feita que Jisung até sentiu um pouco de medo.

Chegou mais perto da mesa do homem, viu alguns esboços feitos no papel com um lápis de desenho, e as tintas de tatuagem e as agulhas todas alinhadas lado a lado. Jisung se viu tão imerso e interessado que quis tocar a máquina de tatuagem, os decalques prontos, os lápis de desenho e até o Buda dourado em cima da mesa. Depois disso, abriu a gaveta procurando por mais alguma coisa interessante, e achou alguns polaroid's guardados junto a alguns pacotes de gases, e tintas lacradas.

Pegou o primeiro polaroid na mão e reconheceu Sicheng na foto. Estava ao lado de um homem de cabelo vermelho e sobrancelhas grossas, pegou outras duas fotos e reconheceu os dois em locais diferentes. Bebendo em uma varanda, brincando de armas de airsoft, e dançando em alguma boate de Gangnam.

Jisung logo imaginou que aquele seria o dono do estúdio, e ficou feliz por Sicheng ter um amigo e tempo pra se divertir. Sabia que a vida do homem era só trabalhar e cuidar da ONG, muitas vezes pensava que Sicheng quase nunca tinha um tempo pra ele e pra fazer as coisas que gosta.

Vasculhou mais um pouco, procurando por mais fotos de Sicheng com o garoto de cabelos vermelhos, mas de repente seus dedos encontraram um broche azul e branco dentro da gaveta.

As memórias voltaram como choques elétricos na sua mente. Jisung soltou o broche e deu um passo pra trás, seu coração disparou e diante dos seus olhos ele via o pedaço de tecido branco e azul no chão, cercado pelas cinzas dos seus pais e de tudo que o fogo levou.

Se lembrou dos panfletos, da voz do homem em todas as televisões das lojas, das faixas branco e azul pendurada nos prédios, das bandeiras que eram distribuídas nas ruas todos os dias e que ele nunca mais conseguiu esquecer.

— O que foi?

Sicheng apareceu carregando uma mochila aberta cheia de coisas, Jisung perdeu o ar e todo o seu corpo tremeu, olhou pra Sicheng assustado sem conseguir se mover com as memórias que lhe deixavam tonto.

— É... – Sicheng engoliu em seco e olhou pra polaroid na mão de Jisung – Esse é Xiaojun, meu amigo. Ele é o dono do estúdio.

Jisung continuou em silêncio, e Sicheng suspirou fundo antes de tirar a foto da mão de Jisung e colocar dentro da mochila.

— Vamos? – ele perguntou ignorando que Jisung estava assustado e congelado.

— Cheng... – sua voz tremeu. Jisung esticou a mão pra pegar o broche, seus dedos tremiam tanto que ele pensou que fosse derrubar – Você... Você sabe o que é isso, não sabe?

Sicheng olhou apreensivo, travou o maxilar e depois se sentou em uma das cadeiras colocando a cabeça entre as mãos.

— Sei – murmurou baixo.

— O que... O que isso está fazendo aqui, Hyung? São eles que estão atrás de mim.

Sicheng continuou em silêncio, não conseguia olhar nos olhos de Jisung, e isso deixava o garoto ainda mais assustado.

"— Ele disse que alguém torturou e drogou o homem antes, e que essa mesma pessoa estava lhe ameaçando caso ele não se entregasse pra polícia e assumisse a culpa."

Jisung pode ouvir a voz de Felix em sua cabeça, e deu um passo pra trás quando se desequibrou e ficou tonto. A voz dele se repetiu inúmeras vezes, fazendo o garoto entrar em pânico e cobrir as orelhas procurando por silêncio.

— Hyung – ele se virou pra Sicheng desesperado, e disse de uma vez antes que não conseguisse mais contar – Minho foi preso por matar meu irmão.

— O que?

Sicheng arregalou os olhos surpreso, seu olhar também era de preocupação com Jisung, e até um pouco de pena dele.

— Como assim? O que houve?

— É horrível, eu sei – as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto do mais novo, e ele enxugou com as mangas do moletom – Mas e se ele não tiver feito isso sozinho?

— O que está dizendo, Sung?

— Estou falando disso – levantou a mão segurando o broche – Eles podem ter feito algo com o Channie, eles queriam matar nós dois antes mesmo do Minho aparecer.. Você viu a fita, você sabe, Hyung.

Sicheng riu com um pouco de pena, e fez Jisung se sentir como um grande idiota. Parecia que ele tinha dito uma grande bobagem, e Sicheng nem conseguiu pensar em como refutar uma ideia tão louca.

— Estou falando sério, Hyung. Quem é esse homem? O que ele sabe sobre o partido?

— Jisung, esse não é o ponto – Sicheng passou a mão sobre o rosto sem muita paciência – Não percebe que está em fase de negação? Você está arrumando desculpas pra si mesmo.

— Não, não estou. Eu só fiz uma suposição, e preciso que me ajude a descobrir se Minho foi ou não o único culpado. Outras pessoas podem ter feito mal a Channie, e acredito que seja as pessoas desse maldito partido que matou meus pais! – gritou.

— Jisung, pare!

O grito de Sicheng fez um arrepio percorrer sua espinha. O som paralisou seu corpo e fez suas mãos tremerem, odiava quando alguém gritava desse jeito, e odiou mais ainda por ser Sicheng que gritou dessa forma. Ele nunca fez isso antes, não depois do que houve.

— Eu sei que você está magoado, mas não seja burro, Jisung. Aceite a verdade por mais que seja difícil.

Jisung soluçou, seu coração doía como se alguém estivesse o espremendo. Talvez ele esteja certo, talvez essa não seja a melhor hora pra pensar nisso. Está tudo tão confuso que talvez ele esteja mesmo negando a verdade porque é fraco demais pra assumir a dor que está sentindo.

— Se o prenderam por isso, é porque ele fez isso. A polícia não prende ninguém sem ter provas. Foi mesmo o Minho que assassinou Chan, eu sinto muito, Jisung.

O mais novo se perdeu entre os soluços de choro, e de repente até sentiu vergonha por ter dito algo tão estúpido.

É claro que Minho é o culpado, Felix provavelmente só disse aquilo porque ainda sente algo por ele e não quer vê-lo apodrecer na cadeia. Jisung quis bater a própria cabeça na parede, mas permaneceu ali chorando e soluçando baixinho, triste pela sua vida se resumir em se machucar de novo e de novo cada vez que alguma ferida cicatriza.

— Mas... – soluçou – Eu achava que eles estavam atrás de mim, achei que eles tinham matado Channie. Nós passamos a vida toda fugindo deles.

— E o tempo todo o culpado estava do seu lado, Sung – olhou com pena pro garoto – Não consegue perceber como Minho te manipulou? Ele te fez acreditar em tudo isso e mentiu pra você. É hora de encarar a verdade agora.

É difícil encarar a verdade de uma vez, Jisung sentia como se a qualquer momento alguém fosse dizer que tudo aquilo não passava de uma brincadeira, ou que ele ia acordar ao lado de Minho e dizer que teve um pesadelo.

— Vamos embora? Vou te levar pra um lugar seguro, mas precisamos ir rápido – Sicheng se levantou apressado.

— Hyung, eu... Eu não consigo lidar com tudo isso – as lágrimas quentes molharam suas bochechas e ele se sentiu como uma criança indefesa, procurando por alguém que lhe desse um abraço – Tá doendo muito, parece que meu peito tá queimando.

— Vou cuidar de você, Sung, mas precisamos ir agora.

Sem pensar muito, Jisung agarrou a cintura do homem ansiando pelo calor do seu abraço. Precisava afundar seu rosto no peito de alguém, precisava se sentir protegido e cuidado, pra que a dor não parecesse tão assustadora durante os segundos em que permanecia ali.

Sicheng demorou um tempo antes de abraça-lo de volta, estava um pouco apressado e queria ser breve. Envolveu ele com os braços, mas a alça da mochila acabou escorregando da sua mão e caiu no chão.

Jisung olhou para os próprios pés, viu algumas roupas de Sicheng que caíram dela, mas alguns papéis e fotos chamaram sua atenção.

O garoto se abaixou pra pegar, mas Sicheng lhe abraçou mais forte pra que ele não alcançasse o chão. Jisung se forçou pra baixo e saiu do aperto, e assim que conseguiu pegar o papel na mão, Sicheng colocou as mãos na cabeça e respirou pesado.

Jisung via uma sombra do outro lado do papel, e assim que virou para o outro lado reconheceu o que estava impresso com a localização exata escrita embaixo da foto com caneta azul.

— O que...? – franziu o cenho.

Ele logo conseguiu reconhecer que a cabana na foto era a mesma onde o corpo de Chan foi achado. Sentiu um arrepio percorrer seu corpo e arrepiar seus pelos, olhou pra Sicheng sem ter coragem de perguntar outra vez porque tinha medo da resposta.

Olhou pro chão, viu que havia outras fotos com o garoto de cabelo vermelho, e um saco branco permanecia dentro da mochila e se parecia com materiais hospitalares.

— Sicheng...

— Eu posso explicar – levantou as mãos em defesa – Mas eu não tenho tempo agora.

Jisung sentiu as próprias mãos ficarem geladas, e sua boca ficou seca sem estar com sede. Sentiu que Sicheng estava diferente, não estava o olhando com carinho como sempre fez, e a voz de Felix voltou a se repetir em sua cabeça como um sinal.

— Hyung... – ele começou a hiperventilar – O que você... O que você tem haver com isso? O que você sabe sobre a morte do Channie?

— Jisung – ele passou a mão sobre o rosto frustrado, e em seguida se abaixou pra recolher tudo enquanto o garoto permanecia imóvel e assustado – Vem comigo, tá? Vai ficar tudo bem, você não está raciocinando direito. Vou cuidar de você.

— Não – Jisung se afastou quando ele estendeu a mão, e deu um passo pra trás pois de repente ele sentiu medo de Sicheng – Me diz, Hyung. Me diz o que você sabe sobre a morte dele.

— O que eu sei é que Minho assassinou Chan, e que agora você está tentando defende-lo porque não aceita que ele te enganou!

Ele gritou outra vez, Jisung abraçou o próprio corpo porque achava que assim era possível se proteger dos gritos. Sentiu sua pele arrepiar e os dedos tremerem, estava suando frio de nervoso enquanto segurava o choro e os soluços, porque passou a sentir tanto medo de Sicheng que temia que ele se irritasse mais.

Se lembrou da primeira vez que ele fez isso, da sensação que sentiu quando ele gritou batendo a mão na madeira da mesa, fazendo seus ouvidos doerem e seu coração disparar.

Tinha prometido pra si mesmo que nunca mais ia lembrar daquela noite, que seu coração já estava em paz e tinha perdoado Sicheng, afinal, Jisung não queria que ele tivesse ido embora aquele dia, e nem que tivesse passado tanto tempo longe.

Por esse motivo, decidiu esquecer e perdoar, e de fato a memória nunca mais tinha voltado, exceto agora. Se lembrou de como se sentiu da primeira vez e pensou que agora ele se sentia muito mais assustado, com medo, completamente em pânico pensando nas possibilidades de Sicheng saber de algo, ou de Felix estar certo quando disse que Minho não agiu sozinho.

— Eu... – respirou desesperado e mesmo assim ainda sentia falta de ar – Eu preciso ir.

Sentiu tanto medo que não quis permanecer ali por muito tempo, por mais que precisasse descobrir o que de fato fizeram com seu irmão, ele jurou que faria isso outra hora, quando não estivesse sozinho, ou quando Sicheng voltasse a ser a pessoa amável e carinhosa que sempre conheceu.

— Não – ele agarrou seu braço quando o garoto se moveu em direção a porta – Você não pode ir.

— Por que? – perguntou com a voz quebrada e o rosto molhado, implorando pra saber alguma coisa – Me diz a verdade então, Sicheng. Me diz o que você sabe.

O mais velho desviou o olhar e mordeu a bochecha, respirou fundo e demorado antes de voltar a olhar pra Jisung e soltar seu braço.

— Me desculpa.

Antes de perguntar pelo que estava se desculpando, Jisung sentiu uma das mãos de Sicheng tapar sua boca, enquanto com seu outro braço ele envolveu seu pescoço com força e o puxou pra fora como um animal.

Jisung gemeu, tentou gritar e pedir socorro, mas todas as suas palavras se transformaram em gemidos fracos e inaudíveis. O aperto de Sicheng era tão forte que abafou o som, e ele nem mesmo conseguiu morder sua mão quando tentou abrir a própria boca.

Sicheng o segurou pela cabeça, olhou para os dois lados da rua e quando não viu ninguém abriu o porta malas. Segurou uma das pernas de Jisung, lhe jogou dentro do carro com certa força, e fechou o porta malas antes que ele pudesse gritar por socorro uma última vez.

***

Delegacia de Seul.
17:55

— Sou Seo Changbin, o investigador responsável pelo caso.

Levantei os olhos pra olhar pra ele, reconhecendo imediatamente seu olhar dissumulado e o som da sua voz que se tornou uma das coisas que mais odeio no mundo.

— Eu sei quem você é.

— Isso não tem relevância agora. Vamos começar a gravar seu depoimento, está ciente que mentiras só vão resultar no aumento da sua pena, certo?

Olhei pra fina camada de pó que cobria o vidro da sua mesa, e tentei me distrair o suficiente pra não me lembrar do que continua doendo em meu coração.

Changbin ligou o gravador e me olhou com seu olhar de ameaça, respirou fundo e começou.

— Vamos lá, Lee Minho, o que você fez quando acordou no dia cinco de maio?

É tão desgastante ter que responder de novo, eu sei que contei mentiras das outras vezes, mas quando disse a verdade pra Felix não tive a melhor das experiências. Com Changbin não será diferente, ele não vai sossegar enquanto não me culpar por tudo.

— Bom, eu tomei banho, aquela coisa de higiene matinal. Você não faz isso também?

Vi Changbin esconder a raiva perto dos outros policiais presentes, e isso conseguiu me divertir por alguns milésimos de segundos antes que eu voltasse pra realidade dolorosa.

— Vou recomeçar a gravação, se você fizer qualquer comentário imbecil vai responder por desacato.

Dessa vez, fiquei em silêncio, não quero causar uma cena, só queria irritar Changbin um pouco. Ele reiniciou o gravador, a luz vermelha do aparelho voltou a piscar perto de mim, e eu aceitei que essa é a hora de dizer tudo que sei e de refutar todas as minhas mentiras. É a última chance que eu tenho pra fazer alguém acreditar em mim.

— No dia cinco de maio eu fui pra faculdade. Era um dia normal, quer dizer, eu achei que seria um dia normal também. A pior parte de uma desgraça é que você não pode a prever.

***

— Inferno! – Felix bateu no volante e em seguida apertou e segurou a buzina, queria fazer os ouvidos de todos os outros motoristas doerem – Vão logo, porra! Bando de bunda mole!

Estava parado no trânsito, os carros o cercavam por todos os lados, ele jamais chegaria a tempo de seguir o carro que levou Jisung ou de chegar na delegacia pra contar a Changbin o que aconteceu.

Pegou o celular na mão, meia hora se passou e ele não estava nem na metade do caminho. Olhou pro histórico de chamadas de novo, o número que Jisung ligou ainda estava lá, e quando percebeu que não tinha muito tempo pra fazer alguma coisa, resolveu ligar na tentativa de descobrir algo.

— Alô? – ouviu a voz de um homem do outro lado da linha, e o barulho do motor de um carro.

— Quem é você? Eu gostaria de falar com Jisung – tentou pedir educadamente, mas esqueceu que seu tom de voz já era naturalmente um pouco arrogante.

— Jisung? – o homem riu – O que você tem pra falar com ele, Felix?

— Como sabe meu nome? – perguntou entrando em pânico.

— Não interessa – respondeu – E quanto a Jisung, ele está um pouco ocupado agora. Pode falar com ele quando encontra-lo no inferno!

Em seguida, Felix ouviu um barulho tão forte e alto como se o celular tivesse sido atirado pela janela do carro. Seu coração disparou, sua intuição estava certa quando pensou que Jisung corria perigo, e de repente se sentiu tão desesperado e pressionado a fazer alguma coisa, que simplesmente jogou o carro pra uma vaga qualquer e saiu correndo pelas ruas de Seul.

***

— E então, você o matou – Changbin concluiu sozinho.

— Eu o empurrei contra a parede e ele bateu a cabeça. Quando ele caiu no chão, eu pensei que tivesse desmaiado já que a batida foi fraca. Então... Ele fechou os olhos e morreu nos meus braços.

— Foi o que eu disse, você o matou.

Eu sabia. Eu sabia que ele não acreditaria em mim, mas ele nem se quer considera investigar se o que estou dizendo é verdade ou não, e isso não só me deixa com ódio, como também me machuca.

— Eu não sinto que o matei. Já tinham feito isso antes.

— Quem você sugere?

Me lembro das palavras de Xiaojun e meu corpo estremece. Está na ponta da minha língua, eu quero tanto pronunciar seu nome que quase me engasgo com meu próprio ar, mas nenhum som sai da minha boca.

Eu não posso fazer isso enquanto não souber que Jisung e Gahyeon estão a salvo, seria como dar o passe livre pra Xiaojun mata-los.

— Eu não sei. Assim que ele morreu, eu fugi e voltei duas horas depois, mas o corpo já não estava mais lá. É só isso que eu sei.

Changbin parece irritado agora, talvez por ter pensado que se eu assumisse a culpa seria tudo mais fácil, ele teria solucionado um caso e eu passaria o resto da vida na cadeia pagando por algo que eu não fiz por querer.

— É muito difícil você ser inocentado Minho, há muitas provas contra você e nenhuma que favoreça sua historinha de canibal. Vamos continuar com a investigação, mas eu sei que você é o culpado. Você matou Bang Chan.

Ele saiu da sala logo em seguida, e eu fechei os olhos com força respirando fundo pra não desabar. Ainda não é o fim, eu vou ter outra oportunidade pra me defender, vou poder dizer toda a verdade quando souber que Jisung não corre mais nenhum risco, mas esse momento não é agora.

Eles me puxam pelo braço outra vez, e tento aproveitar os poucos segundos que tenho fora da cela e observar a delegacia, procurando por Hyunjin, procurando por Gahyeon, por qualquer pessoa que significa tanto pra mim que eu daria tudo pra que estivessem do meu lado agora.

Então, vejo Felix, mas não era exatamente ele quem eu gostaria de ver. Confiei nele mais do que confiei em qualquer outra pessoa na minha vida, e tudo que ele fez foi simplesmente me apunhalar pelas costas quando ele era minha única chance de mudar as coisas.

Ele entra correndo na delegacia, seu rosto está suado e seus olhos arregalados, e logo percebo que ele não está aqui pra me ver. Aconteceu alguma coisa.

— Lix? – Changbin para no meio do corredor e o policial que me segura para atrás dele.

Felix se apoia no braço do investigador enquanto tenta recuperar a respiração, ele mal consegue dizer alguma coisa e seu rosto está branco feito um papel.

— Jisung.

A primeira palavra que ele diz é essa, e sinto todo o meu corpo perder a força, e um calafrio congelar meus músculos.

— Alguém sequestrou ele – disse entre lufadas de ar – Você precisa encontra-lo.

Minha respiração perde o controle, sinto como se alguém tivesse atirado em meu peito e em seguida todo o meu corpo é tomado pela adrenalina. Me esqueço das algemas e puxo meus braços pra frente, tento dar um passo mas logo o policial me puxa pra trás e me segura no lugar.

— Xiaojun, Xiaojun levou ele! – grito imediatamente, sem medo de mencionar seu nome depois que minha preocupação com Jisung me desestabiliza.

Changbin me ignora, olha pra Felix que já respira mais calmo e começa a pedir mais informações.

— Quem levou ele, Lix? O que você viu?

— Ele fugiu do hospital, eu o vi em um carro prata – disse desesperado – Eu não consegui anotar a placa do carro, mas Jisung fez uma ligação no meu celular.

— Qual o número?

Enquanto Felix tira o celular do bolso, o policial me puxa de volta pro corredor da cela. Não posso voltar pra lá, não agora. Jisung precisa de mim, eu sou o único que sabe sobre a verdade e que sabe sobre Xiaojun, eu preciso encontra-lo antes que seja tarde demais.

— Espera! Espera! Eu posso ajudar! Eu sei quem levou ele, Changbin. Me deixe ajudar!

Eu respiro cheio de desespero e pânico, e ele ignora meus gritos enquanto o policial começa a me empurrar com mais força machucando meu braço que já está dolorido.

— Vou pedir pra rastrear o número – ouço Changbin dizer quando já estou no meio do corredor.

— Inferno, me solta! – tento afastar os braços do policial mas ele só me aperta com mais força como punição – Eu posso ajudar, me deixe falar com ele! Changbin, Changbin! Eu sei quem levou ele!

Quando chego na porta da ala das celas, tento rapidamente pensar no que pode ser minha última chance pra fazer Changbin me ouvir. Preciso dar o que ele espera de mim, preciso de uma informação que ele não tenha e que seja essencial pra ele.

Esse filha da puta precisa me ouvir pelo menos essa vez. Eu não me importo se ele quiser me odiar, me colocar na cadeia pra sempre, ou cuspir na minha cara por ter magoado seu namorado. Se ele me deixar salvar o amor da minha vida, eu vou ser grato pra sempre. Nada vai mudar isso.

— Changbin, é ele, é Kwan Jaehyun, o filho do ex-presidente! Ele usa o nome falso de Xiao Jun, ele me disse que mataria Jisung se eu não me assumisse culpado pela morte de Chan. Foi ele que levou Jisung!

O policial que me segurava afrouxou o aperto e parou em frente a porta, escutamos o silêncio vindo do salão principal e me agarrei na esperança de que Changbin ouviu meus gritos.

Fechei os olhos desesperado, meu coração batia na garganta e eu rezei pra qualquer coisa que existe no céu deixar Changbin me escutar e salvar Jisung das garras daquele desgraçado.

— Traga-o.

Respirei aliviado quando ouvi sua voz, e caminhei mais rápido que o policial de volta pro salão, encontrando Felix e Changbin olhando para um computador.

O investigador se aproximou de mim, e mesmo sendo mais baixo que eu, Changbin me deu o olhar mais ameaçador de todos que me fez engolir em seco sem perceber.

— Diga o que sabe.

Puxei o ar desesperado, e me esforcei pra não hiperventilar enquanto falava.

— Ele é filho de Youngsoo, ele quer matar Jisung por vingança, você viu na fita de Chan. Foi ele que levou o corpo do beco, foi ele que torturou e drogou Chan e logo depois lhe mandou matar minha irmã. Ele vai matar Jisung também, nós precisamos ser rápidos.

Ele franziu o cenho pensativo, e absorveu todas as informações mais rápido do que eu pensei.

— Tudo bem – ele relaxou a expressão e apontou pro computador – O celular dele foi rastreado aqui, conhece esse lugar?

Olhei no mapa e vi o número das ruas, olhei uma por uma até finalmente me lembrar que reconheço uma delas.

— Essa rodovia é logo após a cabana onde Chan foi encontrado, eu sei onde é!

— Certo – ele caminhou rapidamente – Changkyun, prepare o carro e avise o delegado Ten.

— Eu vou com você – disse Felix seguindo o investigador.

— Espera! – gritei quando os dois me deram as costas – Changbin, me deixa ir com você.

— Eu não...

— Por favor, é a vida de Jisung que está em jogo, e eu sei que eu posso ajudar – interrompi.

— É contra as regras da polícia, Minho.

— Por favor, Changbin! Eu sei que você pode! Xiaojun também me quer morto, eu também sou um alvo pra ele, posso servir como uma moeda de troca ou posso ajudar na negociação. Prometo não fazer nada que você não queira, mas por favor, me deixa ir! Eu preciso vê-lo, preciso ajudar a salva-lo.

Estou chorando agora, e me sinto vulnerável chorando na frente de tantos polícias pois o olhar deles não é de quem sente compaixão, eles permanecem sem reação alguma e em silêncio, como se eu não passasse de um mentiroso fazendo teatro.

Mas dessa vez Changbin não me olhou com repreensão ou desprezo, eu até percebi quando seu olhar murchou por breves segundos até ele franzir a sobrancelha pensando no que fazer. Ele sabe que não estou mentindo agora, ele sabe que Felix disse a verdade e que se eu estou aqui, tem mais alguém envolvido nisso.

Ele pode me culpar, e é realmente isso que eu espero, que me culpem. Mas eu imploro chorando e de joelhos pra que não me culpem por tudo, eu sei do que fiz, sei dos erros que cometi, mas espero que também saibam daqueles que eu não fui o autor.

— Vem – murmurou bufando – Mas saiba que você vai ficar preso no banco de trás.

Eu sorri, sorri enquanto chorava e enquanto tentava respirar fundo outra vez, recuperando a esperança e a força, tentando achar um único fragmento do Lee Minho que existiu há um ano atrás pra que agora eu saiba ser eu, e pra que eu faça a coisa certa.

— Obrigada – disse do fundo do meu coração – Até que você não é tão ruim quanto pensei.

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