- 𝘼𝙉𝙏𝘼𝙍𝙀𝙎; (𝘮𝘪𝘯𝘴𝘶...

Від godhannie

65.8K 8.7K 16.9K

[COMPRE O LIVRO FÍSICO EM https://www.luoeditora.com/produtos/antares-aqueles-que-nao-tem-perdao-em-producao... Більше

AVISOS
Prólogo | I can't forgive and I can't forget
001
002
003
004
005
006
007
008
009
010
011
012
013
014
015
016
LIVRO FÍSICO CONFIRMADO
017
018
019
020
021
022
023
024
025
026
028
029
030
031
032
033
034
035
036
037
038
039
040
041
AGRADECIMENTOS + LIVRO FÍSICO
PRÉ-VENDA ABERTA!!!!!!!

027

862 114 408
Від godhannie

Eu sabia que ele voltaria, mas durante boa parte da minha vida, eu neguei isso.

Desde que passei a morar com Gahyeon e nossos pais ficaram na China cuidando dos negócios da família, eu tentei me convencer de que minha vida sempre seria ali, só com a minha irmã e com quem se juntasse a nós, e nunca voltaríamos pra junto dos nossos pais como quando éramos crianças.

Apesar de sempre ter lutado pelo amor deles, com o passar do tempo eu adormeci essa ideia, e nunca mais acessei as memórias de infância novamente. Então, dediquei minha vida a esquecer que tinha um pai e uma mãe, e a nunca deixar ninguém arruinar a vida monótona e isolada que eu e Gahyeon construímos.

Mas no fundo, eu sabia que eles iriam voltar.

O olhar que meu pai me deu no momento que me reconheceu foi como se tudo que eu amadureci, conquistei, ou aprendi durante esses anos, fosse tirado de mim em um só solavanco que me desequilibrou e me fez desmoronar outra vez. Tudo que eu achava que era, todo valor que eu pensava que tinha, e todo o restante de esperança que eu guardava pra ser alguém melhor apesar dos meus erros, em uma fração de segundos foi amassado e jogado no lixo com todo o desprezo que alguém pode sentir.

Ele nunca se orgulhou de mim, e disso eu não precisava de provas e nem ficaria surpreso, pois desde que nasci nem ele e nem minha mãe demonstraram sentir o mínimo de satisfação ao me ver fazendo alguma coisa, ou simplesmente estando vivo.

Isso não me dói mais, deixou de doer faz tempo. Desde que me afastei deles eu pude parar de procurar meios de faze-los sentirem orgulho, e enquanto fingia cursar a faculdade e depositar todos os meus esforços pra realizar o sonho deles, eu secretamente tentava realizar os meus sem me sentir culpado por tentar construir minha vida como quero.

De fato, eu jamais esperava que quando meus pais me vissem eles sentissem orgulho ou esboçassem qualquer reação positiva, mas nunca pensei que alguma coisa doesse tanto quanto a vergonha, o desprezo, a forma como seus olhos mesmo mais baixos que os meus puderam me olhar de cima, e me fazer abaixar a cabeça como alguém que se lamenta desde o dia que nasceu até o dia de hoje.

Vejo meu crachá pendurado e imediatamente me lembro do dia que consegui esse emprego. Recebi uma confirmação pelo e-mail um dia depois da entrevista, e me lembro de bater palmas e gritar baixinho no banheiro da faculdade, depois gastar meus últimos centavos pra poder pegar um táxi e contar pra Gahyeon o mais rápido possível.

Não tive vergonha de dizer a ela, é claro que ela sabia que esse emprego era totalmente distante da realidade que tínhamos, sempre cercados de dinheiro, vivendo em casas luxuosas e andando em carros caros. Nunca fez diferença pra nós dois vivermos essa vida, na verdade, a única coisa que eu e Gahyeon sempre buscamos era paz, e isso nós só encontramos a quilômetros de distância da nossa família.

Desde que eu decidi construir minha vida, ela sabia que não seria fácil, e que sem a ajuda financeira dos nossos pais eu teria que conquistar tudo por conta própria. Nunca me importei, na verdade, pensava que tudo seria mais valioso se eu tivesse conquistado com muito esforço, assim como um emprego de frentista.

Não era grande coisa, eu disse pra ela, mas nada explicava minha felicidade de poder ser dono de mim, de saber que cada won que eu recebesse no fim do mês significava que eu tinha feito meu trabalho corretamente, e que eu poderia ser um adulto independente e conquistar muito mais se continuasse me esforçando com humildade e dedicação.

Gahyeon sabia de tudo, e é por isso que naquele dia ela me abraçou e comemorou comigo, porque quando você ama sua família você compartilha da mesma felicidade quando vê alguém feliz, e quando meu pai me olhou daquele jeito, eu entendi que a última coisa que ele quer no mundo é que eu sinta felicidade.

— Me diga que estou errado – pediu rangendo os dentes de tanta raiva – Me diz que não é isso que estou vendo.

Eu quero dizer que é mesmo isso, quero quebrar o vidro do seu carro e fazê-lo sair daqui bem rápido e nunca mais ousar arruinar algo que conquistei. Mas não consigo, ele ainda é meu pai, eu ainda tenho respeito por ele e uma faísca bem pequena em meu coração que me faz ter o mínimo de consideração por ele, mesmo sabendo que não merece. E por isso, não consigo reagir quando ele me faz perder a última coisa que eu tinha e me deixar a deriva.

— Como ousa aparecer na minha frente desse... – me olhou de cima em baixo com repulsa – Desse jeito?

Eu gosto do meu uniforme, me faz parecer alguém independente e trabalhador, e sempre que eu o vestia pensava que quando tivesse uma boa vida financeira com a venda dos meus livros, eu contaria na minha autobiografia que conquistei tudo aquilo trabalhando duro.

Lembro de quando Jisung me espiou trocando de roupa um dia, e me comparou com uma "bananinha" pela minha camiseta e boné amarelos. Isso ainda me faz sorrir, mesmo com tanta tristeza crescendo dentro de mim nesse momento.

Ele desceu do carro, vestido com seu terno preto e os pequenos óculos no rosto, e se manteve a alguns centímetros de distância de mim antes de cuspir no chão.

Ele respirou ofegante, fazendo caretas de nojo, me fazendo perceber que ele estava fazendo uma cena pra me fazer sentir mal, como se eu fosse mesmo tão repugnante e asqueroso simplesmente por não depender do dinheiro dele pra pagar minhas contas.

— Explique-se, Minho – limpou a boca com as costas da mão – É melhor você me dar uma boa razão pra que eu não entenda isso errado.

Eu engoli em seco, ele parece tão fora de si que eu até sinto medo de dizer a verdade, mas ele ia descobrir mais cedo ou mais tarde.

— Não, pai – eu disse baixinho e me encolhi de medo dele – Eu trabalho aqui mesmo.

Estremeço quando escuto o barulho dele chutando a bomba de combustível. Espio seu rosto e vejo suas bochechas vermelhas, a expressão de raiva e os punhos fechados ao lado do corpo.

— Que porra você tem na cabeça, Minho? – gritou com todo o ar dos pulmões – Eu te dei tudo do bom e do melhor e você se rebaixou a isso?

Ele grita muito alto, e assim que olho para a janela do escritório vejo a sombra do meu chefe se levantando. Se eu tinha alguma chance de continuar trabalhando aqui, agora ela foi totalmente arruinada.

— Pai, se acalme – tentei pedir como quem estava implorando. Tudo bem se ele quiser fazer uma cena e me culpar eternamente por isso, mas não precisa ser aqui e nem agora, não precisa me tirar a única coisa que restou.

— Você ficou louco, Minho? – passou a mão sobre o rosto totalmente nervoso e aflito – Recusou meu dinheiro pra se tornar esse miserável? Ainda por cima está todo ferido e machucado, parece um bandido de rua!

— Eu não sou miserável – respondi de imediato, sem me questionar se era mesmo uma boa ideia bater de frente com ele – Eu estou trabalhando, assim como você trabalha, assim como todas as pessoas no mundo trabalham.

— Isso não é trabalho, Minho, é humilhação! Você vem de uma das famílias mais ricas desse país, não sente vergonha de se submeter a isso? – gritou mais alto e se aproximou de mim como se estivesse contendo a vontade de estapear minha cara.

— Não – levanto a cabeça e o olho da mesma altura – Não sinto.

Estou farto disso, eu não devo mais nada a ele. Abri mão do seu amor paterno, do seu dinheiro, e de todo o seu patrimônio só pra não ter mais a obrigação de fazer tudo que ele quer. Sou maior de idade, comprei meu carro e pago minhas contas, a única coisa dele que ainda uso é morar no apartamento que ele alugou pra mim e Gahyeon, mas assim que eu tiver dinheiro suficiente, vou ter o meu próprio.

Aos poucos, vou ter tudo que quero e preciso sem precisar dele, e vou poder finalmente libertar meu coração e sair daquela faculdade de merda que nunca foi, e nunca será o que quero estudar. Talvez um dia, quando eu estiver vendendo meus livros e roteiros, meus pais venham me parabenizar, mas pra que isso aconteça eu não posso abaixar a cabeça de novo.

— Algum problema, senhor? – escuto a voz do meu chefe vindo em nossa direção com Hyunjin ao seu lado, que parece curioso e até um pouco preocupado com a situação.

— Sim, é claro que temos um problema – olhou pra mim com desgosto – Eu só vim abastecer o carro e tive a maior decepção de toda a minha vida.

— O que houve, senhor? – perguntou Hyunjin – Podemos ajuda-lo?

— Esse é meu... – senti o olhar ameaçador dele enquanto tentava terminar a frase – Esse é meu pai.

— Seu pai? Lee Chinhae? – Hyunjin arregalou os olhos e praticamente gritou de tanta surpresa.

— Desde quando você é filho de um empresário, Minho? – o homem tirou os óculos e limpou na blusa do uniforme.

— Ele era meu filho – meu pai corrigiu – Agora, pode se considerar órfão. Você realmente não tem decência pra estar na nossa família.

— Pai, eu... – meu coração dói quando tento buscar palavras que façam ele ficar um pouco mais em vez de entrar no carro e ir embora – Me desculpa.

Eu não sei exatamente pelo que estou pedindo desculpas, porque no fundo sei que não estou errado. Acho que meu coração se culpa por tudo acabar assim, por ele não procurar me entender ou forçar sentir pelo menos uma gota de consideração ou empatia por mim. Acho que sinto muito por isso, essa é a palavra certa. Eu sinto muito, mas não me desculpo.

— Pelo que? – ri irônico – Por sempre ter feito tudo errado? Por ter nascido? Por me fazer sentir tanta vergonha de você agora? Sinceramente, Minho, vamos nos poupar disso. Enquanto você não se considerar um membro da nossa família, eu também não vou me considerar seu pai.

Ele entrou no carro, bateu a porta e deu ré rapidamente pra poder sair de lá o mais rápido possivel. Eu suspirei triste, pisquei meus olhos roxos tentando não derrubar nenhuma lágrima, pois já derramei lágrimas demais pelo mesmo motivo.

Respirei fundo, e ofereci meu melhor sorriso pra Hyunjin e meu chefe, mas obviamente eles estavam com pena de mim e sabiam que aquele sorriso era o mais falso de todos.

— E então, vamos voltar a conversar, Hyung? – perguntei a ele.

— Bom, eu só ia dizer que seu desempenho estava um pouco baixo, mas... – suspirou cansado – Só segue seu caminho, Minho.

— O que? – arregalei os olhos chocado – Não, não, eu preciso desse emprego, senhor. Eu juro que vou melhorar!

Ele virou as costas, andando de volta pra conveniência e sendo seguido por Hyunjin, que tinha a mesma expressão triste que ele.

— Hyung, você não pode me demitir. Eu faço tudo que quiser, eu posso trabalhar todas as noites ou até durante o dia. Eu vou melhorar meu desempenho, eu prometo que...

— Minho – ele se virou – O posto vai fechar dentro de um mês. Você consegue coisa melhor.

— O que?

Fico estagnado, meu coração que antes batia disparado de repente voltou a bater baixinho.

Aqui era minha única conquista, por mais miserável e entediante, por mais que fosse o posto de gasolina mais distante e mais parado de toda a cidade. Era a única coisa que eu tinha conquistado sozinho, a única renda que eu tinha pra pagar minhas despesas, e pra tentar quitar minhas dívidas que cresceram ainda mais nos últimos tempos.

Mesmo depois dele ter entrado, Hyunjin continuou lá fora parado na minha frente, com as mãos nos bolsos e o olhar triste e tentando me oferecer alguma esperança.

— Eu... Eu sinto muito – ele diz antes de ir embora, e meus olhos ficam marejados.

Nem eu sei o que dizer pra mim mesmo, e por mais fundo que eu vá, não há mais forças dentro de mim. Estou perdido, disso eu já sei há muito tempo, mas agora também me sinto abandonado, e isso é mais doloroso do que não ter pra onde ir.

Tiro o boné e o crachá, e mesmo pensando em deixar abandonado no chão, acabo levando junto comigo como uma lembrança. Não sei pra onde ir agora, não quero receber outro olhar de desprezo quando dizer que perdi o emprego, mas também preciso urgentemente de um abraço e isso é algo que só posso conseguir em casa.

Escolho não chorar por isso agora, e caminho lentamente pela estrada escura que vai me levar de volta pro centro de Seul. A caminhada é longa, eu provavelmente teria que andar por mais de dois dias pra chegar até a casa de Sicheng a pé, mas a minha antiga casa é mais perto. Não tenho dinheiro pra ônibus, mas meus pés podem aguentar chegar até lá e pegar meu carro pra terminar o caminho. Sei que é arriscado, mas Gahyeon e Jisung estão protegidos agora, e eu não me importo de correr perigo sozinho.

Quase duas horas e meia depois, meus pés cheios de bolhas chegam até a esquina da rua de casa em Gangnam. Respiro aliviado por ter conseguido, mas meu coração volta a ficar agoniado quando vejo o carro do meu pai parado na porta. Ele deve ter vindo atrás de Gahyeon, eu devia ter avisado que ela não estava, mas não é como se ele tivesse me deixado ter uma conversa com ele.

Estou de frente pra porta principal quando vejo ele sair da casa bufando, com a chave reserva na mão e uma expressão cansada. Eu sinto um pouco de pena dele, deve ter tido uma viagem cansativa vindo da China e agora provavelmente está sentindo muita dor no corpo. Eu não devia sentir pena, ele tinha energia demais quando resolveu gritar comigo e me fazer perder o emprego.

— Gahyeon não está – eu disse enquanto o observava calado, vendo ele fitar meu carro com o mesmo olhar de repulsa – Estamos ficando na casa de um amigo.

— Que seja – ele bateu seu ombro no meu ao passar por mim – Diga a ela que a busco na faculdade amanhã a noite.

— Tudo bem – respondi educado – Boa noite.

Ele me olhou enquanto o vidro blindado de sua mercedez subia, e dessa vez não fez nenhuma careta de nojo. Apenas ignorou, como ele costumava fazer com os pedintes do semáforo nas nossas viagens para a América.

Partiu com o carro sem olhar pra trás, e eu suspirei cansado de tanto tentar não me sentir afetado por isso. Entrei no meu carro, que inclusive está com a pintura saindo e alguns problemas no motor, e tentei não pensar em como minhas diferenças com minha família se agravaram com o passar do tempo. Antes, tínhamos valores diferentes e personalidades opostas, e agora eu represento tudo que meus pais mais repudiam e lutaram pra não ser, e por isso sua decepção se transformou em repulsa.

Agradeço mentalmente por não ter errado o caminho até a casa de Sicheng, e respiro aliviado por ter chegado em segurança em plena noite. Vejo que a luz da sala está acesa, e me apresso pra entrar antes que Gahyeon descida parar de estudar e ir dormir.

Quando abro a porta, ela parece um pouco assustada e seus olhos estão estáticos me vendo entrar. Acho que acabei lhe assustando, eu também não esperava voltar tão cedo, até porque não esperava ter sido demitido.

— Que susto – ela finalmente volta a se mexer e bebe um gole de café – Por que chegou tão cedo?

— Longa história – suspiro cansado e penduro meu casaco perto da porta de entrada.

— Café?

— Aceito – respondo e me sento no sofá tentando descansar a mente pelo menos um segundo.

— Aqui – ela me entrega uma caneca cheia de café gelado e se senta na minha frente – Quer conversar?

Não quero rodear ou procurar a melhor forma de contar tudo, só quero soltar de uma vez e poder sentir um pouco de alívio.

— Fui demitido – disse enquanto olhava pro teto – E o papai voltou.

— O que?

— É isso mesmo – ri sem humor algum – As duas coisas ao mesmo tempo.

— Ele te viu trabalhando? – ela arregalou os olhos – Ele ficou bravo com você?

— Ele fez uma cena, é claro, e me disse coisas dolorosas – tomei um gole do café – Mas nada que eu já não esteja acostumado, não é?

— Eu... – Gahyeon tentou seu melhor sorriso de conforto – Eu sinto muito.

— Não sinta – respondi – Minha demissão doeu bem mais.

— Foi por causa dele?

— Também – dei de ombros – Mas meu chefe disse que o posto vai fechar dentro de um mês, então tanto faz.

Vi como Gahyeon ficou triste, e apesar de não saber o que me dizer, sei que em seu coração ela compartilhava da mesma tristeza que eu. Era assim que eu queria que meu pai também se sentisse quando me visse chorar, mas na verdade, meu choro funciona como um combustível pra ele.

— Eu realmente acreditava que ele nunca ia descobrir.

— Eu não – bufei – O papai é esperto, ia descobrir uma hora ou outra. Só não precisava ser no pior momento.

— Eu sinto muito – ela repetiu – Por tudo, e principalmente pelo que aconteceu ontem. Eu não queria ter te colocado em risco.

Vi seus olhos brilharem com lágrimas, e meu coração ficou apertado outra vez. Eu nunca vou culpar Gahyeon por isso, agora sei que ela foi mais vítima do que eu, e eu nunca vou largar sua mão diante de uma situação dessas.

— Você não me colocou em risco – sorri – Eu fui lá pra salvar você, e foi isso que eu fiz. Quer dizer, o que nós fizemos.

De repente, Gahyeon começou a chorar de verdade. As lágrimas escorreram pelo seu rosto e ela fungou, suas mãos correram pra cobrir seus olhos na tentativa de esconder sua vulnerabilidade na minha frente.

— Eu não consigo esquecer – ela soluçou – Eu nem consigo fechar os olhos pra dormir pois vejo tudo acontecer outra vez.

Eu ainda não sei o que houve antes da noite na cabana, e estive esperando Gahyeon absorver tudo isso pra perguntar e não doer tanto, mas me dei conta de que jamais vai parar de doer, então não faz diferença esperar ou não.

— Mas me diz – pedi baixinho e apoiei os antebraços nas pernas pra ficar mais perto dela – O que houve?

— Eu... – ela tentou começar, mas chorava descontroladamente, seus soluços sofridos pareciam sufoca-la e dificultar sua respiração.

— Calma – falei – Respira um pouco.

Ela seguiu meu conselho, respirou fundo algumas vezes enquanto os soluços cessavam, e limpou as lágrimas dos olhos tentando se acalmar.

— Eu estava esperando o ônibus tarde da noite, logo depois da faculdade. Colocaram um pano sobre meu rosto, e eu perdi a consciência logo em seguida – engoliu em seco – Mas me lembro de ter visto dois homens encapuzados, mais tarde descobri que um deles era Xiaojun.

Enquanto Gahyeon fechava os olhos e respirava fundo pra não chorar, rapidamente busquei um copo de água e entreguei a ela. Minha irmã segurou o copo tremendo, me fazendo pensar em como isso lhe traumatizou de verdade. Meu coração dói e morre de medo, não sei se consigo ajuda-la a esquecer isso, e nem sei se um dia ela pode voltar ao normal.

— Xiaojun era um amigo, alguém que conheci durante as festas da faculdade. Um tempo atrás, quando eu e Yunho brigamos, Xiaojun me ofereceu conselhos e eu o convidei pro quarto – ela abaixou o rosto envergonhada – Eu só queria esquecer de Yunho por um momento, e isso voltou a acontecer mais algumas vezes. Quando nós voltamos a ficar juntos, eu dispensei Xiaojun, ele ficou magoado e sempre me mandava mensagens dizendo coisas horríveis. Mas depois ele parou, e eu achei que estava tudo bem. Eu fui tão burra, Minho, eu... eu realmente acreditei que estava tudo bem, mas não estava.

Gahyeon voltou a chorar bem alto dessa vez, me fazendo ter medo de Jisung escutar nossa conversa, mas ao mesmo tempo, sem coragem pra impedi-la de colocar tudo pra fora.

Foi tudo como eu imaginei depois do que ele disse na cabana, Xiaojun provavelmente se tornou obcecado e agiu em silêncio, e enquanto isso Gahyeon seguia sua vida sem entender que o tempo todo era o alvo principal. Não consigo imaginar o que passou pela sua mente quando descobriu tudo, sozinha e acorrentada, sem saber se alguém a encontraria um dia.

— Quando acordei na cabana, ele me contou que esteve me esperando no beco naquela noite, e que tudo tinha sido premeditado. Ele queria se vingar de mim – limpou uma lágrima que escorreu pelo rosto – Mas quando eu perguntei sobre Bang Chan, ele não respondeu. Disse que cada um sabia do seu próprio erro.

Tudo parece uma incógnita, por mais que agora tivéssemos descoberto o motivo da tentativa de assassinato a Gahyeon e as ameaças contra mim, ainda não podemos formar nenhum pensamento concreto, e isso é assustador. Quanto mais pistas recebo, mais longe fico da verdade, e mais longe fico da parte onde tudo isso acaba e eu posso respirar em paz.

— Você também tem essa sensação de que tudo isso é maior do que a gente pensa? – pergunto com o coração palpitando e roendo as unhas, me sinto completamente apavorado.

— É claro – ela respira fundo – Xiaojun nos deu a ponta do iceberg como um aviso de que todos vão afundar.

Meu corpo estremece, e agarro a garrafa de soju na mesa de centro e bebo um gole generoso na tentativa de me anestesiar desses sentimentos.

— Ele parecia ser tão perigoso assim?

— Eu não sei – ela se deitou no sofá sem chorar agora, e parecia mais a vontade em conversar comigo – Maluco ele sempre foi, quieto e reservado também, ninguém sabia nada sobre ele e nem procuravam saber.

Ela tirou a garrafa da minha mão, bebeu a bebida sem gelo e fez uma careta antes de me devolver.

— Não devia ter me envolvido com ele, foi a pior coisa que eu fiz. Estava desesperada pra tirar a mágoa de Yunho de dentro de mim, mas nada justifica – bufou cansada – O ego de Xiaojun jamais deixaria isso pra lá, e sua sanidade e tendências psicopatas nunca lhe diriam a hora de parar. Foi minha culpa, no final.

— Não foi – disse a ela – O amor nos faz agir por desespero as vezes, e os erros que cometemos desesperados são aqueles que não dá pra corrigir.

— Eu poderia viver tranquilamente com esse peso, mas não depois de ter afetado outras pessoas – lamentou – Meu amor por Yunho destruiu minha vida. Eu não estava preparada pra amar alguém, muito menos pra ser rejeitada.

Eu olhei pra minha irmã, pensando que talvez essa seja a conversa mais íntima que tivemos desde que ela nasceu. Sempre tivemos intimidade um com o outro, mas nunca achávamos necessário abrir nossos corações para outras pessoas, e sempre procuramos guardar cada sentimento pra sempre em segredo.

— Você nunca me disse que amava alguém.

— Eu nunca disse nem pra mim mesma – riu fraco – Sempre fiz parecer que era imbatível, que nada podia estragar o meu dia ou a minha vida. Tive vergonha de ficar tão rendida a um homem tão idiota.

Acabei rindo, e de relance vi que também consegui arrancar uma risadinha de Gahyeon. Tive medo de não vê-la sorrir nunca mais, e meu coração fica mais leve ao ver que ela ainda está ali, em algum lugar, só precisa descansar um pouco pra voltar a ser a minha irmã.

— Acontece, Hyeon – sorri pra ela – O amor escolhe a gente, não tem como fugir.

— É claro que tem – respondeu – Yunho não me amava de verdade e ainda por cima se aproveitava de mim, não tinha como isso ser amor. Então, eu fugi, ou se você prefere, eu mandei aquele filho da puta a merda.

Soltei uma gargalhada, e Gahyeon tentou se segurar mas acabou se juntando a mim também. É muito bom ouvi-la rir outra vez, mas melhor ainda é ver que apesar dos pesares, ela vai se recuperar aos poucos. Ela ainda é forte, divertida, e até um pouco áspera as vezes, mas ainda tem a essência dela, e isso faz ela ser quem realmente é e a irmã que me orgulho em ter.

— Estou orgulhoso de você – sorri – Você passou por tanta coisa, mas ainda está aqui.

— Nós dois passamos por muita coisa – me corrigiu – Mas ainda estamos aqui, e vamos estar até isso passar, não é?

— Claro – disse um pouco emocionado, sentindo meu coração agoniado e ao mesmo tempo um pouco mais feliz.

Há inúmeros motivos pra que eu queira chorar agora, mas saber que Gahyeon tem a força que precisa pra se recuperar me faz ter esperanças e afasta qualquer tristeza. Quero estar ao seu lado até que ela esteja bem, e quero estar presente em todas as suas conquistas no futuro, até que um dia esse passado turbulento seja apenas uma lembrança ruim e distante.

— Acho que deveriamos fugir – ela diz de repente.

— O que?

— Me sinto culpada por ter te colocado no meio disso – ela diz cabisbaixa – Me desculpa.

Gahyeon derruba algumas lágrimas e seu rosto fica vermelho, eu rapidamente me levanto pra sentar mais perto dela e acariciar seu ombro. Não quero que ela se culpe por isso, pois tenho certeza que se eu estivesse em perigo, ela também faria tudo que pudesse pra me defender, assim como fez na noite passada.

Sei que tudo virou uma bola de neve depois daquela noite, mas sabendo que se eu não estivesse lá Gahyeon morreria, não consigo me arrepender de nada. Ela precisava de mim, e como sempre fui a pessoa que ela mais confia, eu a protegi como sempre disse que ia fazer.

— Ei, não precisa se desculpar, você não sabia – tento lhe dar um sorriso mas ela continua chorando – E fugir não é uma opção agora, o papai está na cidade.

— Droga – ela bufou e puxou os fios de cabelo – Ele foi até nossa casa?

— Sim, estava lá quando busquei o meu carro, e disse que vai te encontrar na faculdade amanhã.

Ela ficou em silêncio, tão pensativa quanto eu fiquei quando o vi no posto de gasolina. Ele não nos visitou por anos, e escolheu a pior hora pra voltar.

— É uma pena, mas... – suspirou triste – Eu fico melhor sem o papai.

— É, eu também – passei a mão sobre o rosto um pouco frustrado – Sempre fiquei.

Gahyeon respirou fundo e arrumou a postura, me olhou depois de secar as lágrimas do rosto e permaneceu me encarando por um tempo.

— O que foi?

— Acho que essa foi a conversa mais íntima que já tivemos – riu.

— Cheia de sentimentos e blábláblá – brinquei – Nada que gostamos de falar.

— Pois é – sorriu – Mas obrigada, Oppa. Eu precisava disso.

— Oppa? – franzi o cenho segurando uma risada – Desde quando você usa honoríficos comigo?

— Desde agora, talvez – riu e deu de ombros – Acho que deveria te respeitar mais.

— Não se preocupe, idade não significa nada. No final das contas, você que é corajosa e destemida, enquanto eu choro pelos cantos feito um filhotinho de cachorro.

— Dramático desde sempre – revirou os olhos e riu – Acho que prefiro te chamar de Minho mesmo.

— Por mim tudo bem – sorri.

Me assustei quando escutei um barulho na porta, mas através do vidro refletivo da parede da sala pude ver Sicheng carregando sacolas de supermercado e seu carro parado ao lado do meu.

— Ufa – Gahyeon também respirou aliviada – Estou ficando paranóica com barulhos.

— É só o Sicheng – disse – É um grande amigo de Jisung, pode confiar nele.

— Eu confio – respondeu – Vou para o quarto, cuide dos seus machucados antes de dormir.

— Pode deixar.

— Até amanhã – ela disse antes de sair, e eu acenei enquanto ia abrir a porta pra Sicheng.

— Tá pesado – ele gemeu e mostrou seus dedos roxos com as alças das sacolas.

— Deixa eu te ajudar – peguei algumas na mão e nós dois corremos pra colocar em cima da mesa da cozinha.

— Ufa! – ele limpou as palmas das mãos na jaqueta e suspirou aliviado – Obrigado.

Eu sorri sem graça, e voltei a me sentir desconfortável como sempre fico quando Sicheng nos ajuda. Nessas sacolas provavelmente tem comida pra um mês inteiro, e isso é algo que eu e Gahyeon devíamos ter comprado já que ele está cedendo sua casa e energia pra ficarmos hospedados.

Me sinto inválido, e o fato de não ter dinheiro pra comprar essas coisas me obriga a aceitar a ajuda dele. Meu orgulho me mata, mas a tristeza de não ter como fazer nada e depender de alguém que eu conheci a menos de um mês é ainda pior. Sinto pena dele, queria retribuir de alguma forma, mas a única coisa que faço é ajuda-lo a trazer as sacolas para a cozinha.

— Não sei o que vocês gostam de comer, por isso comprei coisas variadas. Achei que seria perigoso se expor no centro da cidade pra ir ao supermercado, por isso trouxe mais comida.

— É... Obrigado – senti meu rosto queimar – Está ótimo, obrigado mesmo.

— Tudo bem – ele se apoiou no balcão – Você está melhor? E os ferimentos?

— Ah – toquei meu olho roxo que nem lembrava mais – Não dói muito, é suportável.

— Melhor assim, e Gahyeon? – ele tirou um pão de forma da sacola e me ofereceu antes de começar a comer.

— Está se recuperando, ela vai ficar bem.

— É claro.

Houve uma breve pausa no assunto enquanto só o que pude ouvir foi o som de Sicheng mastigando, e esse silêncio me deixou um pouco constrangido.

— É... – ele disse pensativo – Você pode me explicar o que aconteceu ontem? Eu não quis ser invasivo, mas fiquei preocupado. Vocês me assustaram.

— Me desculpe por isso – falei com sinceridade, e pensei que Sicheng deveria saber de pelo menos um pouco já que está nos ajudando tanto – Na verdade, não foi bem um assalto. Gahyeon foi abordada por um maníaco da faculdade dela, me ligou pedindo ajuda e quando cheguei lá acabei brigando com ele. A polícia chegou logo em seguida, mas ele acabou fugindo.

Sicheng ficou boquiaberto e até parou de mastigar o pão de forma por um momento.

— Meu Deus – disse incrédulo – Foi um baita susto, imagino como você deve ter ficado desesperado.

— Muito, ainda me preocupei com Jisung sozinho em casa e tentei lhe proteger como pude. Que bom que você chegou a tempo.

— É, eu entrei pelos fundos e ele me jogou a chave pela janela. Fico mais aliviado que as coisas tenham acabado bem – sorriu – Você pode contar comigo quando precisar.

— Sei disso – me curvei brevemente – Você está nos ajudando muito e nem nos conhece muito bem, não sei como agradecer.

Ele se levantou e começou a desempacotar as compras, e eu comecei a fazer o mesmo para ajuda-lo a guardar tudo nos armários e na geladeira.

— Eu conheço Jisung, e quero poder fazer por ele o que não pude fazer no passado – respondeu – Vocês são pessoas que ele gosta e confia, então vou fazer o mesmo. Sei que cuidaram dele enquanto eu não estava por perto.

Sinto meu coração doer um pouco, pois a forma como Sicheng diz é como se eu estivesse fazendo um favor a ele, e que agora chegou sua hora de voltar a fazer uma tarefa que sempre será sua.

Não é como se Jisung fosse incapaz de se cuidar e se defender, ele não é propriedade nem dele e nem minha, e eu jamais quero que seja. O que Jisung precisa, e o que qualquer pessoa precisa, é de um companheiro e alguém que o ame, e a forma como Sicheng fala é como se ele fosse a única pessoa capaz de proporcionar isso a Jisung.

Eu o amo, estive do seu lado esse tempo todo, e cuidei dele quando foi preciso. Posso fazer isso, sei que Jisung quer que eu seja a pessoa que vai estar do seu lado, e me sinto levemente incomodado por ele ainda não ter mencionado que estamos juntos pra Sicheng. Talvez não estejamos mais, talvez ele esteja se questionando isso de novo e de repente meu coração estremece de medo.

— Vou continuar cuidando – engulo em seco, com medo de não ser mais a pessoa que vai estar com ele daqui pra frente, mas tentando confiar em mim um pouco mais. Sei que Sicheng não cometeu o erro que eu cometi com ele, e nem foi tão cruel como eu estou sendo ao esconder o que fiz, mas tenho minhas dúvidas quanto aos seus sentimentos. Se ele acha que ama Jisung, ele certamente não conhece o amor que sinto por aquele garoto.

— Certo, acho que já vou indo, está muito tarde.

— Obrigada pelas compras – disse com vergonha – Foi muito... Gentil, eu diria.

— Gostei do elogio – ele riu – Até amanhã, Minho.

— Até amanhã – acenei quando ele fechou a porta.

Eu gosto de Sicheng, e acho que até lhe considero um amigo, mas me sinto agoniado ao pensar que ele pode tomar meu lugar na vida de Jisung. A volta dele é muito importante pra Jisung, representa um fragmento do passado, da época em que ele só tinha lembranças normais até o dia em que achou aquela fita.

Não sei o que ele sente quando olha pra Sicheng agora, não sei se ele traz a mesma sensação boa ou se agora se tornou uma prova viva de que tudo que Jisung viveu é real, enquanto eu ainda represento seu presente eufórico e seu futuro incerto. Queria saber o que ele pensa sobre nós dois, talvez assim eu dormiria mais tranquilo, e me sentiria mais confiante se soubesse que seu coração ainda bate forte quando me vê.

Estou louco pra falar com ele, pra testar nossa aproximação e me desculpar por tê-lo deixado sozinho naquela noite, e estou tremendo de medo de como vai ser essa conversa e preocupado com o fato de ter gerado outro trauma em Jisung.

Se eu pudesse, tiraria isso a limpo agora, mas a porta do seu quarto está fechada e eu não quero acorda-lo tão tarde da noite. Pelo visto vou passar mais uma noite em claro.

Troco de roupa e coloco um suéter preto, escovo os dentes, e busco o colchão inflável no meio das inúmeras caixas de roupas de cama que a ONG de Sicheng recebeu como doação. Coloco o colchão na sala, me deito sobre ele e me cubro com um cobertor fino pois foi o único que sobrou dos que eu trouxe na mala.

Há tantos problemas circulando minha mente, e quando decido me alienar pego o celular e me deparo com mais um deles. É um e-mail me cobrando pelas dívidas no meu cartão de crédito, e sinto vontade de jogar meu celular de um penhasco e fingir que nada disso está acontecendo.

Acho que meu pai tem razão, eu me tornei mesmo um miserável. Lutei tanto pra sair das suas garras e jurei tanto não precisar do seu dinheiro, que agora a única coisa que poderia me salvar de me afundar em mais um problema enorme é ser herdeiro de uma empresa. Sou mesmo um fracassado, rodei por vários lugares e voltei pro mesmo, ainda por cima individado e correndo perigo. Eu sou um para-raio de problemas.

Não queria apelar pra isso mais uma vez, mas não tenho muita escolha, e também não me importo o suficiente. Peguei o pote laranja no bolso da mochila, e enchi a mão com pílulas de calmante mais uma vez. Só preciso de uma noite de sono pra descansar e esquecer tudo por um momento, é só assim que consigo arranjar forças pra suportar o dia de amanhã, e o próximo que vai vir depois. Vai ficar tudo bem, já fiz isso outras vezes, mas não sei quando vou conseguir parar. Talvez eu nunca consiga.

***

Acordei com os raios de sol iluminando meu rosto, o som dos pássaros cantando lá fora e o bater das folhas das árvores com o vento.

A casa de Sicheng fica na beira de uma rodovia, não há vizinhos ou pontos de comércio, a única coisa que nos cerca são uma imensidão de árvores e um pequeno lago onde algumas pessoas vão pescar. Na noite que chegamos e que eu dormi tão pesado, não pude reparar em como o lugar ao nosso redor era bonito, e como a sensação de acordar com o som dos pássaros é tão gostosa e diferente dos sons do centro da cidade.

A primeira coisa que faço é pegar o celular pra ver as horas, ainda é de manhãzinha e há uma mensagem de Gahyeon me dizendo que saiu pra ir pra faculdade. Meu coração aperta, mas tento não pensar no pior, porque apesar de tudo sei que ela não pode parar sua vida e esperar o pior como eu constantemente faço.

Mas hoje é um dia diferente dos outros, meu corpo não dói tanto quanto antes, e meu olho está bem mais desinchado. Me sinto um pouco disposto fisicamente, mas não posso dizer o mesmo do meu psicológico. Ainda estou tentando ignorar que perdi meu emprego, toda vez que esse pensamento me vem a mente sinto até vontade de vomitar de tanta ansiedade. Não tenho o que fazer agora, me sinto completamente perdido, e em vez de pensar em uma solução eu decido apenas fingir que está tudo bem pra não enlouquecer de uma vez.

Começo tomando outro banho, escovando os dentes, passando mais pomada nos machucados e fazendo um novo curativo no corte do meu braço. Está bem melhor agora, ainda dói quando me mexo e a pele abre, mas não é mais um motivo pra me preocupar.

Coloco uma roupa limpa que pego na mala, passo um perfume no pescoço e sorrio ao me lembrar que hoje vou falar com Jisung. Lhe dei o espaço que ele precisava, o deixei descansar e dormir bastante, mas agora preciso tentar pedir desculpas e talvez até ganhar um abraço ou um simples toque. Meu coração está morrendo de saudades dele.

Abro os armários e decido o que vou preparar para o café da manhã, e acabo optando por kimchi e uma sopa de legumes instantânea que Sicheng comprou ontem. Quero deixar tudo preparado pra quando Jisung acordar, pois se ele me permitir, quero alimenta-lo e cuidar dele da forma que sempre gostei de fazer.

Quando termino de cozinhar a sopa, escuto o barulho do chuveiro sendo ligado e percebo que ele já acordou. Meu coração acelera, me sinto um pouco ansioso agora e me apresso pra colocar a comida em um prato e deixar esfriando. Enquanto ele toma banho, como um pouco do kimchi e abro uma lata de refrigeirante, acabo comendo tudo rapidamente de tanta ansiedade.

Espero um tempo pra Jisung terminar seu banho e se trocar no quarto, e depois de alguns minutos pego seu prato e respiro fundo antes de seguir até o quarto dele. Tomara que esteja tudo bem entre a gente, ele é a única parte boa de toda a minha vida, e ao contrário de todo o resto, não posso perde-lo.

A porta está entreaberta, e entro devagar até vê-lo sentado em frente o teclado que lhe dei com uma blusa de frio verde que me lembro de ter comprado pra ele. Fico sorrindo feito um bobo ao vê-lo, mas assim que ele nota minha presença me apresso pra falar alguma coisa antes que ele pense que estou invadindo seu quarto.

— Eu-eu posso entrar? – gaguejei – Trouxe café da manhã.

Jisung não demonstrou nenhuma reação feliz ao me ver, mas também não demonstrou sentir medo, o que já era um pouco melhor. Ele acentiu com a cabeça, e voltou a olhar pro teclado onde passava seus dedos finos e delicados por cima das teclas.

Coloquei o prato sobre a cômoda, e me aproximei com certo cuidado, ficando parado em frente a ele com minhas mãos nervosas ao lado do corpo e meu coração disparado dentro do peito. Não sei como começar uma conversa, e é estranho a forma como somos tão inconstantes as vezes. Temos toda a proximidade do mundo em um dia, e no outro agimos feito estranhos.

— Meu teclado quebrou.

Não esperava que ele dissesse algo, e de todas as coisas que ele poderia dizer, eu jamais imaginei que seria sobre seu teclado.

Seus olhos estão tristes, ele continua tentando apertar uma tecla que está desnivelada e não sai som nenhum. Meu coração dói por ele.

— Eu posso pagar o conserto – digo sem pensar, porque na verdade não posso pagar absolutamente nada – Ou posso tentar arrumar pra você.

Ele não olha pra mim, e sua expressão não muda. Achei que o faria feliz se pudesse consertar uma das coisas que ele mais gosta, mas ele não parece ligar.

— Não precisa – respondeu com a voz baixinha – Eu não quero mais tocar piano.

Arregalei os olhos chocado, não posso acreditar no que ouvi. Ele sempre amou fazer isso, desde que lhe dei o teclado eu sempre o ouvi tocar e compor novas melodias durante praticamente todos os dias até hoje. É o que ele mais gosta de fazer, é seu sonho de infância poder se tornar um pianista. Não posso acreditar que ele desistiu do que ama fazer.

— Por que? – perguntei afobado, querendo uma explicação rápida pra que eu pudesse convence-lo do contrário.

Ele respirou fundo, uma gota de seu cabelo molhado caiu sobre uma das teclas, e por um segundo achei que ele estivesse chorando, mas pior do que isso, seus olhos estavam secos.

— Não me faz mais feliz.

Meu coração se partiu, e eu não tive nenhum argumento pra convence-lo do contrário. É claro que não o faz mais feliz, depois de tudo que aconteceu estranho seria se Jisung me falasse que ainda há felicidade dentro dele. Como qualquer outra pessoa, ele também se rendeu as suas dores, e isso não significa que ele é fraco e não aguentou firme o suficiente, significa apenas que ele é humano, e sofrer é a forma mais humana de sentir.

Me sentei na beira da sua cama e senti um nó se formar na minha garganta. Eu odeio mais que tudo no mundo vê-lo triste, mas agora é muito pior saber que tenho culpa nisso. Sei que nada que eu faça vai apagar a memória que ele guarda desde que me viu indo embora e praticamente lhe deixando pra morrer. Eu me arrependo mais que tudo no mundo de ter feito isso, mas era a única maneira de protege-lo, e no final, eu o feri.

— Jisung, eu sei que te magoei na noite que fui embora, mas eu só...

— Só queria me proteger – me interrompeu – Sicheng me explicou. Está tudo bem, já não dói tanto assim.

Engoli em seco, e não pude evitar sentir a dor que o nome de Sicheng me causou. Eu que devia ter me explicado, mas pelo visto Sicheng tem sido o primeiro até nisso, e eu nem tive o direito de dizer alguma coisa.

Não me sinto aliviado quando Jisung diz que já não dói tanto assim, isso é só uma forma diferente de dizer que doeu, mas que há coisas que doeram muito mais e que ele acabou deixando isso pra lá. Não gosto de pensar que o magoei tanto, mas pelo menos ele entende que eu só quis lhe proteger.

— É isso que todo mundo faz – continuou – Me protege e me esconde, como se eu nunca estivesse preparado pra lidar com alguma coisa.

Sinto como se suas palavras fossem um soco em meu estômago, e infelizmente sei que ele tem razão, mas também entendo o lado de Bang Chan e Sicheng quando esconderam a verdade dele. As vezes querer cuidar tanto de alguém é esconder tudo que a machuca, na tentativa de protege-la e na ilusão de pensar que isso é algo feito por amor. Eu o amo, e me dói pensar que até hoje ele não sabe do que fiz. Posso deixa-lo sofrer por toda e qualquer verdade, menos por essa, porque ser verdadeiro com ele significa perde-lo pra sempre, então eu prefiro não ser.

— Não é bem assim – respondi cauteloso – Seu irmão e Sicheng esconderam aquilo de você porque não queriam que sofresse.

Jisung riu sem humor nenhum, e quando seus olhos me olharam pela primeira vez, estavam ardendo em lágrimas.

— E acha que não estou sofrendo agora? – praticamente gritou – Achou que saber tudo de uma vez seria menos doloroso?

Eu o escuto soluçar, e decido que não há nada que eu deva falar sobre isso. Ele está certo, não há justificativa nenhuma, tudo o que fizemos foi poupa-lo de uma dor que era sua, e que se não tivesse sido tirada dele, talvez doeria bem menos do que agora.

— Eu sinto muito – pisquei rapidamente pra não chorar – Por tudo o que houve com você, e por tudo que fizeram.

Eu sinto tanto, de todo o meu coração, mas não sou a pessoa certa pra sentir tanto assim. O que Bang Chan e Sicheng fizeram ao esconder a verdade dele, é o que eu continuo fazendo, e nunca vou ter coragem de dizer. Não posso imagina-lo chorando dessa forma outra vez por um erro meu, não posso suportar vê-lo sofrendo ainda mais.

— Mas tudo bem, eu perdoei Sicheng e Channie – Jisung respira fundo e limpa as lágrimas nos olhos – Mas o problema é que desde que eu soube de tudo, a dor não para por nenhum segundo. Sinto como se eu estivesse morrendo aos poucos.

Eu sei bem como é essa sensação, e queria dizer que o entendo, mas acabo apenas escondendo as lágrimas que se formam nos meus olhos e procurando lhe transmitir um pouco de força. Saber que Jisung se sente da mesma forma que eu me sinto desde aquela noite no beco me faz querer chorar, e não posso dizer a ele que essa sensação de quase morte demora pra passar, e talvez nunca passe. Eu quero que ele tenha a esperança que eu nunca tive pra se livrar de toda essa dor, e vou sempre fazer tudo que for preciso pra que o peso de seu passado seja suportável pra que ele carregue pelo resto de vida que tiver.

— Eu não consigo mais me lembrar de nenhum momento bom na minha vida – disse – Quando fecho os olhos, só vejo o fogo e só sinto medo. Todas as minhas memórias boas se queimaram.

Meu peito dói tanto que perco o ar, e assisto os olhos tristes de Jisung olharem para o piano. Ele toca tecla por tecla, fazendo a nota soar perfeitamente, e indo devagar até a tecla quebrada.

— Como posso fazer isso de novo... – ele aperta Sol e eu não ouço nada – Se dentro de mim não há som nenhum.

Eu não suporto vê-lo assim, e meu corpo reage a meus sentimentos. Meu peito dói, meus olhos querem desesperadamente chorar, minhas mãos tremem e suam e meus braços querem abraça-lo o mais forte possível até que ele se sinta um pouco melhor.

Mas sei que as coisas não funcionam assim, não quero que Jisung apenas aprecie um abraço meu, quero que ele primeiramente me permita carregar um pouco desse fardo com ele. Quero dividir o peso, quero ajuda-lo a diminuir a dor, quero reconhecer a vida com ele e ressignificar tudo que um dia já lhe machucou.

Sei que isso é demorado, sei que há muitas recaídas e que vai demorar um tempo até que ele se recupere, mas eu quero estar do seu lado em cada momento. Eu quero ama-lo na dor e na felicidade, quero curar suas feridas e deixa-lo curar as minhas mesmo sem saber que as tenho. Sei que o que sentimos um pelo outro é verdadeiro e é maior que todo o resto dos nossos erros e dores, e contanto que Jisung me deixe ser aquele que vai estar do seu lado pra sempre, sei que vamos ficar bem.

— Ei – eu o chamei, e esperei que ele saísse dos seus pensamentos pra ver seus olhos castanho-escuro brilhantes olharem pra mim – Você se lembra de quando comemos waffles com sorvete? Se lembra do gosto dos morangos?

Jisung buscou a memória por alguns segundos, e de repente vi seu rosto se transformar. Ele sorriu pequeno, mas seus olhos brilharam, sua alma por um segundo irradiou luz assim que sua mente lhe transportou pra um momento bom.

— Eu me lembro – vi seus dentinhos tortos quando sorriu – Eram docinhos, e o sorvete tão gelado – riu.

Dessa vez, as lágrimas escorreram pelas minhas bochechas de verdade, e eu chorei pelo simples fato de vê-lo sorrir e das nossas risadas se completarem em uma só melodia.

— Viu? Essa é uma memória boa, você ainda se lembra dela.

— Sim – ele suspirou com nostalgia – Acho que no meio de tantas coisas ruins me esqueci disso.

Puxei minha memória outra vez, ignorando todas as noites que passei em desespero e ansiedade, filtrando cada acontecimento até chegar aos momentos felizes que eu e Jisung vivemos juntos.

Confesso que também me esqueci da felicidade daquelas memórias, não procurei por elas depois de tanto tempo me afogando em dor. Só agora percebo que elas são meu combustível, minha fonte de alegria e força, a única coisa capaz de me trazer paz no coração além de Jisung.

— Se lembra de quando vimos as estrelas juntos? De quando você comeu tortinhas no centro da cidade ou quando compramos suas roupas?

Jisung gargalhou, sua mente foi viajando pelas memórias enquanto seu sorriso iluminou minha vida outra vez. Seus olhos brilharam, e sei que no fundo aquele amontoado de dores ainda o machuca, mas isso não quer dizer que essa pequena gota de felicidade que ele sente agora não é verdadeira.

— Eu te fiz vestir aquele casaco feio só porque seria engraçado.

— Eu sei disso – ri.

Ainda me lembro perfeitamente, e é tão bom rir disso outra vez. Jisung me pediu pra vestir um sobretudo estampado no meio da loja, e como eu sabia que conseguiria tirar um sorriso dele usando algo que definitivamente não é meu estilo, eu fiz o que ele pediu. Nunca vou me esquecer do sorriso dele naquele dia.

Aos poucos, nosso riso morreu, mas eu não podia deixar Jisung voltar pra parte escura de sua mente outra vez. Procurei por outras memórias, e meu coração palpitou quando me lembrei de uma delas. Não sei se é a melhor escolha, mas eu quero arriscar.

— Se lembra de quando nos beijamos pela primeira vez?

Jisung me olhou, seu peito parou de se mover por um segundo como se ele tivesse perdido o ar. Eu sei que aquela não é uma memória tão boa assim, naquele dia Jisung tinha tantos motivos pra chorar que pude sentir o gosto salgado das lágrimas quando nossos lábios se tocaram. Foi como cura, mas o simples toque das nossas bocas não pode consertar seu coração quebrado, mas acredito que por um segundo lhe proporcionou felicidade, e lhe fez sentir o que era amor pela primeira vez na vida.

— Naquele momento, você foi feliz, apesar de tudo?

Tenho medo da resposta, e quando vejo seus olhos parados no horizonte e seu rosto sendo iluminado pelos raios de sol, sinto que meu coração vai se quebrar outra vez se ele disser que não. Mas eu o conheço, ele nunca conseguiu mentir pra mim sobre o que sente, nossa conexão de almas nunca nos permitiu calar a voz dos nossos corações. Eu sabia, eu sempre soube, que naquele dia ele quis me beijar tanto quanto tinha medo de acabar me amando.

— Fui – sorriu com os olhos brilhando – Eu gostaria de poder voltar no tempo.

Eu me levanto, aproveito que ele está tão distraído olhando para as famílias pescando no lago, e me aproveito pra sentar ao lado dele no banquinho do teclado.

— Não precisa voltar no tempo se eu ainda estou aqui.

Jisung me olhou um pouco confuso, mas seus olhos brilharam da mesma forma que acontecia todas as vezes que nos beijávamos. Nossos rostos estão mais perto agora, eu quero que ele me permita faze-lo feliz de novo, eu quero que ele me deixe ser o seu amor enquanto temos tempo.

— Vamos poder comer waffles, tortinhas, ou passear no centro da cidade sempre que quiser. Podemos criar novas memórias, ou fazer tudo como se fosse a primeira vez.

— Como se fosse a primeira vez? – me olhou confuso.

Eu movi minha mão devagar, e assim que percebi que ele não ia recuar, encostei minha palma em sua bochecha e vi ele fechar os olhos e se aconchegar em mim.

— Essa é a nossa história, Hannie. Podemos criar, apagar, ou recomeçar tudo de novo. Isso é só sobre nós dois.

Ele tocou minha mão, seus olhos me olharam com ternura, e meu coração foi preenchido com o amor mais puro e intrínseco que já senti em toda a minha vida.

— Então você pode me beijar como se fosse a primeira vez?

Perdi o ar nos pulmões, e não pude continuar parado por mais nenhum segundo. Eu o beijei, dessa vez do jeito certo, sem nenhuma lágrima em nossos rostos, apenas o simples toque desesperado e intenso que tentava transmitir nossos sentimentos um pro outro.

Nossas línguas se encontraram, seus dedos percorreram meus fios de cabelo e minhas mãos seguraram seu rosto com cuidado. Eu o beijei com devoção, deixando meu coração controlar cada movimento, me permitindo dizer tudo que sinto por ele em cada estalo das nossas bocas e cada toque das nossas mãos.

Aos poucos, a euforia se dissipou, e deu lugar aos nossos olhares de amor e cuidado. Nossas testas se encostaram, pude ver seu sorriso de perto e seu dentinho torto que tanto amo. Parece mesmo o nosso primeiro beijo, e parece a primeira vez que constatei que Jisung sempre seria meu único amor pra toda vida.

— Aquilo que você disse na noite que foi embora... – ele acariciou meus lábios – Você estava falando a verdade?

Rapidamente me lembrei do que era, e das três palavras que pronunciei chorando antes de tranca-lo no quarto. De fato, eu quis dizer isso com todo o meu coração, e sinceramente não sei porque demorei tanto tempo. Depois que falei em voz alta, mesmo naquelas circunstâncias, senti como se estivesse eternizando meu amor por ele, e fico feliz por saber que ele me ouviu.

— Eu amo você Hannie – repeti acariciando seus fios de cabelo – Eu realmente quis dizer isso.

Seus olhos se abriram e brilharam ainda mais, seu sorriso aos poucos voltou a aparecer e fez meu coração disparar de tanta felicidade.

— Sério? – ele se afastou alguns centímetros pra poder ler minha expressão, e ri com a mais pura alegria ao ver seu rostinho tão feliz.

— Sério – lhe dei um selinho – Eu te amo muito, mais do que qualquer outra coisa.

Ele sorriu tão lindo, e eu o puxei para se sentar em meu colo e poder abraça-lo e inalar seu cheiro. Eu senti tanta falta dele, meu coração estava doendo de saudade e de medo de não poder abraça-lo desse jeito de novo.

Jisung me olhou, sua mãozinha pequena repousando em meu queixo e seus olhos brilhando de felicidade. Eu sei que ele não esperava ouvir isso, e talvez esteja um pouco assustado, mas seu sorriso é genuíno e sei que pude fazer seu coração bater mais forte.

— Eu não sei exatamente como é amar alguém, mas se você puder ficar comigo pra sempre... – ele me pediu baixinho – Por favor, fique.

Sinto meu coração transbordar e derreter, cada batida é pra ele, e cada célula do meu corpo deseja desesperadamente estar do seu lado pra sempre, até nosso último dia.

Eu não preciso que Jisung conheça o amor, nem que saiba exatamente como amar alguém. A única coisa que preciso é que ele me permita ser seu e me queira pra sempre, isso seria mais que o suficiente pra que eu e ele vivêssemos felizes até onde nosso destino permitir.

Eu o beijo com ternura e calmaria, dessa vez apenas lhe transmitindo a segurança de que vou fazer o que ele me pediu por que quero e preciso, e que mesmo que nosso pra sempre dure pouco tempo, eu vou lutar cada segundo por nós dois.

— Eu fico, meu amor – lhe dou vários beijinhos – É claro que fico.

— Espera – ele me dá um beijo carinhoso antes de se afastar – Acho que ouvi alguém abrir a porta.

Arregalei os olhos, e levei menos de dois segundos pra me levantar e colocar Jisung atrás de mim antes de espiar a sala. Acabei vendo de relance o terno do meu pai, e logo em seguida ele e Gahyeon entraram pela porta me fazendo soltar um suspiro enorme de alívio.

— Se acalme, meu bem – puxei Jisung pra ficar do meu lado – Aquele é meu pai.

— Seu pai? – cochichou – Ele não morava em outro país?

— É, ele mora – acabei bufando só de pensar em escutar o que meu pai tem a dizer outra vez – Te explico tudo mais tarde, ok? – lhe dei um beijo na testa.

— Oi – Gahyeon se aproximou sorrindo sem jeito, e quando Jisung a cumprimentou meu pai dirigiu um olhar ameaçador a ele.

— Oi – respondi simplista, mas seu olhar continuou reparando em Jisung com certo desprezo – Esse é meu... – olhei pra ele sem ter certeza se podia apresenta-lo de tal forma – Namorado.

Meu pai arqueou as sobrancelhas, e me olhou como se eu fosse um adolescente de quatorze anos iniciando minha vida amorosa, e que tudo não passava de uma grande piada.

— Namorado? – repetiu.

— Isso – respondi, e Jisung ficou tão nervoso que voltou a se encolher atrás de mim.

— Que seja – ele bufou e tirou sua carteira do bolso começando a contar algumas notas.

— Minho, o papai tem algo pra te dizer – Gahyeon adiantou o assunto, mas pela forma que ela limpa as mãos suadas na saia percebo que não é coisa boa.

Cruzei os braços com indiferença, e o olhei com certo desprezo na tentativa de lhe dar o troco. Sei que não devia lhe desrespeitar tanto assim, mas minha mágoa está mais viva que nunca e vai demorar pra adormecer.

— Gahyeon me convenceu a te dar outra chance – revirou os olhos.

— Você o que? – olhei pra ela com toda a raiva do mundo e senti meu sangue ferver.

— Minho, escuta primeiro – ela pediu.

— Eu não quero chance nenhuma – respondi indignado.

— Deixa o papai falar – ela praticamente gritou e me fez ficar em silêncio – Depois você decide.

Revirei os olhos e o olhei bufando, sei que pareço um adolescente mimado que não tem o que quer, mas na verdade sou apenas um adulto frustrado tentando ter as próprias coisas.

— Se terminar sua faculdade até o final do ano que vem, posso deixa-lo estagiar na empresa e lhe dou uma quantia mensal por enquanto. Se cumprir sua parte do acordo, podemos apagar essa fase da sua vida – puxou um bolo de dinheiro da carteira e mais um malote do bolso – E aceite isso, sei que está precisando.

Eu o olho incrédulo, e mais incrédulo ainda quando olho pra Gahyeon. Não acredito que ela foi capaz de pedir isso a ele, ela sabia que isso significava abrir mão de tudo que conquistei e mesmo assim ela está contribuindo pra que eu volte pra prisão da nossa família, cuja qual eu e ela lutamos tanto pra sair.

— Como teve coragem? – pergunto a ela sentindo meu coração doer um pouco. Esperava isso de todo mundo menos dela, a única pessoa que presenciou tudo que fiz sozinho e que me parabenizou por isso, no final quer me tirar tudo e me fazer voltar a estaca zero.

— Minho, eu... – ela parece triste também – Eu vi as cobrança que chegaram pelo correio, eu vi todas elas.

— E daí? – gritei com raiva – Eu não preciso de ajuda, eu posso arranjar outro emprego, não preciso de dinheiro sujo, Gahyeon!

Meu pai suspirou com raiva e foi guardando o malote de dinheiro no bolso, mas minha irmã tirou da sua mão e estendeu pra mim outra vez.

— Aceite ajuda quando você não tem pra onde fugir – insistiu – Só dessa vez, Minho. Já temos muitos problemas, esse não precisa ser mais um.

Eu não quero, eu desesperadamente não quero e me preparo pra gritar e amaldiçoar cada nota de dinheiro do meu pai, pois aceitar isso significa renunciar tudo que tenho e sou, e escolher voltar pro início e sofrer tudo pela segunda vez.

Mas sinto um aperto no meu braço, e me lembro que Jisung continua ali. Diferente de antes, eu tenho mais alguém do meu lado agora, e eu prometi que cuidaria dele e compraria todas as waffles que ele quisesse, e consertaria seu teclado quantas vezes fosse preciso.

Pensar em não poder dar a Jisung tudo que ele precisa e merece, faz eu pensar por um segundo que aceitar aquele dinheiro vale a pena. Se vamos realmente ficar juntos, não posso suportar a ideia de que ele vai sentir fome outra vez enquanto não se sentir preparado pra trabalhar, e eu estiver tão cheio de dívidas que não vou poder sustenta-lo. Isso dói tanto que faz minha respiração acelerar e meu coração doer, sou capaz de fazer qualquer coisa pra vê-lo feliz, e qualquer coisa pra livra-lo de sentir mais uma dor.

Meu coração dói é por mim, pois sou eu que estou abrindo mão de ser quem sou, e de trilhar meu próprio caminho. Minha vida toda se resumiu em me moldar da forma que meus pais queriam, e de me esforçar pra atingir as expectativas que colocaram em mim, em uma busca incessante por aprovação e afeto. Voltar pra isso não é fácil, mas estou fazendo isso por nós dois, por Jisung, e pelo prazer de lhe dar uma vida feliz também como uma forma de compensa-lo pela dor que eu teria lhe causado caso ele soubesse sobre tudo.

E mais uma vez, por amor, fiz o que foi preciso, e com um suspiro doloroso arranquei o dinheiro da mão de Gahyeon e engoli em seco.

— Só dessa vez – disse a meu pai – Só dessa última vez.

Продовжити читання

Вам також сподобається

44K 6K 13
Minho se pegou apaixonado por Jisung depois de tantos anos de amizade. Obviamente não lhe parecia recíproco e estava cogitando a ideia de deixar seu...
15K 2.8K 12
O que acontece se você se juntar um pseudo egocêntrico apaixonado por um cartunista possuidor de uma delicadeza tão suave quanto uma lixa?
558 73 7
| FIC EM HIATUS | sempre fui bom em escrever histórias mas nunca testei escrever sobre os meus sentimentos e sobre.....a minha vida Mas oque teria a...
84.5K 14.7K 23
onde jisung deixa flores no armário de minho todos os dias LMN + HJS [ concluída ]