- 𝘼𝙉𝙏𝘼𝙍𝙀𝙎; (𝘮𝘪𝘯𝘴𝘶...

De godhannie

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Prólogo | I can't forgive and I can't forget
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De godhannie

Fevereiro de 2008
Gamgnam, Seul.

O vento gelado soprou tão forte que fez sua pele arder, seu corpo todo estremeceu e ele se encolheu contra o muro de uma casa qualquer. O garoto fechou os olhos com força e abraçou o próprio corpo, já podia sentir as pequenas gotas de chuva arrepiarem sua pele. Devia ter colocado um casaco dentro da mochila, mas não achou que passaria tanto tempo ali, afinal, era pra seu pai ter lhe buscado a quase quatro horas atrás.

Lee Minho já não aguentava mais esperar, conforme anoitecia ficava mais frio, e o inverno lhe mataria caso passasse aquela noite fora de casa. Ele batia os dentes e se encolhia contra o concreto gelado, queria tanto ter dinheiro pra pegar um ônibus ou chamar um táxi, mas nem isso tinha. Era irônico pensar que o filho de um dos homens mais ricos da Ásia não tinha nenhum won no bolso, mas não tinha culpa se seus pais não lhe davam nada, e com apenas treze anos ainda não era capaz de conquistar seu próprio dinheiro. Minho não se importaria com isso se seus pais fizessem o necessário por ele, mas eles não se lembravam nem de busca-lo na escola, por que fariam mais que isso?

O carro vermelho parou praticamente no meio da rua, e Minho reconheceu o som do motor. Respirou aliviado e atravessou a avenida vazia, o choque térmico do vento gelado com o ar quente do carro lhe deu uma sensação gostosa, ficou tão aliviado ao se sentir quentinho de novo que até se esqueceu de quem estava do seu lado.

A mulher o olhava com indiferença, como se estivesse olhando para o banco do carro vazio e não tivesse ninguém sentado ali. Minho engoliu em seco e abraçou o próprio corpo, queria saber porque ela tinha demorado tanto, mas não queria ficar mais magoado do que já estava.

— A senhora estava ocupada, mãe? – perguntou receoso – Demorou um pouquinho pra chegar... – Demorou muito, na verdade, mas Minho não queria começar uma briga.

— Não – respondeu – Achei que seu pai tivesse falado pro motorista te buscar, mas ele se esqueceu. Gahyeon chegou da aula de balé perguntando por você, então eu me lembrei.

— Ah... – ele abaixou a cabeça e murmurou triste – Tudo bem, acontece.

— Não, não acontece – a mulher riu com sarcasmo e disparou a falar – Eu não tinha essa obrigação antes de você nascer, tudo era diferente naquela época da minha vida. Ter filhos é um caminho sem volta, Minho, eu e seu pai tínhamos tantos planos, nossa vida teria sido tão boa se você não estivesse aqui, e agora eu tenho que largar meus afazeres pra vir te buscar na escola – ela riu sem humor – Você devia me agradecer.

Minho já estava acostumado a ouvir aquilo, seu coração ainda doía como nas outras vezes que ouviu as mesmas palavras, mas as lágrimas não se formavam em seus olhos mais. Não doía tanto como antes, era uma ferida aberta há muito tempo, e Minho já não tentava mais cura-la ou remedia-la, apenas aprendeu a viver com ela.

— Obrigado, mãe – disse cabisbaixo.

— Sabe, eu não culpo você – disse – Eu culpo seu pai, foi ele que acabou com nosso casamento e com a minha vida naquela época. Ele estava desesperado por um herdeiro, mas não era pra você ter nascido tão cedo, não era pra tudo ter acontecido como aconteceu. Depois disso nós tentamos do jeito certo, e então Gahyeon nasceu, mas ela é uma mulher. Você sabe o que Gangnam pensa de mulheres no comando, não sabe? Ia manchar a reputação da empresa. Minha gravidez dela foi muito arriscada, eu não poderia dar outro filho pro seu pai, então teve que ser você.

O garoto queria colocar as mãos sobre os ouvidos e não escutar mais nenhuma palavra, mas não podia. Todas as vezes que ela ou seu pai diziam coisas dolorosas ele era obrigado a escutar, afinal, Minho não tinha o direito de agir por si próprio, muito menos errar.

Foi educado com extrema rigidez, foi ensinado a mostrar respeito mesmo quando era desrespeitado, e recebia punições quando falhava. Gahyeon também foi criada da mesma maneira, mas diferente dele, Gahyeon ainda podia falhar como um ser humano qualquer. Se Minho deslizasse, ele era tratado mil vezes pior e obrigado a estudar sem dormir ou comer por horas. Mesmo quando queria erguer sua cabeça e revidar com palavras duras, suas mãos ainda repousavam sobre o colo e sua cabeça permanecia abaixada em sinal de respeito e submissão.

— Você estuda nas escolas mais caras, você tem aulas particulares com os melhores professores da Coréia do Sul. Você tem tudo que precisa pra ser o melhor, Minho, aliás, você vai ser o melhor. O futuro da nossa empresa depende de você.

Minho engoliu em seco, mais uma vez a pressão e a responsabilidade lhe causavam náuseas, e só de pensar no que aconteceria caso falhasse, sentia uma dor de cabeça forte e um frio na barriga causado pelo medo.

— Não nos decepcione, Minho, sabe onde você vai parar se não conseguir? – ela aponta para os cortiços na beira da estrada – Em Guryong, é ali que os medíocres vivem. Já pensou em como deve ser dormir em um colchão sujo no chão? – ela ri – Só de pensar me dá arrepios.

Ele olha pra favela através do vidro, vê um garoto magro e pálido esfregando roupas em uma bacia de água no chão. Minho não consegue rir, ele tenta entender como a mulher pode sentir repulsa ou ver humor em uma cena como aquela, quando a única coisa que ele sente é pena. Seu coração aperta e o garoto o olha brevemente até que o carro anda e o deixa pra trás, Minho não consegue se esquecer do olhar triste dele, e pra não ficar ainda mais aborrecido, ele volta a olhar para os prédios de Gangnam.

— É bom que você nos recompense, pra pagar todo o trabalho que você me dá – ela diz em tom de raiva – É bom que você seja o melhor CEO que a Ásia já viu.

— Eu vou ser, mãe – ele concorda mesmo sem ter a certeza – Eu vou ser.

Ela estaciona o carro na garagem da casa de luxo, e Minho desce planejando correr pro banheiro e respirar fundo até que a vontade de chorar desapareça. Quando entra na sala de estar e sai correndo pra dentro da casa, é impedido pela mulher de avental que o recebe em um abraço caloroso.

Minho afunda o rosto no colo quentinho da empregada, e recebe um carinho na cabeça que parece o consolar, como se já soubesse que ele estava triste.

— Está tudo bem, meu menino – ela diz com a voz doce – Vou fazer o cházinho de hortelã que você tanto gosta.

***

Junho de 2017
Vinte e oito dias após o crime.

Algum tempo atrás eu acreditava que o mundo era dividido entre o bem e o mal. Haviam coisas boas e coisas ruins, haviam pessoas boas e pessoas ruins, todas elas eram preenchidas de bondade ou maldade, e nunca os dois juntos. Eu acreditei durante toda a minha vida que pessoas ruins não tinham bondade alguma, e que eu, como uma pessoa boa, não conseguiria ser ruim nem mesmo se tentasse. Agora, nesse exato momento da minha vida, não consigo acreditar mais nisso, pois não consigo encontrar nenhuma parte de mim que ainda seja boa.

Acredito que somos formados pelo bem e o mal, e o que nos define como pessoas boas ou ruins é a parte de nós que prevalece. Devido a parte boa de mim sempre ter sido mais forte, acabei acreditando que minha maldade humana jamais seria maior que minha capacidade de ser bom. Eu errei ao pensar que minhas polaridades jamais se inverteriam, pois agora me sinto muito mais mau do que bom, e já não sei qual dos dois polos me domina.

Talvez tudo seja mentira, talvez ninguém possa ser inteiramente bom ou inteiramente ruim, pois carregamos a mesma quantidade de luz e sombra dentro de nós. É impossível equilibrar nossos dois polos quando somos humanos, falhos, e imperfeitos, iremos cometer erros e acertos constantemente, e isso não vai purificar nossa alma ou condena-la pra sempre. Mas apesar disso, eu não consigo me sentir um humano falho e digno de perdão depois de ter errado tanto como eu errei.

A dualidade do universo e a desigualdade das coisas é dolorosa. Consigo viver com o fato de carregar o bem e o mal dentro de mim, pois é assim que todos os humanos são constituídos, é assim que nossa alma é dividida e regida pelo que momentaneamente nos controla. Entretanto, não consigo viver com o fato de que o mundo é dividido entre luz e sombras, não consigo pensar em me sentir feliz no topo enquanto tanta gente vive debaixo do chão que piso. Passei minha vida toda olhando Guryong de longe enquanto estava no último andar de algum prédio de Gangnam, e ao contrário dos meus pais, nunca me senti superior à aqueles abaixo de mim.

Pensar que Jisung e Chan eram algumas dessas pessoas me arruina por dentro. Enquanto passei minha vida toda comendo comidas caras e passeando em carros de luxo, não muito longe dali um adolescente tentava sobreviver e cuidar do próprio irmão. Eu e Jisung estivemos sempre em lados opostos, eu em Gangnam e ele em Guryong, eu um assassino e ele um refém, eu mau e ele bom. Consigo entender nossas almas serem opostas, pois depois daquela noite eu já sabia que minha bondade não prevaleceria de novo, mas não consigo entender porque o mundo tem uma parte tão ruim, e porque essa parte tratou ele com tanto desprezo. Se a luz de Jisung sempre foi maior que sua parte escura, então por que o mundo lhe recebeu com tantas trevas? Por que pessoas tão boas sofrem, e pessoas como meus pais continuam cada vez mais poderosos e tão cheios de fortunas?

Talvez eu nunca consiga entender, e talvez seja melhor que eu não entenda. Quanto mais aprendo sobre o mundo e as pessoas, mais entendo que o bem e o mal é uma ilusão, e que nenhum equilíbrio é capaz de nos designar bons ou ruins, pois constantemente oscilamos a parte que nos controla. Eu só desejo que meus erros não me dominem e devorem o resquício de bondade que me resta, pois consigo viver com o fato de ser um humano falho e imperfeito, mas não consigo viver com o fato do mundo ser tão desigual e injusto. Eu não conheci Bang Chan, mas tenho a completa certeza que ele não merecia ter vivido o que viveu, muito menos Jisung. Saber o que houve com ele não foi minha melhor escolha, mas sei que foi necessário para que eu pudesse protege-lo de mais uma verdade que ele não merece saber, e uma vida que ele não gostaria de se lembrar.

Bang Chan tinha razão quando disse que ele merecia saber da verdade pra se defender, mas eu posso fazer isso por ele. Jisung tem um vazio em sua mente, e é melhor que continue assim, é melhor que ele nunca descubra e preencha esse vazio com outras memórias. Eu posso saber disso por ele, eu posso protege-lo como Bang Chan queria, eu posso sentir toda a dor em seu lugar. Eu não só posso, como eu lhe devo isso.

Deitado no chão do quarto de Gahyeon, eu abafei meus soluços com a palma da mão e chorei. Chorei como nunca tinha chorado em toda a minha vida, chorei até que meus olhos inchassem e não houvesse mais nenhuma gota de água em meu corpo. Chorei por mim, por Gahyeon, por Jisung e por Bang Chan. Chorei pelo mundo, pela morte, pelos erros, chorei porque precisava chorar, chorei porque sou humano, e como qualquer outro humano, eu erro.

Errei tantas vezes que perdi a conta, errei tentando acertar, errei matando, errei amando, errei tentando consertar erros que já eram irreparáveis. Eu ainda erro todos os dias, e inclusive estou errando nesse exato momento chorando mais do que eu deveria. Eu sou fraco, sou errante, mas bem lá no fundo do meu peito ainda há uma parte de mim que quer desesperadamente acertar. Eu sinto tanto por tudo que fiz, eu sinto tanto que não cabe em meu peito tamanho arrependimento por tudo, e isso me desespera pra acertar pelo menos uma única vez.

Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria feito tudo diferente, teria mudado o percurso de toda a minha vida de modo que agora, eu não estivesse chorando deitado no chão gelado depois de descobrir que quem eu amo nem sequer sabe do quanto já sofreu. Eu mudaria tudo isso, eu salvaria quem precisou da minha ajuda e eu virei as costas, eu faria tudo do jeito certo exceto pela parte em que eu me dou conta que o amo. Eu não mudaria isso, essa é a única coisa boa que aquela noite terrível me trouxe. E se pra poder ama-lo eu tivesse que manter as coisas exatamente como estão, então eu não mudaria nada, eu posso aguentar. Se essa é a única vida que poderei sentir esse amor, farei isso até que nosso tempo acabe, e nossos caminhos voltem a ser opostos outra vez.

***

— Ei – sinto algo tocar minha barriga – Minho? Acorda.

Abro os olhos devagar e vejo Gahyeon me cutucando com seu pé, percebo que já amanheceu e eu ainda estou no chão como na noite anterior.

Meu corpo todo dói e sinto que meu rosto ainda está inchado devido ao choro, esfrego meus olhos e tento me recostar na parede e só então olho pra minha irmã que está em pé na minha frente. Ela desvia o olhar imediatamente e se vira de costas, Gahyeon ainda está como no dia anterior, exausta e estranha, como se estivesse tão perturbada com alguma coisa que acabou se esquecendo que tinha uma vida própria.

Meu coração dói por vê-la assim, e sinto uma pontada de culpa quando me lembro que no dia anterior eu a vi da mesma forma, e a única coisa que fiz por ela foi mandar uma mensagem de texto cuja qual ela ignorou. Eu nunca vi Gahyeon desse jeito, tão quieta e tão cansada, e eu não sei esconder dela que também estou perdido e realmente não sei o que dizer pra lhe consolar. Eu sei que ela me compreende, mas eu não acho que isso é o tipo de coisa que um irmão mais velho deveria fazer. Eu deveria apoia-la e cuidar dela, e ao contrário disso eu estou me afundando junto, me afogando tanto que não consigo nem mais mostrar minha preocupação com ela. Acho que nós nunca mais fomos os mesmos depois de Bang Chan, nem as mesmas pessoas e nem os mesmos irmãos.

— Você está bem? – eu repito a pergunta genérica. É óbvio que ela não está bem, mas Gahyeon é tão boa quanto eu quando precisa isolar seus sentimentos do resto do mundo. Eu quero que ela se abra comigo, mas não quero pressiona-la a fazer isso só porque sou seu irmão, então eu só pergunto se ela está bem na esperança que ela diga a verdade.

Gahyeon balança a cabeça em concordância e assim que pega suas coisas ela sai do quarto, deixando claro que não quer ter uma conversa agora. Eu a entendo, mas não consigo evitar em me preocupar com ela e com o que ela está pensando em fazer, especialmente porque me sinto culpado por estar sendo um péssimo irmão, e até uma péssima pessoa.

Eu a sigo até a cozinha e me sento no balcão enquanto ela prepara seu chá. O silêncio dela me deixa angustiado, eu quero pensar em outra forma de iniciar uma conversa mas já sei que qualquer tentativa será em vão, pois Gahyeon não quer e não vai me dizer nada. Me sinto culpado por isso, eu sei que ela confia em mim pra dizer o que sente, mas quando ela simplesmente não quer fazer isso, é porque talvez ela esteja tentando me proteger.

— Está tudo bem na faculdade? Está se alimentando bem durante a aula? – pergunto novamente, e me sinto tosco quando ela nem levanta os olhos pra responder minha pergunta, e novamente balança a cabeça e permanece quieta.

Quando ela termina e coloca o chá na xícara, meu coração quebra quando a xícara é colocada na minha frente e ela se vira pra lavar a louça. O chá era pra mim, é ela quem está com olheiras roxas, o rosto magro e os olhos tristes, e mesmo assim ela se deu o trabalho de preparar chá pra mim.

Sinto um nó se formar na minha garganta, e me xingo mentalmente quando me lembro que estourei a cota de choro ontem a noite, e se eu chorar mais uma vez serei não só a pessoa mais fraca do mundo, como a mais estúpida também. Encaro o chá de erva-doce e empurro a xícara pro lado sem que ela veja, eu aprecio seu ato mas não consigo colocar nada na boca até que veja que ela também está se alimentando. Me pergunto se era esse o sentimento que Bang Chan sentia todas as vezes que dividia comida com Jisung, a diferença é que essa não é a única xícara de chá que temos, e podemos preparar mais se quisermos. Chan provavelmente não conseguia muita coisa, e o pouco que conseguia preferia acabar com a fome de Jisung do que com a própria. Depois que penso nisso, não consigo beber ou comer nada, meu coração volta a doer como na noite anterior e eu perco a fome.

— Encomenda pra Lee Gahyeon – uma voz masculina me faz pular da cadeira, e em seguida bate três vezes na porta da sala.

Gahyeon me olha com suspeita, e eu me levanto para segui-la até a porta principal até que ela abra com cuidado. Depois do meu acidente, nós dois combinamos que as portas e janelas permaneceriam sempre trancadas, e que só abriríamos para desconhecidos se não estivéssemos sozinhos e julgassemos realmente necessário.

O homem um tanto sorridente lhe entregou uma caixa pequena e saiu desejando bom dia, Gahyeon trancou a porta rapidamente e colocou a caixa sobre a mesa de centro.

Seu olhar é de desconfiança assim como o meu, e ela se aproxima da caixa com cuidado tentando arrancar a fita adesiva dos lados.

— Cuidado – peço e ela acente, seus dedos se mexem devagar quando ela retira toda a fita e abre a embalagem.

Eu já não esperava nada bom, mas isso é pior do que qualquer coisa que pensei que fosse. Puxei o ar com força e olhei pra Gahyeon com os olhos arregalados, e pela primeira vez desde ontem eu vi algo no rosto dela que não fosse seu vazio, o medo que ela sente.

A faca.

A faca que Bang Chan carregava naquela noite e que tentou cravar em Gahyeon, agora estava com a lâmina tão limpa que nem parecia ter sido a arma de um crime.

Nos devolveram outra prova, nos deram outra coisa que se achada em nossas mãos, ia mais uma vez nos colocar como suspeitos. Pensaram em tudo, e mais uma vez avançaram uma casa enquanto a única coisa que fiz foi perder tempo.

— Tem um bilhete – Gahyeon chama minha atenção ao mostrar um papel com letras impressas.

— E o que diz? – pergunto desesperado.

"Ainda não é tarde demais pra que perfure você"

Meu coração acelera com medo, e Gahyeon permanece parada segurando a própria respiração enquanto olha com os olhos arregalados para o papel. Não querem só me matar, querem matar ela também, e nesse ponto da história eu já não acho que isso tenha alguma ligação com Jisung ou Bang Chan. Nós dois somos o alvo, enquanto Jisung não sofreu ameaça alguma eles estão cada vez mais próximos de nos matar. Será que isso tudo não tem nada a ver com a vingança contra a família de Jisung? Ou será que eles só não tentaram lhe matar ainda?

Meu corpo pula de susto quando vejo Gahyeon sair pela porta e correr pra fora da casa, sem levar sua mochila da faculdade ou suas chaves, apenas corre tão rápido que desaparece em questão de segundos.

— Gahyeon, espera! – eu grito antes de me levantar e ir atrás dela deixando tudo pra trás, mas meus pés fincam no chão antes que eu abra a porta quando ouço a voz de Jisung.

— O que houve com ela? – me viro pra vê-lo com seu cabelo bagunçado e os olhos pequenos de sono, e logo em seguida seu olhar cai sobre a caixa em cima da mesa – O que é isso? Uma faca?

A faca está dentro da caixa aberta e Jisung franze o cenho confuso, suas pernas se movem devagar e eu percebo que ele quer chegar mais perto pra pegar nas mãos. Meu coração quase pula do peito e minhas mãos suam, tento chegar perto da caixa sem parecer que estou desesperado e com pressa, mas minhas mãos tremem tanto que não consigo disfarçar meu desespero quando fecho a embalagem de novo e pego nas minhas mãos.

— S-sim – eu gaguejo – Gahyeon comprou pela internet, é só uma faca de cozinha.

— Ah – ele abre a boca e faz um biquinho um pouco desinteressado, e respiro com alívio quando percebo que ele realmente não suspeitou – Entendi.

— Vou guardar isso, já volto – começo a caminhar rápido e quase tropeço no tapete.

Quando entro no meu quarto e tranco a porta, percebo que mal consigo respirar direito pra me recuperar do susto, e corro pra abrir meu armário e procurar um bom lugar pra esconder a caixa. Acabo achando os documentos de Bang Chan que escondi em um fundo falso, coloco dentro da caixa e escondo no fundo do armário. Em breve vou me livrar de tudo isso, só preciso pensar no jeito certo, e por enquanto acredito que esconder seja o suficiente.

Respiro fundo e volto pra cozinha, Jisung está sentado no balcão que divide os dois cômodos enquanto toma a xícara de chá que Gahyeon me deu. Ainda estou preocupado com ela, e antes de falar com Jisung disco seu número e a ligação chama até cair. Eu não sei onde ela foi e agora já não consigo alcança-la, só o que me resta é esperar que ela me atenda ou volte pra casa.

— Você parece preocupado – ele me observa enquanto lavo a louça e ele come algumas torradas – Gahyeon está bem?

— Acho que ela está nervosa com a faculdade – minto – Mais tarde vou tentar falar com ela.

Jisung sorri e me conforta, talvez a única coisa capaz de fazer o medo dissipar do meu coração seja vê-lo já tão lindo logo de manhã. Seus olhos estão cansados e sonolentos, suas bochechas parecem mais gordinhas e acho que ele ganhou peso de um mês pra cá. Se não fosse pela sua simples existência fazer minha vida ser um pouquinho melhor, talvez eu não aguentaria tudo, talvez eu nem estivesse aqui.

— Você é um bom irmão mais velho, sabia? – ele sorri.

— Sou?

— É – ele ri com seus olhos feito dois riquinhos – Você cuida tão bem de Gahyeon, Chan também fazia isso por mim.

Ele ainda parece triste, mas diferente de ontem, mencionar o nome do irmão não lhe fez querer desencadear uma crise de choro, apenas deixou sua expressão triste por alguns segundos até que ele voltasse ao normal. Acho que Jisung está superando, ou melhor, acho que Jisung está finalmente aceitando que Bang Chan de fato se foi.

— E como foi ontem? Conseguiu descobrir alguma coisa? – mudei de assunto pra desviar seu foco nas lembranças de Chan.

— Não muito, quero voltar no restaurante onde ele trabalhava, acho que posso encontrar algum funcionário que era próximo dele.

— Eu te levo lá.

— Sério? – ele deita a cabeça sobre o balcão e me olha com os olhinhos brilhando – Achei que estivesse bravo comigo.

— Bravo com você? – eu ri – Por que eu estaria?

Jisung fez um biquinho triste e olhou pra longe, suas bochechas ficaram vermelhas outra vez.

— Você não dormiu comigo essa noite – diz baixinho – Nem me abraçou...

Não consigo evitar e abro um sorriso enorme, todo o meu coração se esquenta e faz as borboletas no meu estômago começarem a bater as asas e me fazer suspirar. Eu realmente não consigo imaginar como seria minha vida se eu não tivesse conhecido Jisung, e o tempo onde eu me arrependia por ter me aproximado e me apaixonado por ele já se foi, pois agora eu não consigo mais me arrepender por tê-lo aqui, do meu lado. Ele é a coisa mais valiosa que eu tenho agora, e depois de ter visto aquela fita, eu prometi pra mim mesmo e pra Bang Chan que eu protegeria Jisung com a minha vida. Acima de ama-lo e querer que ele faça parte da minha história, eu quero vê-lo bem e feliz, onde quer que ele escolha ficar.

— Eu acabei dormindo no sofá da sala, não vi a noite passar.

Dou a volta e saio da cozinha parando atrás de sua cadeira, me sinto seguro o suficiente pra toca-lo de tal forma sabendo que ele gosta de me ter por perto. Abraço seu corpo e beijo a pele exposta do seu pescoço, ele começa a rir com cócegas e sua pele arrepia contra meus lábios. Os músculos de seu corpo relaxam e ele segura suas mãos nas minhas, tomba a cabeça pra trás e encosta em meu ombro, enquanto eu distribuo selinhos por ele e sinto seu cheiro que já é tão familiar pra mim.

— Hoje eu te abraço assim – aperto ele com mais força – E te beijo assim – dou vários selinhos em sua bochecha e ele ri – Até que você durma. Tá bom pra você?

— Hum – ele me olha rindo e fingindo estar pensativo – Só isso de beijinho?

Eu reviro os olhos em brincadeira e acabo rindo. Normalmente isso não é o tipo de coisa que eu acho fofo, na verdade, quase nada faz meu coração derreter por considerar que aquilo seja fofo, mas no caso de Jisung, meu coração derrete mais vezes do que deveria, então acho que posso considerar que uma de suas qualidades seja mesmo fofura.

Eu lhe dou mais alguns beijos na bochecha até ouvir o som da sua risada, e ele se vira pra mim ainda sorrindo e com seus olhos brilhando feito duas estrelas.

As batidas do meu coração parecem falhar quando ele continua me olhando e sorrindo, seus dentinhos tortos que eu tanto amo estão a mostra e seu sorriso faz seus olhos ficarem tão pequenos que me pergunto se ele ainda pode me ver. Rezo pra que não, pois assim ele nunca vai ver em meus olhos como sou tão perdidamente apaixonado por ele, e é melhor que ele nunca saiba da grandeza do que sinto pois, uma hora ou outra, ele vai desejar nunca ter me conhecido.

— É... Eu, eu vou te levar no restaurante, ok? Vai se trocar e fico te esperando – me perco nas palavras e decido afasta-lo antes que aquele momento se torne tão especial pra ele como foi pra mim.

— Uhum – ele balança a cabeça em afirmação e sorri – Sim, senhor.

Jisung me deixa sozinho na cozinha e entra no banheiro pra tomar um banho. Meu coração volta a ficar apertado de novo e eu disco o número de Gahyeon, mas não tenho sucesso. Respiro fundo e tento acalmar a mim mesmo dizendo que ela provavelmente está na faculdade, mas o desespero continua quando me lembro que ela deixou seus cadernos e seu cartão de estudante.

Antes que eu acabe surtando, faço o mesmo que Jisung e tomo um banho quente na tentativa de me acalmar, e visto outra roupa preta e limpa antes de encontra-lo na sala, vestido com uma das minhas blusas de frio que fica enorme pra ele.

Entro no carro e dirijo até o restaurante onde Bang Chan trabalhava. Jisung liga o rádio e canta minhas músicas durante o percursso, e me obriga a listar todos os meus doces preferidos pra que ele possa discordar de mim e perguntar qual o sabor dos doces que ele nunca comeu. Prometo pra mim mesmo que essa é outra coisa que farei por ele, enquanto Jisung me querer por perto vou comprar todas as comidas que ele nunca comeu, e leva-lo em todos os lugares que ele nunca esteve, nem que pra isso eu precise ser preso por dívidas no banco. Jisung merece recuperar todo o tempo perdido em que ficou trancado se isolando de tudo, ele merece conhecer tudo de bom que há no mundo, e eu ficaria extremamente feliz se eu fosse a pessoa que lhe apresentasse a vida como ela realmente é.

Estaciono alguns quarteirões antes do restaurante e desço do carro, há algumas pessoas que andam pela calçada e percebo como Jisung abaixa a cabeça e encolhe o corpo. Ele costumava se segurar e se esconder atrás de mim, mas agora ele apenas para no meio da calçada e me olha.

— O que foi? Está tudo bem? – pergunto.

Ele se aproxima devagar e seus olhos amedrontados olham pra todas as direções.

— Está – ele diz – Mas eu posso... eu posso segurar sua mão?

Sinto meu peito aquecer de novo e como resposta pego sua mão. Entrelaço meus dedos nos dele devagar e ele observa como sua mão pequena se encaixa na minha, e seu corpo relaxa quando ele se sente seguro com meu toque.

— Melhor? – eu trago nossas mãos pra perto e beijo a sua.

Jisung respira rápido e pisca os olhos nervoso, ele acente freneticamente e eu percebo que meu gesto lhe surpreendeu e o deixou desconcertado.

Começamos a andar pela rua movimentada, e reparo em como ele consegue caminhar mais confortável agora. Antes, além de se esconder atrás de mim, Jisung também desviava das pessoas de forma exagerada, mas agora ele consegue desviar brevemente e sem se encolher contra mim na intenção de se proteger.

Meu coração se enche de orgulho dele, e antes que eu suspire feito um bobo, Jisung começa a apontar para todas as vitrines das lojas e fazer elogios e perguntas sobre as coisas e os produtos. Durante todo o caminho eu me dedico a responder tudo atenciosamente, e fico sorrindo ao vê-lo tão maravilhado com tudo que vê e conhece.

— Olha – ele aponta pra vitrine de uma doceria – O que é aquilo? Bolo?

Vejo que Jisung está encarando um pedaço de torta de banana. Todas as coisas que ele apontou até agora eu conseguiria comprar se fosse o filho que meus pais queriam, mas como não sou, a única coisa que posso dar a ele é outro doce que ele tanto gosta.

— É torta de banana – respondo – Vem, vou comprar pra você.

Ele sorri animado e caminhamos até a doceria. O lugar é pequeno porém luxuoso, consigo reconhecer os lustres e sei que seu valor é alto pois havia um indêntico na casa que morei com meus pais. Percebo que Jisung se sente um pouco desconfortável quando passamos por uma mesa com alguns executivos, mas eu aperto mais forte a sua mão e o guio até a mesa.

Depois que nos sentamos vejo que ele ainda continua um pouco desconfortável, e a garçonete logo aparece perguntando o que desejamos. Pego meu celular pra checar se Gahyeon retornou minhas ligações e não vejo nada, ainda estou tão preocupado que acabo mandando mais mensagens que se juntam com as antigas que ela também não respondeu.

Minho [02/06 09:24]
tá tudo bem?

Minho [03/06 08:03]
pra onde você foi?

Minho [03/06 09:24]
cadê você?????

Minho [03/06 12:57]
me responde por favor

Minho [03/06 12:58]
gahyeon?

Fico tão distraído enquanto encaro o visto da mensagem não entregue que me esqueço que deixei Jisung sozinho com a garçonete, e fico boquiaberto quando vejo que ele está fazendo o pedido sem minha ajuda.

— Eu... Eu quero um pedaço daquela torta de banana lá da frente, por favor. É... eu acho que é só isso, eu não sei, acho que sim. O-obrigada.

— Algo pra beber?

— N-não – ele tosse – É só isso, eu acho. Obrigada mesmo.

A mulher sorri e agradece antes de sair, e Jisung está tão abalado que parece que viu um fantasma. Suas bochechas estão coradas e ele seca as mãos suadas no jeans, seus olhos continuam arregalados, ele tenta acalmar a respiração mas explode em uma risada quando me olha.

Estou sorrindo feito um bobo. O orgulho que sinto dele transborda pelo meu coração, e não posso me sentir mais feliz e apaixonado do que já estou. Eu o olho com tanta devoção e amor que o faz achar graça, mas meu orgulho não cabe dentro do peito, e eu nem tento disfarçar minha reação.

— Você conseguiu – eu pego sua mão sobre a mesa e lhe faço um carinho que faz suas bochechas ficarem mais coradas.

— O-o que?

— Você fez um pedido – digo – Sozinho.

— Não é bem assim – ele olha pra baixo – Você já me ensinou e me ajudou algumas vezes, por isso eu consegui.

— Não – falo com convicção – Toda melhora e progresso é fruto do seu esforço, Jisung. Você está lutando muito e é por isso que está cada vez melhor – sorrio e faço outro carinho singelo – Eu estou orgulhoso.

Ele sorri e encolhe os ombros, seus olhos brilham outra vez e fazem meu coração disparar. Me sinto tão feliz por estar acompanhando sua melhora, mas uma parte de mim também queria que seu irmão visse como ele está crescendo e progredindo.

— Obrigada, Hyung – ele sorri.

O prato com um pedaço da torta de banana é colocado em sua frente, Jisung tenta me oferecer mas eu imediatamente nego pois estou ansioso pra vê-lo experimentar.

Ele arregala os olhos quando coloca na boca e depois mastiga de olhos fechados, eu acabo segurando a risada quando ele suja seus lábios de chantilly e nem percebe quando o limpo com meu polegar, pois está totalmente envolvido em degustar o sabor da torta. Jisung começa a listar mil elogios e eu aprecio a forma como um simples doce é capaz de deixa-lo tão feliz.

— É tããão gostoso – ele coloca o garfo vazio na boca – Chan ia adorar isso.

— Jisung – chamo com um pouco de medo – E seus pais?

Eu preciso perguntar, meu corpo todo treme com medo da resposta, mas eu preciso saber o que ele sabe pra que eu não corra o risco de sem querer ajuda-lo a se lembrar.

— Channie Hyung disse que eles morreram em um acidente de ônibus quando eu era criança – respondeu – Eu me lembro um pouco deles.

— Vocês se davam bem?

— Acho que sim, nós passamos pouco tempo juntos. Depois que eles se foram o Hyung e eu tivemos uma fase difícil, nós dois éramos menores de idade e ele dizia que se a polícia nos encontrasse seríamos separados e levados pra um orfanato. Vivemos escondidos até que ele completasse vinte anos, mas mesmo depois disso eu não podia sair, Channie dizia que aqui fora era perigoso.

Jisung respondeu tão naturalmente que me fez perceber que ele jamais questionou as decisões de Chan, muito menos se sentiu mal por ficar trancado a vida toda. Acho que Jisung nem sequer sentia vontade de sair, e além do mais, sua confiança em Chan era tão cega que ele sempre acreditou que o irmão fazia o que era melhor pra ele.

— Último pedaço é seu – ele aproxima o garfo da minha boca.

— Pode comer – eu nego com educação.

— Não, tem que dividir, aprendi com meu irmão – ele insiste – Se você não comer pelo menos esse pedacinho, eu vou ficar muito, muito triste.

Depois que ele força cara de choro e faz meu coração ficar fraco, eu acabo cedendo e comendo o último pedaço e arrancando um sorriso satisfeito e animado dele.

Entrelaço meus dedos nos de Jisung de novo e vou até o caixa, pego meu cartão do bolso, entrego pra atendente e vejo como Jisung olha curioso quando ela coloca o cartão na máquina, e não consigo evitar sorrir com seu jeitinho curioso.

— Cartão recusado, senhor – a mulher diz alto e com certa arrogância – Caso o pagamento não seja efetuado agora, terei que acionar a polícia. Não sei como nosso segurança lhe deixou entrar, esse estabelecimento é apenas pra pessoas que realmente tenham como pagar por uma boa refeição.

— Ei, pega leve – um garçom lhe da uma cotovelada.

— Já é o terceiro essa semana – ela responde e olha Jisung de cima a baixo – Acho que os ladrõezinhos de Guryong estão a solta.

Jisung aperta minha mão mais forte e da um passo pra trás, e eu seguro sua mão com mais força com medo que as palavras da mulher o façam sair correndo.

Sinto todos os olhares dos clientes em mim, e minhas mãos tremem quando retiro o outro cartão da carteira e a atendente pega com desprezo. Esse é o cartão que meus pais me deram pra gastar em todos os materiais da faculdade, mas desde que decidi me livrar do dinheiro sujo deles, eu nunca mais usei.

O suor escorre pela minha testa e eu nem consigo levantar a cabeça pra olhar a tela da máquina, pois meu coração se aperta e eu me sinto desesperado pra sair de lá o mais rápido possível, antes que Jisung fique triste com a situação.

Eu não sei o que aconteceu, minha vida financeira decaiu de uma hora pra outra e eu sinto que quando meus pais descubrirem isso, eu vou ser castigado de alguma forma.

Quando a máquina aprova o pagamento escuto a atendente rir baixinho, e sem esperar mais nenhum segundo eu retiro o cartão e saio o mais rápido possível de lá.

Enquanto seguro a mão de Jisung e caminho rápido pela calçada, tento não olhar pra trás pra não vê-lo triste e procuro agir como se nada tivesse acontecido, mas ele para de andar e me obriga a olhar pra trás.

— Hyung...– sua voz é baixa e seu rosto está tão triste – Aquilo que ela disse era sobre mim, não era? Eu morava em Guryong.

Inferno, ele percebeu. Eu torci pra que Jisung não entendesse sobre meu cartão ser recusado, ou que ele pensasse que as provocações da mulher eram direcionadas somente a mim e não a ele, mas eu me esqueço que ele é muito mais inteligente e perceptivo do que quem nunca viveu isolado do mundo por anos.

— As pessoas não gostam de mim por que não tenho dinheiro?

Meu coração se quebra. Eu não posso concordar com isso, não posso dizer a verdade e contar a ele que o mundo é um lugar injusto, desigual e cruel. Jisung está aprendendo a viver agora, tudo que ele está conhecendo parece legal e diferente, e eu não quero que ele conheça a parte ruim do mundo tão cedo. Ele vai descobrir uma hora ou outra que as pessoas podem machuca-lo, e provavelmente eu mesmo vou lhe mostrar isso, mas por agora, eu não quero que Jisung lide com esse tipo de sofrimento, eu só quero que ele seja feliz e compense todo o tempo que sofreu.

— Não, não é isso – eu seguro seu rosto entre as mãos – Não tem nada de errado em morar em Guryong ou não ter muito dinheiro, isso é normal. Está tudo bem.

— Então por que ela disse aquilo? – seus olhos brilharam em lágrimas que se formavam e eu engoli em seco quando meu coração doeu.

— Não importa, meu bem – lhe dou um beijo na testa – Esqueça isso, você pode esquecer isso por mim?

Jisung pisca os olhos rapidamente tentando fazer as lágrimas desaparecerem, e balança a cabeça em concordância.

— Acho que consigo – ele tenta sorrir.

Lhe dou um selinho rápido nos lábios e sorrio tentando o animar, e seus olhinhos voltam a brilhar instantaneamente.

— Bom menino – aperto seu narizinho e o faço rir – Vem, vamos pro restaurante.

Volto a pegar a mão de Jisung e respiro fundo tentando esquecer isso por ele também. Adentramos o estabelecimento a algumas quadras de distância, e quando nos aproximamos do balcão eu encorajo Jisung com o olhar e lhe dou um sorriso de conforto.

— Em que posso ajuda-lo?

— É... Bom – ele diz nervoso e eu acaricio sua mão – Eu, eu sou Han Jisung, irmão de Bang Chan, ele trabalhava aqui há um tempo atrás – ele pausa pra respirar fundo – Eu gostaria de falar com qualquer funcionário que tenha trabalhado com ele, por favor. Só quero conversar rapidamente.

O homem escuta atentamente mas sua reação nao é muito boa, eu já imaginei que provavelmente iam negar o pedido de Jisung, mas eu quis que ele tentasse.

— Todos os funcionários mais próximos já prestaram depoimento a polícia, e além do mais, a equipe toda foi trocada depois do que aconteceu. O investigador responsável nos pediu pra não dar mais nenhuma informação pra ninguém, sinto muito.

— Mas eu sou irmão dele – insistiu – Meu nome é Han Jisung.

— Me desculpe, senhor. Fomos orientados a tratar sobre esse assunto apenas com a polícia – o funcionário se curva brevemente antes de ir atender alguém.

Vejo que Jisung está um pouco decepcionado, e acaricio suas costas tentando conforta-lo. Changbin obviamente já escutou todos os funcionários que conheciam Bang Chan, e até onde eu sei, é normal que ele peça sigilo das informações, mas não consigo entender porque o dono do restaurante mudou toda a equipe dos funcionários. Parece estranho demais.

— Jisung? – alguém diz – Han Jisung?

Me viro pro lado e vejo um garoto alto e de orelhas grandes, vestido com um casaco preto elegante e olhando pra ele com os olhos arregalados.

— Sicheng? – Jisung fica boquiaberto.

O homem sorri imensamente e parece desacreditado, seus olhos percorrem Jisung de cima a baixo como se ainda duvidasse que ele seja real.

— É tão bom te ver depois de tanto tempo – diz sorridente – Você parece tão crescido agora, tão bonito.

— Obrigada – ele sorri envergonhado – Você também parece muito bem.

— Como tem passado? – Sicheng repousa a mão sobre o ombro de Jisung e ele não se sente incomodado.

— Bem, na medida do possível – ele tenta sorrir.

— Eu soube de Bang Chan pelo noticiário – seu sorriso desaparece – Eu sinto muito, eu realmente demorei pra acreditar no que tinha acontecido com ele. Senti muito a falta de vocês dois.

— Eu também estou tentando acreditar, ainda sinto que ele vai voltar a qualquer momento – diz com os olhos tristes e depois olha pra mim com um sorriso pequeno – Mas Minho tem me ajudado muito.

— Minho? – ele finalmente se vira pra mim com um sorriso simpático e se curva ao me cumprimentar – Sou Dong Sicheng, é um prazer conhece-lo.

— Igualmente – eu respondo com um sorriso e me curvo em resposta.

Sicheng volta a olhar pra Jisung e suspira fundo, se esforçando pra oferecer seu melhor sorriso de conforto em respeito a dor de Jisung.

— É muito bom reencontra-lo, Sung. Se precisar de qualquer coisa, não hesite em me procurar. Almoço aqui quase sempre, seria legal se me fizesse companhia um dia, temos muito o que conversar depois de tanto tempo.

— Obrigada, Cheng – Jisung sorri, e eu arregalo os olhos quando Sicheng o abraça brevemente e Jisung não demonstra nenhum desconforto.

— Espero te ver outras vezes, Minho. Cuide bem de Jisung – ele se curva pra se despedir de mim.

— Eu cuidarei – lhe dou um sorriso fraco e volto a pegar a mão de Jisung para irmos embora.

Não consigo entender. Durante todo esse tempo acreditei que Jisung tinha vivido sozinho com Bang Chan, e agora alguém aparece e demonstra ter tanta intimidade com Jisung que quase parece um membro da família.

Eu jamais quero que ele se sinta desconfortável perto dos outros, mas a maneira que ele abraçou Sicheng como se fosse um ato rotineiro me deixou intrigado, e se arrisco dizer, me incomodou um pouco.

Não quero julgar Sicheng pois, aparentemente, ele parece ter uma boa índole. Não quero afastar Jisung das pessoas e nem quero que ele seja só meu, mas as palavras de Bang Chan na fita ecoam na minha cabeça e fazem minha preocupação ser excessiva. Não acho que esse seja o melhor momento pra que ele se aproxime de outro alguém, mas ao mesmo tempo, sei que é hipócrita da minha parte pensar que sou a melhor pessoa pra estar ao lado de Jisung agora. Talvez Sicheng seja, mas não quero tomar posição enquanto nem sei quem ele é, e quanto mais penso nisso sinto que minha cabeça vai explodir.

— Quem é ele? – pergunto quando entramos no carro. Sei que não é da minha conta, mas agora que vou protege-lo, preciso saber quem é as pessoas que ele quer manter por perto.

— Um amigo de infância. O pai de Sicheng era dono da livraria que eu e Channie morávamos no porão.

É uma boa explicação, mas não é o suficiente pra tirar minha carranca. Eu não quero ser abusivo com Jisung, não quero afasta-lo das coisas boas, mas me sinto tão preocupado e amedrontado que não faço ideia do que fazer e em quem confiar. Talvez eu devesse esquecer isso por hoje, afinal, minha preocupação com Gahyeon somou a tudo e sinto que esse é o máximo que posso aguentar por um dia.

— O que foi, Hyung?

— Nada – respiro fundo e ligo o carro.

Jisung percebe que não quero conversar, e cantarola baixinho as músicas durante o caminho de volta pra casa, sem tentar iniciar uma conversa comigo.

Preciso de notícias de Gahyeon, se eu tiver pelo menos isso posso aguentar todo o resto, mas enquanto o tempo passa e eu não sei seu paradeiro, me sinto incapaz de lidar com qualquer outro problema.

Ao chegar em casa, ligo na faculdade e pergunto se ela compareceu a aula, mas a resposta negativa não me surpreende. Disco seu número de novo, pela última vez, e me assusto quando vejo o celular vibrando em cima da mesa de jantar.

Ela esqueceu em casa, é por isso que não me atendeu ou respondeu nenhuma das minhas mensagens. Sinto meu coração apertado quando pego o aparelho nas mãos, uma sensação estranha invade meu peito e faz minha cabeça doer. Seria um pressentimento ruim? Ou estou tão louco e tão cheio de coisas guardadas que estou prestes a explodir?

O ecrã acende com uma chamada desconhecida, e dessa vez não me sinto assustado, na verdade, eu estava esperando por isso.

— Cadê ela? – respiro ofegante enquanto falo com grosseria – Cadê a minha irmã?

Do outro lado da linha, o silêncio permanece mesmo quando falo com tanta raiva, e automaticamente minha mão alcança o pote laranja de comprimidos dentro do meu bolso, como se esse fosse meu único refúgio.

— Se algo acontecer com ela, eu...

A ligação cai, e então eu entendo que isso provavelmente é um aviso, mas eu não vou ficar sentado esperando.

Se Gahyeon não aparecer até amanhã de manhã, eu não tenho outra escolha, pra salvar a vida de quem amo terei que fazer o que querem que eu faça, por mais doloroso que seja.

Me entregar.

***

Oi amores, o que vocês estão achando do tamanho dos capítulos? Muito grande e cansativo? Me falem pra que eu possa melhorar isso pra vocês :(

O que estão achando da fanfic? Tem alguma teoria ou suspeito? Conta pra mim!

Recadinhos de sempre:
Preencham o formulário de interesse no livro físico de Antares! (link está na minha bio)

Usem a hashtag #AlémDeAntares no Twitter.

E o mais importante, hidratem-se, alimentem-se e até semana que vem!

Beijo da autora

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