- 𝘼𝙉𝙏𝘼𝙍𝙀𝙎; (𝘮𝘪𝘯𝘴𝘶...

By godhannie

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AVISOS
Prólogo | I can't forgive and I can't forget
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AGRADECIMENTOS + LIVRO FÍSICO
PRÉ-VENDA ABERTA!!!!!!!

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By godhannie

É estranho a forma como os seres humanos se adaptam ao que os corrói, ao invés de se livrar do que os machuca.

Há quase duas semanas atrás fui envenenado pela minha própria aura negra, sufocado pela minha metade ruim, incriminado pelas minhas próprias mãos. Há quase duas semanas atrás, meu corpo se tornou uma carcaça de parasitas chamados pânico, desespero, medo, e até mesmo um tipo diferente de amor que me machuca. Eu poderia me livrar disso, mas não está no meu alcance, então eu simplesmente me acostumei.

Depois de me sentir a deriva tantas vezes, as sensações se enraizaram e se tornaram parte de mim. O medo que me assustava e o pânico que me desesperava se tornaram apenas sentimentos comuns, como qualquer outro. O que antes me dilacerava por dentro, de uma hora pra outra se tornou algo rotineiro, e agora quando as mãos do medo me sufocam, eu ainda consigo respirar.

Me pego pensando se somente me adaptei ao que me machucava, ou se fui completamente sugado pela dor e deixei de existir. Tento reecontrar qualquer pedaço de mim que ainda exista, mas nem sempre encontro, e nem sempre me lembro de quem sou.

A sensação era familiar agora, o desespero já não me torturava tanto. Antes eu tentei lutar, tentei fazer o mundo parar pra que eu conseguisse respirar, mas o tempo simplesmente não para. Ninguém esperou por mim.

Então, eu me perdi dentro da confusão de sentimentos até que se tornassem vagos, quase que indolores ou inexistentes. Fui empurrado em um precipício tantas vezes que a queda não me assusta como antes, pelo contrário, cair parece tão normal feito voar. Esse é o problema. Não sei a diferença de estar caindo ou voando, não sei a diferença do bom ou ruim, estou completamente fora de controle e isso nem sequer me assusta.

— Diz pra ele – sussurra em meu ouvido e me faz voltar pro mundo real. Olho quem está na minha frente e não sinto tanto medo agora.

Changbin espera que eu faça algo e seu olhar me fuzila de novo, diferente da última vez que nos vimos onde ele me olhou com pena. Jisung está sentado do meu lado, ainda em estado de choque, esperando que eu mais uma vez fale por ele.

Estou na toca do lobo, sinto que a qualquer momento posso ser devorado quando descobrirem que quem finjo procurar sou eu. Escolho fingir pra não levantar suspeitas, mas sinto que estou fazendo exatamente o que querem que eu faça, e a qualquer momento quem está vindo por mim vai chegar.

— Encontramos um bilhete na cabana onde Bang Chan morreu – coloquei o papel sobre a mesa com as mãos trêmulas.

Changbin olhou confuso, e Changkyun também não parecia satisfeito. O investigador pegou o bilhete nas mãos, e assim que leu a frase vi seu maxilar travar.

— Vocês estiveram lá? Quem te disse onde era?

Engoli em seco, não esperava por essa pergunta. Não podia envolver Hyunjin, mas não conseguia pensar em mais nada.

— É direito dele, senhor – disse Changkyun – Familiares podem ter acesso a essa informação, e qualquer funcionário da delegacia pode dizer.

— Eu sei – bufou – Mas não deviam ter ido lá sem me comunicarem, podiam ter encontrado algo mais perigoso que um bilhete, entende?

— Sim, claro – respirei aliviado.

Changbin olhou para o papel, não parecia tão assustado como nós quando o encontramos. Talvez estivesse se acostumado com seu trabalho assim como me acostumei com minha culpa.

— Isso é estranho, a perícia não achou nada na cabana.

— Jisung acha que colocaram depois porque sabiam que iríamos pra lá – expliquei – Ele acha que o suicídio era falso e que Bang Chan foi assassinado.

A última palavra me causou um leve arrepio, e Changbin franziu o cenho e girou a caneta nos dedos, era um hábito seu quando estava pensando.

Jisung continuou de cabeça baixa, suas mãos tremiam em seu colo e ele não olhava para Changbin. Dessa vez seu trauma não estava sendo superado pelo desespero, Jisung estava triste, e a tristeza não era capaz de deixa-lo superar nada.

— Tem certeza que esse bilhete não era dele, Jisung?

O garoto acentiu imediatamente, e apertou suas mãos uma na outra. Ele costumava segurar a minha, mas não consigo entender porque ele não quer agora.

— Bom, isso não quer dizer muita coisa, pode ter sido apenas uma brincadeira de mau gosto e não necessariamente significa que tenha outra pessoa envolvida. Jisung, se você notou que seu irmão teve algum comportamento estranho e depressivo antes de morrer, você precisa me falar.

Ele balançou a cabeça em negação, parecia mais nervoso e irritado do que antes.

— Ele tem certeza que não, senhor. Achamos que o suicídio tenha sido forjado.

Changbin respirou fundo, sua expressão não desdenhava do que eu dizia, mas também não acreditava. Ele pensou por alguns segundos e trocou um olhar com Changkyun antes de me responder.

— Não acredito nessa possibilidade ainda, e só o bilhete não é uma prova válida pra abrir uma nova investigação, mas mesmo assim vou comunicar o Delegado Yukhei sobre isso, e se ele ver necessidade de reabrir o caso, eu entro em contato com vocês.

Mais uma vez havia escapado, mas isso já não me causa alívio nenhum. Sinto como se estivesse apenas adiando uma punição, mas tenho a completa certeza de que já não posso me livrar dela mais.

— Tudo bem – acenti. Olhei brevemente pra Jisung ainda cabisbaixo, e ele tentava puxar o ar pra dizer alguma coisa.

— Quando eu... – sua voz falhou pelo nervosismo – Quando vou poder enterrar meu irmão?

Dessa vez eu realmente senti, a pontada em meu coração era real todas as vezes que ele falava de Bang Chan. Assim como pra ele nunca ia parar de doer, a culpa também nunca ia me deixar sentir bem de novo.

— O resultado da perícia do corpo sai em alguns dias, isso nos dirá se o caso prosseguirá ou não – disse – Quanto ao corpo, ele já foi liberado do IML. Você já tem o direito de realizar uma cerimônia de despedida.

Eu já tinha contratado a funerária, mas não tive coragem de dizer a ele. Jisung ainda estava vivendo o luto e não merecia se preocupar com o funeral, ainda mais quando ele se culparia por não ter dinheiro pra pagar o enterro do próprio irmão.

Também não tenho muito, e talvez fique um tempo sem poder comprar outras coisas, mas é uma questão de honra. Eu fiz o estrago, eu devo isso a ele, e saber que ele terá uma despedida digna faz uma parcela quase inexistente de mim se sentir menos culpado.

— Eu já cuidei disso, Jisung – sussurrei.

Changbin se levantou, sendo seguido por Changkyun que levava alguns papéis em sua mão.

— Se a perícia encontrar algo, quero falar diretamente com você, Jisung. Sei que é difícil, mas vamos nos esforçar pra que se sinta confortável.

Eu já esperava por isso, e acho que demorou tempo demais. Ainda sou só um amigo de Jisung, todas as informações deveriam ser passadas pra ele, não pra mim. Changbin até que foi gentil por muito tempo.

— Vamos? – chamei Jisung ao me levantar e esperar que ele fizesse o mesmo.

Seguimos Changbin pra fora da sala, apoiei uma das minhas mãos nas costas de Jisung, mesmo que depois do beijo nossos toques tivessem diminuído, eu não queria quebrar a proximidade que criamos um com o outro.

Lhe guiei até o carro, ele entrou em silêncio, dessa vez colocando o cinto de segurança sozinho. Senti meu coração doer, não conseguia imaginar como era a dor de perder alguém, mas penso que doa em dobro quando alguém lhe tira de propósito quem você ama.

Consigo ver que Jisung está destruído por tê-lo perdido, mas uma parte dele também quer se manter forte pra descobrir o que aconteceu. É por isso que seus olhos estão tão perdidos e seu corpo tão quieto, ele está tentando se controlar, está tentando fingir que tudo  está bem quando está desmoronando em segredo.

— Confie nele – tento tranquiliza-lo, porque mesmo que estejamos em uma guerra invisível um contra o outro, eu já não quero mais ganhar – Changbin é bom no que faz, ele vai resolver isso.

Jisung não diz nada, e eu também prefiro ficar em silêncio. Dirijo de volta pra casa, um pouco apático e anestesiado, sem conseguir me preocupar com muita coisa já que estou começando a me sentir morto por dentro.

Sei que preciso melhorar, sei que preciso me sentir bem se quiser continuar nessa guerra ou até mesmo proteger Jisung, mas estou de mãos atadas. Cada segundo que passa me sinto mais distante de tudo, a confusão é tão grande que não posso pensar no que fazer, então me rendo. Me rendo ao cansaço, a mágoa, e a confusão, e espero que um dia volte a sentir alguma coisa e deixe de ser um corpo vago.

Balancei a cabeça em negação, precisava afastar a nova onda que tentava me afogar, então decidi tomar um banho. Encontrei a porta do meu quarto aberta no corredor, e vi Jisung sentado na ponta da cama quando entrei pra pegar uma toalha antes de ir pro banheiro. Estava quieto enquanto olhava pra baixo, suas mãos descansavam em seu colo e seus olhos não tinham brilho nenhum. Ele não voltaria a dizer nada tão cedo, ou pelo menos foi isso que eu pensei.

— Precisamos conversar sobre o que aconteceu – disse sem olhar nos meus olhos.

— Não se preocupe com isso, a policia já está cuidando de tudo – respondi.

— Não é sobre isso – Jisung se esforçou ao máximo para que seus olhos encontrassem os meus – É sobre o que aconteceu entre nós dois.

Senti meu coração parar e engoli em seco. Com tantos acontecimentos em tão pouco tempo, achei que Jisung tinha esquecido disso, mas ele só estava esperando o momento certo pra falar.

Senti minhas mãos suarem frio, e senti que fosse me desestabilizar se fosse levado pela emoção. Aquilo foi um erro, não podia acontecer outra vez, e é por isso que Jisung precisa acreditar que não significou nada pra mim.

— Não temos o que conversar – respondi enquanto arrumava uma roupa no cabide, tentando fazer aquela conversa terminar o mais rápido possível – Você estava descontrolado e acabou sendo impulsivo. Eu entendo, eu aceito suas desculpas.

Pelo canto dos olhos vi que Jisung franziu o cenho confuso, virou seu corpo pra me olhar e seus olhos continuavam tristes e perdidos. Eu me virei pro lado, não conseguia olha-lo, não quando estava prestes a afasta-lo contra a minha vontade.

— Não estou pedindo desculpas, não é como se você não tivesse me beijado também.

Seus olhos começaram a brilhar com pequenas lágrimas, e eu senti uma fincada em meu coração. Acabei rindo fraco, como se isso fosse tão irrelevante que até parecia engraçado, mas dentro de mim tudo pegava fogo, e por um segundo eu voltei a sentir a dor me machucar como já não sentia a algum tempo.

— Isso não tem grande significado pra mim – tentei sorrir para conforta-lo – Se teve pra você, me desculpa. Foi um erro, não vai acontecer outra vez.

Ele arregalou os olhos em choque, respirou ofegante e em segundos se colocou de pé em minha frente, me encurralando na parede e me obrigando a olha-lo mesmo quando meu coração gritava por socorro.

— Minho, não minta pra mim! – as lágrimas escorreram pelas suas bochechas – Você me beijou, você queria me beijar.

Em outras circunstâncias, eu diria que sim, e que inclusive eu queria beija-lo nesse momento e em todos os outros que estavam por vir. Nunca me privei das minhas vontades, nunca fugi das minhas paixões e certamente não fugiria da maior delas. Mas não deve ser assim, não é certo, é como tortura-lo cruelmente. Jisung é a pessoa certa no momento errado e na circunstância errada, e talvez por isso nunca daríamos certo. É culpa minha, é como uma maldição por ter destruído tudo desde o começo, e se ainda há uma pequena parte boa dentro de mim, eu não o machucaria outra vez.

— Sim, eu queria, Jisung – senti meu coração disparar pela culpa – Mas não faça tanto alarde com isso, é só um beijo. Acontece as vezes, é normal.

— Não! – ele gritou. Seus olhos já estavam vermelhos pelo choro e seu grito fez meu coração despedaçar – Não acontece as vezes, não comigo! Você sabe que eu odeio que me toquem, você sabia que eu nunca tinha beijado alguém antes e você me beijou!

Sua respiração estava ofegante, suas mãos secaram seu rosto e seus lábios tremiam. Não conseguia olhar pra ele, sentia que estava estragando tudo, mas a culpa ainda era menor do que se eu tivesse lhe beijado de novo agora. Ele não entende, ele não vai entender enquanto não souber a verdade, mas se soubesse, ele saberia porque ama-lo pra mim significa destrui-lo.

— Isso foi a pior coisa que fizeram comigo, Minho – se sentou na cama desesperado e colocou o rosto entre as mãos. Podia ouvir meu coração se quebrar, e a última coisa boa que me restava foi destruída também.

Eu o queria tanto, mas não podia dizer. Se o que sinto em meu coração é realmente amor, e se meu sentimento é forte e verdadeiro, eu vou me afastar dele. Por mais que doa, por mais que eu queira toca-lo e beija-lo como se fosse a coisa mais valiosa do mundo todo, eu não posso. Estou morrendo por dentro, mas vou me recuperar, afinal, é o certo a se fazer. Amor não machuca. Amor não destrói.

— Eu errei, eu sinto muito. Não vai acontecer de novo – pisquei os olhos rapidamente pra não chorar.

— Nao vai mesmo, porque eu vou embora daqui – se levantou rápido e foi em direção a porta. Em reflexo, eu corri até ele e segurei seu braço, lembrando segundos depois que eu não devia ter feito isso.

— Para Jisung! Não entenda tudo errado, eu já disse que gosto de você, você se tornou meu amigo e eu estou fazendo tudo pra te ajudar. Esqueça essa história.

A raiva em seus olhos se dissipou, e novas lágrimas se formaram quando ele olhou pro meu aperto. Sua mão retirou a minha, mas no segundo que seus dedos pequenos seguraram os meus, ele apertou forte, como se não quisesse soltar. Eu segurei sua mão de volta, o simples aperto dele fez meu coração doer tanto que não pude mais esconder. Queria segurar sua mão, mas tinha que soltar, Jisung precisava me deixar ir mas seu aperto ficava mais forte. Quando ele soluçou, eu soltei de uma vez, e senti como se esse fosse nosso ponto final.

— Eu devia ter afastado você desde o começo, como faço com todo mundo. Não ia doer tanto agora – chorou sofrido. Minha primeira lágrima finalmente desceu pelo meu rosto, me fazendo perder o controle de tudo – Nunca ninguém me magoou assim.

Me senti em desespero, eu só precisava afasta-lo, mas fiz isso da pior maneira possível. Eu o fiz sentir culpado, eu o beijei e o toquei como ninguém nunca fez, e depois lhe tratei como um nada. Ele tinha razão em ficar magoado, mas não doía tanto nele como doía em mim. Eu queria que ele entendesse, queria que por uma fração de segundos ele tivesse um pensamento que lhe fizesse entender que em nosso caso, o amor não é o suficiente pra nos unir, e nunca vai ser.

— Jisung, me perdoa, por favor – dei um passo a frente desesperado mas não lhe toquei – Vamos esquecer isso, eu posso me afastar de novo se você se sentir mais confortável.

Ele limpou as lágrimas do rosto e respirou fundo, tentando se recuperar pra não chorar de novo.

— Eu me afasto sozinho.

— Pare com isso. Fica aqui, você está nervoso agora – praticamente implorei. Não queria mais que ele ficasse como uma forma de me livrar da sentença, queria que ele ficasse porque o amo, e isso dói.

Jisung fechou os olhos e recuperou o ritmo da sua respiração, por mais que quisesse ir embora, acho que tirou um tempo pra pensar na escolha certa. Ele não queria ficar por mim ou por ele, pois fazer justiça por Bang Chan era a coisa mais importante pra ele agora, e por isso precisava da minha ajuda. Eu não me importo, seja lá qual seja o motivo que lhe faça ficar, eu só quero que ele fique. Eu jamais quero vê-lo naquela situação de novo.

—  Temos um trato, nao é? Preciso achar quem matou meu irmão, preciso da sua ajuda e você da minha. Não se preocupe, já estou no capítulo quinze, em breve não vamos precisar mais fingir um pro outro.

Suas palavras me atingiram como faca, cortaram todo o meu interior e me fizeram sangrar.

— Jisung, não é bem assim – meus olhos choravam outra vez.

Ele desviou de mim e entrou no meu quarto, pegou o travesseiro e voltou pra sala, colocou no sofá onde eu estava dormindo e se deitou. Eu queria lhe dizer pra continuar dormindo em meu quarto, porque saber que suas costas também iriam doer como as minhas faz meu coração doer também, mas não acho que irá adiantar dizer qualquer coisa agora.

Ele percebe que continuo ali e limpa as lágrimas no rosto, se virando pro lado para que eu não possa vê-lo.

— Me deixa sozinho, Minho – pediu  – Por favor.

Suspirei triste e obedeci. Me virei pra olha-lo uma última vez e voltei pro quarto, deitei na minha cama onde ele dormia, e senti meu coração se partir quando percebi que a colcha tinha o cheiro dele.

Deixei as lágrimas escorrerem pelo meu rosto sem impedi-las de cair. É difícil chorar, durante toda a minha vida me mantive forte pois chorar me fazia sentir vulnerável e fraco, então eu jurei que jamais faria isso de novo.

Entretanto, as coisas mudaram agora, e nada é como antes. Ainda me sinto fraco por me sentir assim, mas não é como se eu pudesse aguentar mais um pouco, afinal, não sou mais a mesma pessoa. Não tem ninguém vendo, posso chorar até meu coração decidir que preciso ser forte outra vez, e então guardo o resto pra depois.

— Minho? – Gahyeon bate na porta – O funeral é daqui a pouco, você precisa se arrumar.

Sequei as lágrimas do rosto rapidamente e me virei para olha-la, mas meus olhos inchados não podiam mentir. Gahyeon é a pessoa que mais me conhece no mundo todo, ela sabe que não consigo esconder nada, e na maioria das vezes nem tento.

— O que houve? Está chorando? – ela me olha com pena e se aproxima da cama.

— Não é... – me perdi nas palavras pois não sabia o que dizer – Não é nada, estou bem. Depois conversamos.

Ela tombou a cabeça pro lado pra me olhar, dando um sorriso engraçado pra me fazer rir um pouco e quebrar o climar tenso.

— Quer ficar sozinho, né?

Acenti e tentei sorrir, mas Gahyeon me compreendia nessas horas, então eu não precisava me esforçar tanto.

— Fica bem – ela se aproximou e me deixou um beijo no topo da cabeça – Tô te esperando na sala.

Assim que ela saiu, fechei os olhos por um segundo tentando não chorar de novo. Como sempre, o tempo não para, ninguém espera que eu me recupere e tudo continua acontecendo e dando errado. Não tenho tempo pra chorar, e mesmo se tivesse, não creio que me sentiria melhor.

Respirei fundo e me levantei, tentando deixar a dor pra trás e reservar um lugar para a que eu estou prestes a sentir. Tomei um banho quente, vesti jeans e uma camiseta preta, e encontrei Gahyeon na sala com um vestido escuro.

— Melhor? – me deu um sorriso.

— Sim – menti – Você já chamou ele?

— Já.

Jisung apareceu vestido em um moletom preto, seus olhos estavam inchados e sua cabeça baixa. Eu sabia que não adiantava dizer nada agora, provavelmente ia causar um estrago muito maior do que eu já fiz mais cedo, mas me sinto desesperado por não saber como agir.

Ele nos seguiu até o carro e foi para o banco de trás, não olhava pra mim nem por uma fração de segundos. Gahyeon se sentou ao meu lado, e os suspiros que ela deu durante a viagem evidenciaram que ela estava tão nervosa e culpada quanto eu.

Chegamos ao cemitério, Jisung e Gahyeon me seguiram até uma das salas onde se realizava o velório. O silêncio entre nós três não era desconfortável, na verdade, parecia mais um ato de respeito pelo luto de Jisung.

A funerária havia preparado tudo como pedi. Não quis que tivesse um velório, nem que o caixão estivesse aberto. Eu sei que tomei decisões que não eram pra ser minhas, e que Jisung é quem tinha direito de escolher como sepultaria seu irmão, mas pelo menos uma vez eu quis fazer a coisa certa por ele.

Jisung não merecia vê-lo daquela forma de novo, definhando e decompondo, apodrecendo feito nada. Eu sei que nada apagaria sua memória no dia do reconhecimento do corpo, mas ele não precisava vê-lo de novo, não precisava passar uma hora velando seu caixão sozinho, já que mais ninguém viria ao enterro.

Eu também devia isso a Bang Chan, porque pelo pouco que sei, ele amava tanto Jisung que provavelmente não ia querer que essa fosse sua última lembrança dele, apodrecendo como se nunca tivesse sido ninguém.

Jisung colocou uma mão sobre a madeira do caixão, provavelmente tentando se lembrar de seu rosto quando era vivo, ou se perguntando quando foi que tudo deu errado e terminou assim.

Seus olhos se encheram de lágrimas e ele fungou, deu um passo pra trás com o desequilíbrio e a mão de Gahyeon parou no ar, pronta pra segura-lo caso ele caísse.

O funcionário parou ao lado de nós, e meu coração doía tanto ao olhar pra Jisung que eu quase me esqueci do favor que tinha pedido a ele. Sinalizei perguntando se ele tinha feito o que pedi, e confirmei quando ele perguntou se já podia levar o caixão até a cova.

As lágrimas de Jisung ainda pingavam na madeira, seu corpo imóvel não demonstrava nenhuma reação a não ser chorar. Dessa vez, chorava em silêncio e se sufocava na própria dor, e por incrível que pareça eu prefiro que ele grite, pelo menos assim eu sei que está colocando a dor pra fora.

Levaram o caixão pela grama verde do cemitério, o sol quente brilhava em cima das lápides ao lado da cova de Bang Chan. Jisung andava devagar, não conseguia ver seu rosto muito bem, mas ele enxugava as lágrimas nas mangas do moletom.

O padre que nos acompanhou parou em frente o caixão, e eu fiquei ao lado de Jisung para ampara-lo caso ele precisasse. Meu coração apertava ao vê-lo tão quieto, o rosto molhado e a respiração quase parada. Eu queria dizer alguma coisa pra mostrar que estava ali por ele, mas seria cruel demais, é por minha culpa que ele está velando o próprio irmão agora.

— Hoje nos despedimos de Bang Chan, um homem de vinte e dois anos que infelizmente teve uma breve passagem entre nós.

O sentimento se parecia com uma faca girando em meu coração, apertando fundo até que atravessasse. Senti como se fosse um pecador, uma alma suja, alguém que queimaria no inferno até que a alma desaparecesse.

Jisung chorava em silêncio, e eu queria poder tirar toda a sua dor e coloca-la em mim. Era minha culpa, eu mereço que tudo que fiz volte pra mim em dobro, eu mereço pagar por todo o sofrimento que causei a dois inocentes.

Gahyeon fungou, colocou seus óculos escuros pra tampar seus olhos que também choravam. Eu queria chorar mais, mas me sentia culpado por derramar lágrimas por ele, me sentia culpado por estar de luto por alguém que eu mesmo matei.

E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas.

Minhas lágrimas escorreram pelos olhos, meu corpo quase perdeu a força com a culpa que me matava devagar. Jisung soluçou baixo, Gahyeon de repende tocou seu ombro, mas ele não tentou afasta-la.

— Quer dizer alguma coisa, meu filho? – o padre perguntou a Jisung.

Ele balançou a cabeça em negação, mas tenho certeza que ele sussurraria baixinho sem que ninguém ouvisse, se despedindo pra sempre de seu único irmão.

O coveiro colocou a coroa de flores sobre o caixão, e eu peguei o que tinha pedido ao funcionário da funerária e inclusive lhe paguei a mais por isso.

Me aproximei de Jisung, rezando para que ele não me pedisse pra ficar longe, pelo menos não agora. Ele olhou para as folhas em minhas mãos, sem entender o que significava, e ainda sem conseguir me olhar nos olhos.

— São folhas de morango. Naquele dia você me disse que gostaria que Chan tivesse experimentado morango também.

Percebi como seus olhos tristes brilharam e ele chorou de novo, seus dedos trêmulos pegaram as folhas da minha mão com cuidado, e por apenas um segundo seus olhos olharam nos meus e me agradeceram.

Jisung colocou sobre o caixão, seus lábios e seus dedos tremiam tanto que faziam meu coração doer ainda mais.

Ele sussurrou baixinho, pela forma como seus lábios se mexeram eu consegui perceber que ele disse eu te amo, e meu coração se partiu em mil pedaços quando imaginei como seria perder Gahyeon assim.

Quando caixão começou a descer até o fundo da cova, solucei sem perceber ao sentir meu interior ser queimado pela culpa. Quando a primeira leva de terra atingiu a madeira, eu sussurrei um pedido de desculpas, e rezei baixinho pra que onde quer que Bang Chan estivesse pudesse me dar seu perdão.

O enterro terminou com mais uma oração, Jisung se virou e saiu correndo e chorando de volta pro carro, sem querer ver seu irmão ser coberto por terra pra sempre.

Eu e Gahyeon logo fomos atrás dele, Jisung chorou durante todo o caminho de volta pra casa e eu me controlei pra que não fizesse o mesmo. Não podia deixar ele perceber que minha dor é maior do que me é permitido sentir.

Ao chegar em casa, ele entrou no banheiro e continuou lá dentro até o sol se pôr, ignorou e murmurou negando todas as vezes que Gahyeon tentou saber se ele estava bem.

Senti como se meu corpo tivesse sido incinerado, o cansaço era tão forte quanto a dor psicológica, e por mais que fosse melhor sentir dor do que sentir vazio, eu não queria sentir mais dor por hoje.

Assim que vi que Jisung se deitou no sofá, tomei um comprimido pra dormir e em segundos apaguei. Só uma boa noite de sono me faria aguentar o que ainda está por vir, e só dormindo posso esquecer do que estou vivendo.

Quando acordei, encontrei Gahyeon na cozinha e fui servido com uma xícara de café. Minha cabeça doía e meu coração gelava quando me lembrava do dia anterior, a dor ainda estava viva dentro de mim, mas parecia temporariamente adormecida agora.

— Como está hoje? – Gahyeon perguntou.

— Sei lá – dei de ombros – Ainda não consegui digerir tudo que aconteceu ontem, o bilhete, o funeral, e... Outras coisas.

Eu não conseguia contar a Gahyeon, não queria ver seu olhar de pena de novo como depois que me viu beijar Jisung. Eu não preciso que outra pessoa me condene e me diga o quanto é cruel sentir algo por ele, eu já me culpo a todo segundo, e isso já é o suficiente.

— Bilhete?– ela me olhou confusa.

— Sim, achamos um bilhete na cabana onde Chan estava. Dizia "você sabe de quem é a culpa"

Meu Deus – ela quase se queimou com o café – Eu estava certa, tem outra pessoa que quer te incriminar. O que Jisung fez? O que ele pensou?

— Nós levamos na polícia mas não adiantou muita coisa.

— Isso é bom, não é? Se houver outra investigação nós podemos ser pegos – ela sorriu.

Eu não sei se é realmente bom, as vezes penso que Gahyeon está certa sobre mim, pois a ideia de ser preso me parece muito mais libertadora do que viver fugindo. Quero me sentir bem de novo, mas isso não é minha prioridade, eu inconscientemente me uni a Jisung e estou lutando contra mim mesmo, porque sua felicidade passou a ser muito mais importante que minha consciência limpa.

— É... – tentei disfarçar – É bom.

De repente, pulei de susto quando ouvi três batidas fortes na porta, meu coração disparou e senti um frio na barriga. Gahyeon me olhou assustada, com seus olhos arregalados e o corpo estático.

— Está esperando alguém?

— Não – respondi.

Me levantei rapidamente, corri até a porta antes que Jisung acordasse com as batidas. Abri de uma vez, e senti um calafrio percorrer meu corpo todo e me congelar no chão.

É ele. Já fazia tanto tempo que eu não o via, mas está em carne e osso na minha frente agora.

Ele sorri pra mim, e eu sei que deveria sentir algo bem no fundo do meu coração, mas só o que sinto é medo.

Ele voltou, e isso me desespera.

***

Oi amores, espero que estejam gostando da fic.

Pra falar de Antares no twitter usem a hashtag #AlémDeAntares

Até semana que vem ♡

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