Cap: 1

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   Um estalo ecoou no apartamento, e foi assim que eu acordei na manhã do dia dezesseis de julho.
   Abri o olhos e os fechei, estavam pesados e cansados e com certeza minha vista doía com o estrondo. Abri os olhos definitivamente.
   Me sentei na cama e olhei ao redor. Papéis, canetas, documentos e post-its e o meu lençol branco manchado com a base misturada com a máscara de cílios.
  — Droga. — arrastei os dedos pelo rosto e senti papel grudado em minha testa.
   Ontem a noite tinha resolvido repassar alguns casos, mas parece que uma taça de vinho não me ajudou da forma que deveria.
   Me espreguicei e me preparei para levantar. O quarto estava escuro e o ventilador de teto girava e girava e girava, sem parar.
   Ando na direção do banheiro e me observo no espelho. A cara amassada, o cabelo castanho escuro com uma pregadeira embolada no meio e a pele ao redor dos olhos preta de maquiagem.
   Começo a tirar os restos com algodão e lavo meu rosto com todos os tipos de pensamentos na cabeça, mas a fome me invadiu.
   Depois de pronta desci até o andar de baixo e a mesa estava toda posta. Claro, o estrondo que eu escutei ao acordar.
   Quer dizer, o estrondo que me acordou.
  — Na próxima vez pode deixar que eu cozinho. — eu disse. O homem se virou do outro lado da cozinha, se recostando na bancada de mármore.
  — Não gosta da minha comida? — indagou.
  — Eu gosto da comida, não gosto que quebrem a minha casa. Que barulho foi aquele? — perguntei, Aaron se manteve em silêncio — Onde está Maddson?
  — Está no andar de cima e o barulho foi apenas uma panela que caiu. — reviro os olhos de leve.
  — Nem era para estar aqui, mas infelizmente você está.
  — Para uma mulher de trinta anos você está muito mau humorada.
  — E para um homem de trinta anos não devia estar andando sem camisa dentro da minha casa.
  — Brigando a essa hora?
   Maddie apareceu no topo da escada, típica cena de filme onde tudo fica em câmera lenta. Um e sessenta de altura, cabelos escuros e um batom vermelho até demais para o horário. Aquela era a Maddson.
  — Não. — respondi enfiando um pedaço do croissant de chocolate na boca.
  — Não, nada de novo. Somente ela odiando a minha presença.
  — Mills — ergui a mão e a impedi de continuar.
  — Disse que você tinha duas semanas. Já se passaram três e eu continuo tropeçando no seu namorado sem camisa no meio da minha sala de estar. — ela fez uma careta — Até o fim de semana quero que deem o fora.
  — Eu sei, essa semana vou pagar a primeira parte do aluguel do subúrbio. — a mulher deu ênfase na palavra. Suspirei.
— Não vai conseguir fazer com que eu me sinta mal por querer a minha privacidade de volta.
— A única coisa que você quer é trazer os seus peguetes para poder transar em paz.
— Se fosse não seria da sua conta. Quem paga as contas sou eu e estou cansada de vocês dois encostados em mim. Não nasci para isso.
— Tudo bem, iremos embora.
— eu sorri — Ótimo. Agora se me dão licença, preciso sair, não quero me atrasar.
— Não vai comer mais?
— Não. Aproveitem para tirar a mesa e ficar longe do meu quarto.
Meia hora depois estava entrando no departamento de polícia pronta para ser demitida. Oh, céus. Eu estava pronta. Conseguiria lidar com isso, quero dizer, eu tinha que lidar com isso.
Empurrei a enorme porta de vidro que cercava a sala do capitão e me deparei com um homem sentado de costas enquanto ele me fitava com aqueles olhos mortos e escuros.
Segurei a bolsa em uma das mãos e o barulho do salto ficava cada vez mais distante do meu ouvido. A bainha do vestido balançava e os óculos se prendiam ao meu cabelo, a porta se fechou.
O homem barbado ergueu o dedo indicador e pediu para que eu seguisse caminho até ele. O coração batendo tão alto que vibrava nas minhas veias.
— Sim. — eu disse.
Continuei parada, me recusava a falar mais e também me recusava a agir como se ele me intimidasse. O que era o caso.
David era o capitão da delegacia e um homem que não podia ser contrariado. Seu ego precisava de tanta massagem que era quase impossível conviver com ele.
— Precisamos de você no tribunal em duas horas. — disse sem ao menos me fitar. Meu olhar mudou.
— Como assim, "precisamos de você no tribunal em duas horas", capitão? Não tenho nenhum audiência para hoje.
— Agora você tem e terá que se informar do caso para regi-lo no tribunal. Também vai ser a detetive a interrogar a cliente. Se quiser pode encaminhar o caso para outro advogado. Mas a detetive encarregada é você. — minha cara caiu.
— O que — comecei, mas ele me dispensou.
Como eu iria reger um caso no tribunal em duas horas sem saber nada, absolutamente nada sobre o caso? O que se passa na cabeça dele.
Saí de sua sala e me dirigi à mesa de Caleb. O sangue fervendo e as mãos quase tremendo de tanta incredulidade.
— O que você — ele parou — O que você está fazendo? — perguntou.
— O que acha que eu estou fazendo? — eu teria voado em seu pescoço se pudesse — Habour me encarregou de um caso no tribunal. Detetive e advogando. Não sei nada sobre ele, preciso dos papéis.
— Quer ajuda? Um resumo.
— Sim, consegue falar enquanto vamos para lá? — ele assentiu enquanto recolhia os documentos.
O trânsito estava infernal e a única coisa que eu podia e conseguia reparar era no calor mais infernal ainda. Caleb falava e falava e falava, e falava mais enquanto me colocava a par de tudo sobre o caso do homem que estava preso e prestes a ser julgado ou mulher.
Winona Ryder.
Acusada de três crimes e um deles inclui o assassinato de seu ex-marido. Éric Wolfhard. Segundo ela foi autodefesa ou apenas o grande montante de dinheiro que ela podia ganhar com isso. Também foi acusada de lavagem de dinheiro e falsificação de identidade.
— Onde o David encontrou isso...
— Eu não sei, apenas sei que não está nada fácil para ela. Os advogados do segundo filho de Éric a estão massacrando e ela foi acusada de roubar bilhões da empresa dele.
— Onde está o dinheiro?
— Ninguém sabe, ela não quer contar, medo, talvez.
— Acham mesmo que ela tem algum tipo de cúmplice nisso tudo?
— Até onde conseguiram investigar, sim. Mas não sabem quem e nem onde a pessoa está.
— Você participou de algum dos interrogatórios? — ele negou com a cabeça enquanto olhava pelo retrovisor — Consegue preparar ela para mim quando chegarmos?
— Claro. Mas, não acredito que vá ser fácil, ela é a própria psicopata.
— Que droga, Caleb. — suspirei. — O que se passa na cabeça do David para fazer isso comigo, eu... que droga.
Chegamos ao tribunal em uma hora de viagem. Minhas costas estavam cansadas e Caleb não aguentava mais estar naquele carro, mas o trânsito estava lento e cansativo, como sempre.
Entramos no lugar e o homem de pele negra logo foi preparar a cliente para que eu pudesse estar mais a par da situação e o que eu poderia fazer para ajudar naquele caso.
— Toda a papelada está em cima da mesa. Ela está lá dentro e você vai ter acesso aos recursos que os primeiros advogados também tiveram. Assim como os recursos que os primeiros investigadores tiveram.
— Sou advogada, não faço milagre.
— Mas é a srta.Brown, você sim faria um milagre. — eu sorri, parte ironicamente e então entrei no cubículo em que Winona Ryder se encontrava.
Uma mulher com base nos cinquenta anos, branca e de cabelos ruivos, curtos. Para alguém que estava presa há três anos ou mais, estava muito muito bem.
As sobrancelhas feitas, as unhas no lugar e o cigarro entre os dedos. Ela era uma FêmeaFatally, totalmente fatal.
— Bom dia, sra.Ryder. — disse colocando a bolsa e os papéis sobre a mesa — Espero que esteja ciente da sua troca de advogados e concorde com ela. Daqui a uma hora ocorrerá sua audiência com o juíz. — Ela continuou em silêncio, prossegui — Suas acusações são de lavagem de dinheiro, assassinato, roubo e falsidade ideológica. — continuou em silêncio — Para que eu ficasse a par disseram que a senhora acertou o seu ex-marido com o atiçador da lareira, no meio do peito. — ela me fitou. Aquilo foi um teste.
— Sim. — concordou.
— Para sua má sorte encontraram a arma do crime com as suas digitais e digitais apagadas. De quem são?
— Não sei do que está falando. — tragou o cigarro.
— Não posso ajudar se não me contar a verdade — baforou a fumaça — Onde está o dinheiro que roubou da empresa?
— Não roubei.
— Eles têm provas de que você roubou.
— Eles não tem nenhuma prova verdadeira. Todas foram forjadas.
— Não sei como vou poder te ajudar sem a verdade. Não posso te tirar daqui a menos que me dê o nome do seu cúmplice.
— E por quê eu teria um cúmplice?
Encarar aqueles olhos era tão difícil quanto defende-los, eram frios e vazios, nenhum brilho além do orgulho do que tivera feito. Nenhum tipo de arrependimento emanando daquela mulher, ela faria de novo.
— Então, quando encontrar quem me ajudou me avisa. Estou cansada.
— Pode me dizer de que forma matou o sr.Skata? — ela bufou com uma revirada de olhos.
— Nós descemos a escada enquanto discutíamos porque ele me traiu e também havia descoberto o que eu fazia nas firmas da empresa e então virou as costas para mim. Falei que não fizesse aquilo, mas o fez. Ele começou a se afastar quando empunhei o cabo do atiçador e o enfiei em suas costas, perfurando coração com tudo.
Aquilo batia, batia com tudo. Os mínimos detalhes e mais um pouco. Ela não tentou limpar o sangue depois daquilo, apenas ligou para a polícia e depois, foi levada.
— Alguém estava em casa?
— Não. Ele tinha dispensado os empregados.
— Os filhos?
— Mal ligava para eles, se morressem não faria diferença. — aquilo...
— Alguma chance de ter sido um crime premeditado? — perguntei, seus olhos mais uma vez arderam ao ver os meus.
— Não. Não planejei estar sozinha com ele para mata-lo, já que é o que está insinuando.
— Alguma chance de estar confessando o crime no lugar de outra pessoa?
— Não.
— Está sendo ameaçada?
— Não.
— E os filhos do sr.Skata, algum deles te ameaça?
— Não. — o cigarro queimava e ela não tragava mais.
— Algum deles te odiava?
— Não. — suas mãos tremeram.
— Quantas vezes os viu? Chegou a conhecer?
— Uma vez, no natal de um ano antes de acontecer.
   Aquilo caiu como uma luva na minha cabeça, pois não fazia sentido, nada daquilo se encaixava. Porque...
  — Você acabou de dizer que conheceu eles há três anos, mais ou menos. — franzi o cenho.
  — Claro.
  — Ok. — disse recolhendo os papéis — Vou pedir um adiamento do julgamento para estar mais a par de toda a situação. Vai poder descansar por um tempo.
   Saí da sala e dei de cara com Caleb do lado de fora. Ele notou algo estranho, mas então apagou o cigarro entre os dedos da mão esquerda e veio a andar atrás de mim.
  — O que aconteceu lá?
  — Entra no carro, Caleb.
  — Mas o que — ele ia insistir, mas o fitei enquanto entrava no lado do motorista e jogava minhas coisas no banco de trás.
  — Dá para me dizer o que aconteceu. — ele falou.
  — Tem alguma coisa muito errada.
  — Por quê?
  — Porque ela disse que conheceu os filhos do Éric há praticamente três anos e que eles nunca vieram a odia-la.
  — E o que tem demais? Acha que isso seria impedimento para eles fazerem justiça em nome do pai?
  — Caleb — falei já na estrada — Ela praticamente disse que o pai e eles se odiavam.
  — Mas
  — Entendeu agora? O que o Nick ganharia se esforçando tanto durante três anos para conseguir a prisão perpétua para Winona?
  — Ela parecia nervosa?
  — Não. Ela parecia fatal. — disse — Mas no atiçador tinham duas digitais. Uma ficou tão deteriorada que nunca descobriram de quem era.
  — Na ficha dela diz que ela se entregou.
  — Eu sei que diz, e ela diz que estava sozinha naquele dia. Ela jogou a arma do crime no fogo depois de limpar com álcool.
  — Isso não faz sentido.
  — Não, não faz. Mas acho que já tenho uma teoria.
  — Qual?
  — Prefiro não falar agora, mas quero investigar o máximo que eu posso sobre os filhos do sr.Skata.
  — Qual primeiro?
  — O que for mais acessível.
  — Quer dizer o único. O Nick.
  — O que quer dizer?
  — Quero dizer que Finn Wolfhard sumiu há três anos atrás. — meu semblante murchou.
   Uma das minhas prioridades agora era conversar com Nick e encontrar Finn da forma que eu podia. Se é que eu podia.
   Por quê ele sumiu, quando sumiu, como não foram atrás dele depois de tudo que aconteceu e por que foi descartado com tanta facilidade como suspeito.
  — O nome dele nem foi citado em meio a tudo isso.
  — Ele mal existe.

𝐓𝐡𝐞 𝐅𝐢𝐫𝐬𝐭 𝐊𝐢𝐬𝐬 Where stories live. Discover now