Vinte e um

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Não posso cair em uma eterna melancolia, isso jamais fará parte de mim. Se estou sozinha no mundo, tenho que aprender a me virar e é exatamente isto que estou fazendo, sozinha. 

O balanço do ônibus se vai quando ele finalmente para no ponto onde eu desço. A chuva não deu um tempo, ainda cai, fraca mas cai. Foi fácil entrar no edifício onde irei prestar meus serviços hoje. Enquanto me apresento a senhora chamada Priscila, observo seu enorme apartamento já sabendo que iria me dar um certo trabalho limpar tudo aquilo.

— Assim que terminar a cozinha, pode ir para o quarto do meu filho, a bagunça lá não deve ser muita, ele é bem organizado — Ela diz. — vou deixá-la a vontade para começar.

— Certo... Onde posso encontrar os produtos de limpeza? — pergunto.

Ela leva sua mão a testa como se esquecesse de algo.

— Ah, é verdade, desculpe. Tem um armário próximo a cozinha, lá você vai encontrar de tudo. 

— Certo, obrigada...

A mulher ficou me observando por alguns segundos como se lembrasse de algo mas logo se retirou juntamente a seus devaneios. Começo meu serviço na cozinha e logo termino, — não muito rápido mas concluí — percebo que a tarde esta para chegar e lembro-me do "encontro" forçado com Alex, não poderei ir, de qualquer forma, eu não queria. Veja só, me obrigar a ir em um lugar que se quer conheço junto a ele é um sem noção mesmo. É quase impossível de acreditar que ele poderia estar sendo legal comigo por qualquer razão que fosse, o cara é um doente. Pode ser que ele esteja tentando ficar comigo para jogar na cara de Renan, até que não seria uma má ideia fazer esse infeliz sentir exatamente o que eu senti, mas de qualquer forma, ele não gosta tanto assim de mim para sofrer e eu não iria me prestar a esse papel. 

Adentro no quarto do filho da dona Priscila e a primeira coisa que me chama atenção é uma pequena mas nada modesta estante com livros, minha vontade foi de voar em cima mas eu poderia fazer, nada aqui me pertence. Assim como sua mãe disse, o quarto não está tão bagunçado, apenas algumas coisas fora de ordem. Em cima do criado mudo há um livro que me chama bastante atenção pelo fato de eu já ter lido antes e simplesmente ter o amado A Dança dos Amantes, leio em voz baixa assim que o livro já esta em minhas mãos. O nome do autor era Leonardo Villela. Folheio algumas páginas vejo que muitas estão marcadas, talvez ele tenha marcado o que mais achou interessante e sabe o mais engraçado? ele marcou justamente as páginas que mais gostei. Fiquei tão entretida lendo um pouco do livro que não vi quando a porta se abriu e um homem entrou.

—  Gostou do livro? — ele pergunta, me deixando sem jeito. 

— Me desculpe. — Digo, deixando o livro no mesmo lugar de antes. Meus olhos fitam o carpete, evitando contato visual.

— Sem problemas, mas ainda não respondeu minha pergunta. Gostou do livro? — Insiste.

— Sim, na verdade bastante. Já li antes.

— Seria bacana se você olhasse para mim — ele diz rindo — é que ainda nem vi seu rosto direito.

Finalmente fito o homem a minha frente, aparentemente parece ter um e oitenta de altura, pele parda e sorriso gentil. É um homem que chama muita atenção, com certeza. Principalmente pelos belos par de olhos verdes claros. Ele com certeza é o filho da Priscila.

— Desculpe. Eu sou a diarista da sua mãe.

— Certo, diarista da minha mãe — Diz brincalhão O que você mais gostou no livro?

— Esse autor é simplesmente fantástico, o jeito que ele brinca com cada palavra é incrível. Não tive a oportunidade de ler outros livros dele mas tenho certeza que são tão bons quanto esse. — Digo sorridente, ele se surpreende.

O homem ri pelo nariz e me analisa por alguns segundos. Esse povo gosta de ficar me olhando.

— Você tem bom gosto....—Diz caminhando em direção a sua estante. ele pega uns quatro livros em suas mãos — e justamente por isto, vou lhe dar os livros deste autos maravilhoso. 

Ele estende os livros para mim e eu os pego. Aquilo era incrível, eu nunca tinha ganhado algo tão legal assim, o celular nem se compara a isso.

— Eu nem sei como agradecer. — digo.

— Apenas leia, já será um gesto de agradecimento — Diz indo em direção a porta — Aliás, qual é o seu nome?

Desvio meus olhos dos livros para ele.

— Alicia. E o seu? — Indago sem jeito. Ele ri.

— Leonardo — Diz — Leonardo Villela — completa.

Aquilo foi um choque de imediato. antes que eu pudesse dizer algo, ele sai me deixando com meu pequeno surto. Não acredito que conheci um autor pessoalmente e ainda ganhei livros dele. Céus, e se eu tivesse falado mau de seus livros? Teria paga um mico, mas ele com certeza levaria isso como uma critica construtiva, Leonardo parece ser um homem bastante maduro para se incomodar com essas coisas e criticas faz parte. 

De qualquer forma, estou radiante por algo deste tipo ter acontecido comigo. Não demorei muito para guardar meus mais novos presentes dentro da minha mochila.

Termino de arrumar o apartamento e vejo que a hora estava avançada, isso significa que o ônibus iria vir lotado. Enquanto caminho até a sala ouço dona Priscila ao telefone, ela diz algo sobre um homem — Provavelmente seu marido — ter uma amante e que ele estava diferente e não dormiu em casa. Desabafou dizendo que estava cansada de ser traída, isso já faz anos. Eu não queria mais ouvir a conversa porque não me diz respeito, então entre na sala e a mesma logo de se despediu da pessoa e desligou o telefone. Ela abre um sorriso para mim mas vejo a tristeza através de seus olhos. Ela quer desmoronar. Priscila apanha uma carteira e logo me encara.

— Meu filho gostou muito de você, disse que você tem um ótimo gosto para a literatura — Disse sorrindo.

— Ele é um escritor muito bom.

— Sem dúvidas. — Afirma. Ela me entrega o dinheiro sem delongas. — aguarde meu contato novamente.

— Certo, muito obrigada! — Digo animada.

Enquanto ela me leva em direção a porta meus olhos voam pela casa em busca de Leonardo, mas ele não está.

Entre Rosas -(DEGUSTAÇÃO) Where stories live. Discover now