A arte de perder - III

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Os seus lumes eram um desconforto cabível, que eu queria ter sobre mim, mesmo que da forma mais pesada possível. Pois, enquanto eu fosse o dono de sua atenção primária e absurda, se naquele ínterim eu permanecesse sendo a sua jóia rara; viver no mundo real, apesar de seu descômodo letal, seria o meu escape mais sutil.

Se os luzeiros doces de Jeon continuassem vívidos, buscando os meus e me entregando uma força que vem de dentro para fora, nada iria tragar-me, nem mesmo Jung Hoseok.

Como diz o provérbio italiano: No final do jogo peões e reis voltam para o mesmo lugar.

Jungkook vidrou-se em mim por segundos, e quando compreendeu o meu estado de pânico momentâneo, afastou seu olhar.

Muito tênue e calmo, ergueu-se de pé, mas ainda ficou curvado, mantendo suas duas palmas sobre a mesa, apenas a ponta dos dedos; ao tempo que lia algo sobre alguns papéis. Em seguida, volveu-se para o juiz.

— Meritíssimo, objeção. Gostaria de dizer que isto que o Doutor Jung acabou de fazer é uma espécie de interrupção de sustentação. — A voz roufenha se fez muito firme. — A acusação tinha um tipo de argumentação, que pode facilmente se tornar uma prova, mas negou-se a nos entregar. Guardou-a apenas para causar desconforto diante do júri. Isso atrapalha a continuidade do meu raciocínio.

— Tecnicamente isso não é uma prova, doutor Jeon. — Jung tomou a vez.

— Se você diz que o meu cliente está se contradizendo de maneira óbvia, sobre a sinalização da Bangtan Mills e que unanimemente o sinaleiro da estrada só fica vermelho quando algum outro carro vem pela transversal, significa que tem uma suposta prova à se avaliar. — Suspirou. — Eu trabalho com honestidade e esse acontecimento e situação está me impedindo de continuar. Perdão.

— Objeção aceita. A legislação permite a juntura de documentos e provas até três dias úteis, é a antecedência mínima — proferiu sobre o microfone de mesa. — Realizaremos uma pausa de quarenta e cinco minutos, para decidirmos se o julgamento irá prosseguir ou não.

O juiz ateu o malhete com força, como se não estivesse a fim de continuar ouvindo argumentos de ambas as partes.

Minha feição encontrava-se vazia, não consegui exprimir nenhum esboço de sentimento ou emoção, nem que muito esmerado, porque ainda me senti contra a parede.

Acompanhei Hoseok lentamente, cada movimento; ele deslizou os dedos pelo cenho, apoiando o cotovelo na mesa e abaixando a cabeça.

Sua insatisfação era a minha alegria. Apesar de tudo, uma chama se acendeu no meu cerne.

Jeon entregou duas grandes pastas vermelhas para o jovem auxiliar, que estava ao lado dele. Ditou algo, que não fui capaz de ouvir ou ler de seus lábios; mas o estagiário aquiesceu continuamente e, utilizando uma agilidade curiosa, seguiu porta afora.

Kim Namjoon, o juiz, levantou-se em um movimento sólido, emitindo um suspirar pesado.

Analisei-o bem, era mais um dos homens que possuía a minha vida na palma da mão.

Ele tinha fios lisos, mãos grandes, pernas compridas e um corpo aparentemente forte, que se escondia na bem veste talar. Vi nitidamente a aliança dourada em seu dedo anelar, bem à mão direita. Um perfeito homem casado, com um rosto bonito e jeito interessante. Era até engraçado imaginá-lo vivendo fora dali.

Será que à noite ele consegue dispôr a cabeça sobre o travesseiro e dormir tranquilamente? Mesmo sabendo que muitas vidas estão à um malhete de acabar?

Será que quando ele janta com a sua família reunida, naquele restaurante caro, após um longo dia de trabalho duro, ele ainda pensa nas pessoas que julgou?

INSACIÁVEL • jjk + pjmWhere stories live. Discover now