Sobre totem, vícios e um xeque-mate - II

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É outono e as folhas de ácer estão por toda parte, deslizando pelas calçadas de casas pacíficas, pelos parques e esquinas de avenidas principais. Essa é a minha estação preferida, o clima árido é agradável e também porque não existe prazer mais hediondo do que pisar sobre uma folha seca, a satisfação ínfima de ouvir a onomatopéia crocante.

De modo fatal, as árvores de ácer marcaram a minha vida e dissipou qualquer sombra de felicidade com a chegada do outono. Agora, eu temo a ida sublime de cada estação, sempre desejando que a chuva forte ou as folhagens secas estejam distante de mim, dos meus pés. É como um castigo infundado.

Agora é outono, mais uma vez, e eu posso ouvir a voz adocicada de Yoongi, consigo visualizar com veemência os seus dentes curtos e sorriso gengival. Ele segura uma única folha alaranjada, palmiforme e espetada, girando-a como uma bailarina dá uma divina pirueta clássica. Estávamos em um piquenique, abaixo de uma enorme árvore de bordo, naquele parque tão bonito e colorido; me traz tantas lembranças, sentimentos e uma nostalgia perversa. Com uma perspicácia louca eu posso ouvi-lo dizer:

"Jimin, você já parou para observar que o seu cabelo é laranja como as folhas de bordo no outono? Totalmente lindo."

É estranho guardar uma lembrança tão boa e acalentadora para o cerne, já que tivemos centenas de outras péssimas. Contudo, as coisas costumam seguir esta linha: depois que as pessoas se vão, tentamos, a todo custo, cobrir qualquer vestígio de ressentimento visível; preferimos recordar méleas lembranças. Só que eu não sou desse modo e cada memória, assim como as folhas de bordo, me trazem a mais cruel culpa. Ao fundo, sequer me importo com esta parte tão tocante.

Posso sempre lembrar dele quando o outono vier, quando girar consecutivamente uma folha alaranjada. Sei que vou evocar essas sensações; seja ruim ou seja bom, a memória não será apagada, nem por um mísero segundo.

Min Yoongi conseguiu destruir o mais remoto e singelo resquício da minha vivacidade.

Quarenta minutos anteriores ao início do julgamento. 12 de setembro, 2020.

Nos últimos dez dias encontro-me inerte aos meus próprios pensamentos, pois é extremamente amedrontador viver dentro deles. Em mim só habita uma sensação forte de culpa inflamada e desespero perpétuo, talvez por todos os motivos errados.

Até a mais breve pausa e silêncio assombroso me faz engolir à seco e refletir na jornada e destino final da minha história.

À distância, observei Jungkook conversando com um estudante que seria seu "advogado auxiliar", era um estagiário que estava para assistir à audiência, com fins de experiência.

Admirei Jeon muito bem, era um verdadeiro homem afincado, acreditava cegamente em mim, de uma forma tão absorta que eu mesmo não poderia crer; afinal, nem eu deposito tamanha confiança em minhas palavras.

Continuei olhando de modo fixo, mas perdido, extremamente sorrateiro, amando cada detalhe distante. A maneira como seu cenho ficava franzido durante uma conversa séria, seus olhos negros e redondinhos; a cicatriz de três centímetros marcada na bochecha esquerda, que ele conquistou quando tinha oito anos e brigou com Jung Hoseok, por conta de um simples videogame; os lábios finos estavam bem rosadinhos.

Meus luzeiros curiosos varreram o corpo inteiro, fazendo-me pressionar os dentes contra o lábio inferior, evitando um suspiro excitante. Jeon era um homem robusto, atlético; fôra como se meus lumes pudessem ver através do terno preto, que caía bem como uma luva.

Não existe outra pessoa, pornografia ou quaisquer outros derivados disso, que cause-me mais desejos inapropriados do que o simples existir sutil de Jungkook.

INSACIÁVEL • jjk + pjmOnde as histórias ganham vida. Descobre agora