- Hum. Foi bom.

- Isso é um "sim?" É um "sim, irmãozinho, eu vou com vocês"?

- Isso é um "não sei, irmãozinho, você pode calar a porra da boca um pouco?".

- Já é melhor do que um não.

Ela deu-lhe um sorriso de canto. O vento aumentara de força, bagunçando os cabelos dela. Margot os amarrou em um rabo-de-cavalo. Scott notou as rugas nos pés de seus olhos e sentiu o coração doer.

- É melhor você entrar – ela disse, descendo a escada da varanda. – Descanse para a viagem.

- Aonde você vai?

- Preciso pensar, Scott – ela respondeu sem se virar para ele. – Vá dormir.

Na varanda, Scott enfiou as mãos nos bolsos do sobretudo e observou Margot se afastar. Ela fez uma curva na trilha que seguia pelas árvores e desapareceu de vista.

- Ela saiu sozinha?

A voz veio de trás de Scott. Ele virou-se e encontrou Henry parado na soleira da porta, com o rifle de caça pendurado no ombro.

- É. Ela disse que queria pensar.

- Aqui é um bom lugar para isso – Henry passou por Scott e desceu a escada atrás de Margot. – Com todo esse silêncio, você pensa até enlouquecer, se quiser. Não se preocupe, vou cuidar dela.

Scott teve que rir daquilo.

- Henry, vai por mim: Margot precisa de alguém para cuidar dela tanto quanto um peixe precisa de tênis de corrida.

- Acredito em você. Mas vou dar uma volta mesmo assim. Também gosto de aproveitar a noite para pensar.

Bom, se ele insistia. O pobre garoto voltaria com o rabinho entre as pernas depois que Margot o colocasse para correr. Scott imaginou a cena e riu de novo, acenando para Henry antes de entrar na casa.

Fechou a porta atrás de si. Estava silencioso dentro da casinha do lago. Podia-se ouvir o som das ondas quebrando no mar. A luz das velas pintava de laranja as paredes da sala. Donna contara que eles haviam tido um gerador por um tempo, até que a gasolina acabara. Aquele era um mundo escuro.

No sofá da sala, enrodilhada em um cobertor e com a cabeça em um travesseiro velho de fronha rasgada, Emily dormia. Parecia a coisinha mais frágil do mundo, enrolada com os joelhos apertados contra a barriga, chupando o polegar direito. Suas pálpebras se moviam de leve com o movimento dos olhos. Talvez estivesse sonhando. Não pela primeira vez, Scott precisou lembrar a si mesmo que ela só tinha sete anos. Nessa idade, como Margot dissera, ele ainda acreditava na Fada do Dente. Salvar o mundo nem lhe passava pela cabeça.

Scott sentou-se de frente para a garotinha e olhou-a dormir. Uma cópia perfeita de Zoey: o mesmo nariz empinado, o mesmo queixo pontudo, as mesmas sobrancelhas, o mesmo cabelo. Tudo nela era humano: não havia um traço sequer de outro mundo em sua aparência.

Ela é uma criança. Só isso.

Ainda assim... Aquilo que ela fizera na cidade dos Homens Magros. Scott se lembrava muito bem. Ela não parecera uma criança naquela hora. Nem humana.

Emily se mexeu no sono, e parte do cobertor escorregou para o chão. Scott a cobriu novamente. Skies e Donna deviam estar no quarto, dormindo. Mas onde estava Zoey? Ele foi para a cozinha e viu a porta dos fundos entreaberta. Olhou pela janela e encontrou Zoey lá fora, sentada perto do lago. Escutou música: uma melodia de ninar que recordava da infância.

Saiu para os fundos da casa e fechou a porta devagar. Zoey virou o rosto para ele. Tinha no colo a caixinha de música de Emily. A bailarina prateada rodopiava devagar ao ritmo da cantiga de ninar.

A Viajante.Where stories live. Discover now