CINCO

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Donna abriu os olhos no sábado de manhã com a sensação de que não havia dormido nada a noite inteira. Seu sono fora uma coisa inquieta, povoado por luzes e barulhos estranhos, telefones tocando e pesadelos. Em um deles, Donna despencava por um buraco negro e desabava nas trevas. Eu vou cair para sempre, ela pensava, ao mesmo tempo em que sentia algo com ela na escuridão: algo faminto, cheio de uma inteligência hostil e incompreensível. Venha me encontrar, venha me encontrar, Donna, venha me encontrar.

Ela acordou com o corpo coberto por uma camada grudenta e azeda de suor frio, desnorteada e sem saber onde estava. Demorou alguns segundos para lembrar de que adormecera no quarto de Henry. Virou a cabeça no travesseiro e não viu o filho ao seu lado. Continuou deitada, escutando os sons da manhã: os pássaros piando nas árvores lá fora, o vento matinal soprando contra o vidro da janela, crianças rindo no quintal de um dos vizinhos. Ouviu também o barulho da geladeira abrindo no andar de baixo e a estática produzida pela televisão ligada na sala.

Com um resmungo, sentindo-se como uma adolescente que é acordada pela mãe de manhã para ir à escola e chora por alguns minutos a mais de sono, Donna levantou-se e foi até seu quarto. Tirou a roupa, jogando na cama o uniforme de policial que ainda cheirava à fumaça, e tomou uma chuveirada fria. Isso serviu para ajudá-la a despertar, e, quando desceu para o primeiro andar enrolada em um roupão, Donna sequer se lembrava dos pesadelos que tivera.

Henry sentava-se no sofá da sala, de pijamas e pantufas de coelho, uma tigela cheia de leite e cereal no colo e assistindo à Hora Acme na televisão. Donna parou ao pé da escada:

- Bom dia, porquinho.

- Bom dia – ele respondeu sem tirar os olhos do desenho, onde o Coiote acendia uma banana de dinamite para montar uma armadilha para o Papa-Léguas.

- Por que você acordou tão cedo? Hoje é sábado.

- Eu sei – Henry disse. – Perdi o sono – ele virou a cabeça para olhá-la, o queixo sujo de leite. – Você se mexe muito quando tá dormindo, mãe. Me chutou a noite inteira.

- Foi, é? Bom, sinto muito – Donna disse enquanto ia à cozinha. – O que acha de eu levar você ao cinema para compensar?

Henry soltou um "eba!" e Donna riu, pegando dois ovos da geladeira. Depois pensou melhor e decidiu que estava com preguiça demais para preparar uma omelete. Encheu para si uma tigela com leite, adicionou uma porção do Sucrilhos Kellog's de Henry e voilá: o café da manhã perfeito. Voltou para a sala e sentou-se ao lado do filho no sofá.

Na televisão, a dinamite explodia no nariz do Coiote.

- Ele nunca pega o Papa-Léguas, não é? – disse Donna.

Henry franziu a testa como se Donna houvesse dito a coisa mais idiota do mundo.

- Ué. Se ele pegar, o desenho acaba.

Havia uma lógica inegável aí que Donna, uma adulta, fora idiota demais para ver. Há coisas nesse mundo que só uma criança consegue enxergar direito. Eles comeram em silêncio, assistindo ao desenho, Henry levantando-se apenas uma vez para encher a tigela com mais leite e cereal. Donna deitou a cabeça no colo do filho e estava quase caindo no sono de novo, mergulhando naquele cochilo sem hora para acordar dos fins de semana, quando o telefone começou a tocar. Ela gemeu de incômodo.

- Você não vai atender? – perguntou Henry. – Pode ser a vovó.

E Donna, não aguentando mais ouvir telefones tocar e xingando mentalmente quem quer que tenha inventado aquelas porras, levantou-se para atender.

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