Scott e Margot saíram da casinha do lago e pararam lado a lado na varanda. A noite caíra. As estrelas e a lua salpicavam o céu. Dava para sentir o cheiro salgado do mar no vento frio que soprava. A plaquinha que dizia Nosso Refúgio, pendurada na porta de entrada da casa, balançava. Scott tirou do bolso do sobretudo o último cigarro artesanal que trouxera de Corinna. Acendeu-o com um fósforo.
- Me dá um pouco – disse Margot.
Ele ergueu uma sobrancelha para ela.
- Desde quando você fuma?
- Desde agora. Anda, me dá.
Scott estendeu-lhe o cigarro amassado. Margot tragou fundo e soltou a fumaça. Não tossiu, o que fez Scott pensar que ela já fumara antes.
- Skies disse que partiremos amanhã cedo – ele pegou o cigarro. – Uma das famílias com casas de veraneio tinha um barco aqui na ilha. Ele o consertou alguns anos atrás. Disse que tem combustível suficiente para nos levar até Nova York – cuspiu a fumaça e bateu a mão em frente ao rosto para dispersá-la. – Parece que é um barco bem grande, com espaço pra todo mundo.
- Um barco bem grande. É esse o seu argumento para me convencer a ir?
- Não... Bom, é.
Ela estendeu a mão e Scott lhe entregou de volta o cigarro.
- Eu sei que você acredita neles, Scott...
- Não sei se acredito.
- Bobagem. Acredita, sim. Tá na sua cara. Você sempre foi assim. Até os sete anos, acreditava que as moedinhas debaixo do seu travesseiro eram presentes da Fada do Dente.
- Eu só fingia acreditar nisso para deixar a mamãe e o papai felizes.
- Eles não deixavam o dinheiro para você. Eu deixava – Margot respondeu. – Não estou julgando você. É bom acreditar em alguma coisa. Mas isso é difícil pra mim.
- Por quê?
Ela abriu a boca para responder, mas limitou-se a dar de ombros. Tragou o cigarro uma última vez, jogou-o no chão e pisou em cima dele para apagá-lo.
- Acho que a questão não é no que acreditamos ou deixamos de acreditar – disse Scott. – Lembra-se do que você falou para mim naquela noite, antes de eu ir embora de Corinna? Sobre essa vida ser a única que temos e que as coisas nunca vão melhorar?
Margot abraçou os cotovelos, apertando os braços contra o peito.
- Eu não quis dizer aquilo. Foi idiotice.
- Não, não precisa pedir desculpas – disse Scott. – Você falou a verdade. Essa vida fodida nesse mundo fodido é a única coisa que temos. E, provavelmente, não vai mesmo melhorar. Só que isso não quer dizer que nós precisamos sobreviver a ela. Podemos fazer mais.
Scott fez um gesto com a cabeça para a casa, dentro da qual Emily dormia.
- Emily pode ser a nossa chance de fazer mais – ele disse. – Talvez você esteja com a razão e esse papo sobre salvar a humanidade seja coisa da cabeça deles. Mas e se não for? Se Emily for mesmo o que eles dizem, e nós a abandonarmos, estaremos desperdiçando a nossa única chance de consertar esse mundo. Então, é, eu acredito na história deles porque escolhi acreditar. Decidi pagar para ver. Vale o risco, não vale?
Margot o olhou em silêncio, mastigando o lábio inferior.
- Você ensaiou esse discurso?
- Um pouquinho – Scott sorriu.
YOU ARE READING
A Viajante.
Science Fiction[Obra registrada na Biblioteca Nacional. Plágio é crime.] Março de 2016: Após o aparecimento de estranhas luzes no céu da pequena cidade de Judie's Hallow, uma pandemia se espalha pelo mundo. O vírus Molec é implacável, invencível e mortal. Cidades...