VINTE E UM (ii)

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- Scott?

A mão no ombro dele. Chacoalhando, chacoalhando.

- Scott?

- Brenda – disse Scott, sem abrir os olhos –, não quero ser rude nem nada, mas você precisa parar com essa mania de me chacoalhar quando eu estou dormindo.

Ela afastou a mão. Disse:

- A garota está voltando.

Scott abriu as pálpebras. Olhava para o chão cheio de poeira da jaula. A luz do sol entrava por entre as barras em lanças de um amarelo pálido. Já era manhã. Scott dormira a noite inteira e sentia como se não houvesse descansado nada. A cabeça doía, e o tornozelo torcido, que dera uma trégua no dia anterior, voltara a pulsar em ondas quentes de agonia.

Meio desconectado do mundo, como sempre ficava ao acordar, Scott olhou por entre as barras. A jovem estava parada do lado de fora, bem perto, conversando naquele idioma alienígena com dois Homens Magros. Eles assentiam para ela, os rostos concentrados e sérios. Pelo visto, era a garota com ossos no cabelo que dava as ordens por ali. Os outros só obedeciam.

- Ela está com outra tigela de água e uns pedaços de pão – disse Scott. – Deve ser o nosso humilde café-da-manhã.

- Don, o que você está fazendo? – disse Brenda.

Scott voltou-se para Don. Ele estava de pé diante da porta, e sua postura não agradou muito Scott. Don tinha os ombros rígidos, os braços caídos ao longo do corpo e a mão direita fechada com força em torno de alguma coisa que Scott não conseguia ver.

- Don? – disse Scott.

- Desculpem – Don respondeu, sem tirar os olhos da porta. – Mas eu não vou morrer. Não aqui, não assim.

Brenda lançou para Scott um olhar alarmado. Ele levantou-se e deu dois passos cautelosos na direção de Don.

- O que você vai fazer? – perguntou. – Don, o que você tem na mão?

Don olhou para a mão direita como se nunca houvesse visto o membro antes.

- Não aqui – ele repetiu. – Não assim.

Scott deu mais um passo e pisou em algo que se quebrou com um estalo. Ele levantou o pé e viu um monte de pó alaranjado. Espalhados pelo chão estavam os pedaços do que fora a tigela de argila na qual eles haviam tomado aquela sopa horrenda.

Don abriu a mão. Em sua palma também havia um pedaço da tigela de argila. Um pedaço afiado.

- Não seja estúpido – disse Scott.

- Estúpido? – Don deu seu sorriso sem humor. – Estupidez é continuar preso nessa maldita jaula, comendo merda e vivendo de dois goles de água por dia. Esperando que eles venham te pegar para depois servir você em um banquete.

- Don...

- Esperando que ela comece a falar dentro da sua cabeça. A falar, a falar, a falar, até deixar você louco. Isso é estupidez.

Passos se aproximando da jaula. Don fechou a mão no pedaço de tigela.

- Quem falou com você, Don? – disse Scott.

- Não importa – Don respirou fundo. – Não aqui, não assim.

- O que você vai fazer? Enfrentá-los com a porra de um pedaço de tigela? Tem dez deles lá fora, e eles têm lanças. Ou você não notou?

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