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  3 anos depois...

 — Sente alguma coisa, Soyun? — perguntou Seokjin, o fisioterapeuta, enquanto batia de leve com um martelinho no meu joelho.

  — Nada. — respondo neutra, já acostumada a não sentir mais nada.

  — Muito bem, Soyun. — só se for para ele. — Remarcamos para, sem ser a próxima, a outra semana. — ele repete o que sempre diz, em todas as malditas consultas.

  — Sim, doutor Kim. — concordo, saindo da maca, me arrastando para a cadeira de rodas enquanto Seokjin oferece seu braço, para eu me apoiar.

  — Seu motorista está lá fora? — ele perguntou, me olhando curioso. Talvez esteja receoso pela falta da cuidadora, que foi embora sem mais nem menos desde três semanas atrás. Mais uma destruída pela minha presença.

  — Sim. — respondo, ainda neutra.

  — Até a próxima consulta, Soyun! —ele mostra seu sorriso fechado. Apenas assinto, conduzindo a cadeira de rodas até a porta.

  Hoseok, como sempre, me espera do lado de fora do carro. Dou um sorriso mínimo quando ele abre a porta, possibilitando minha passagem.

  — Não quer ajuda? — ele perguntou, vendo eu forçar meus braços para entrar no carro e abandonar a cadeira de rodas.

  O olhar que lanço em sua direção é o bastante para ele se encolher e voltar ao seu posto.

  Depois de me encaixar no carro, começo a observar minhas mãos, enquanto Hoseok leva a cadeira de rodas até o porta-malas. Mexo os dedos, admirando suas capacidades de se moverem entre o ar, diferentemente das minhas pernas.

  As lembranças me assombram, desde aquele dia tenebroso, em que perdi toda a minha vontade de viver.

  Não me lembro de muita coisa, apenas de entrar no avião, que ia de Roma até Incheon. Minha viagem de volta ao meu país natal.

  A viagem foi maravilhosa, a inspiração pairava no ar. Eu caminhava pelas ruas de Roma, pensando que Giovanni Boccaccio, o renomado poeta italiano, poderia ter caminhado por ali, e que estava me esperando, como uma discípula e amante de sua poesia. Lembro também de Florença, eu admirando e escrevendo, sentada sobre um cais, imaginando Dante Alighieri escrevendo neste mesmo lugar.

  As trilhas pelas montanhas da Itália também foram uma experiência maravilhosa. Mas tudo mudou de repente.

  Embarquei tarde no avião. Já era quase 00:00. Na verdade, era meia noite.

  Lembro de entrar no avião lotado, na classe econômica e começar a escrever meus poemas, enquanto os outros passageiros dormiam.

  No meio do meu segundo poema, comecei a ouvir gritos, esses gritos começaram da cabine de controle, até chegar aonde eu estava. Gritos de horror e medo ecoavam. O choro das mães abraçando seus filhos, os bebês dormindo serenos, sem se preocuparem com o que está prestes à acontecer, homens correndo para lá e para cá, enquanto sentiam o avião declinando e caindo, numa velocidade extrema.

  Olhei para todo lugar, desesperada, sem condição de pensar, apenas abraçar meu caderno e pedir um súbito perdão, sem saber qual seria meu destino. Na verdade, eu já sabia; a morte.

  E do nada, cessou tudo. Os choros, as gritarias, a visão de tudo, e até os sentidos. Tudo foi-se, mais repentino do que chegou. O avião caiu.

  O que aconteceu depois, foi simplesmente a visão, e a notícia de que as minhas pernas foram amassadas, por uma placa de metal pesada.

  Desde então, eu não posso mais andar, apenas me locomover pela cadeira de rodas, e fazer terapia toda semana, para ver se eu consigo sentí-las. Mas eu não as sinto, é como se não fizessem mais parte do meu corpo. Há três anos que venho a esta maldita consulta e nada resolve, absolutamente nada, apenas piora, a cada dia.

Winter Flower Where stories live. Discover now