Capítulo 38

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Erick Siqueira

Nunca senti tanto ódio de mim mesmo. Sei muito bem o quanto sou covarde me escondendo aqui na casa da minha tia. Desde que chegamos, fomos muito bem recebidos, minha tia nos deixou à vontade, apesar de toda reclamação do meu irmão, que não se conforma com a mudança.

Minha mãe tem ajudado minha tia com a fabricação de alguns salgados, mas o dinheiro que entra é muito pouco e sei que preciso ajudar, tenho passado as manhãs em busca de algo informal, já que ainda não me desliguei do trabalho anterior.

Não, eu não me desliguei de forma alguma, principalmente dela... Melissa...

Ela está em todos os meus sonhos, ainda sinto o cheiro dela em minhas narinas, sua voz doce ecoa em meus ouvidos. As lembranças de tudo o que vivemos em Boston me atormentam frequentemente.

Eu sei que já deveria ter a procurado. Mas não sei ao certo o que Trevor falou para ela, provavelmente à esta altura Melissa me odeia. Minha única esperança é de conseguir com o novo emprego, pagar o senhor Bernardo o que eu devo e provar para ela que nunca me interessei por seu dinheiro. Mas a cada dia está mais difícil este desejo. Não consigo emprego, e muito menos o dinheiro. Me resta então esse vazio, esta culpa, além da saudade de Melissa que está me matando dia após dia. Amo-a com todas as minhas forças, com todo o meu corpo, um sentimento sincero e puro, bem diferente do que senti algum dia por Olívia. Estou sofrendo, não tenho vontade de fazer mais nada, Enzo até desistiu de me chamar para jogar videogame. Eu sabia que nunca deveria ter aceitado aquela proposta, realmente fui um maldito canalha e Melissa tem toda razão em me odiar.

Minha mãe entra no quarto.

Sei que dona Joana tem estado muito preocupada comigo.

— Você não se alimentou hoje, meu filho.

Sinto muita tristeza em vê-la tão preocupada.

— Estou bem, apenas sem fome.

Ela se senta na cama ao meu lado e percebo que tem algo ruim para me falar, mas não sabe como dizer

— Hoje fui à cidade me encontrar com Alessandra. — sua voz fica embargada, pois Alessandra traz recordações de dona Marisa.

— E como ela está? — pergunto, pois não a vi mais depois do funeral.

— Ela está bem. Me disse que vai marcar com os advogados da família para conversarem com a gente amanhã. Me parece que dona Marisa deixou algo para nós.

Não fico surpreso, pois dona Marisa era como alguém de nossa família e tinha um grande carinho por nós também. Provavelmente havia deixado algum móvel de sua casa ou talvez algum objeto de decoração para que nós nos lembrássemos dela.

Ainda não compreendo o motivo da expressão de minha mãe.

— Dona Marisa era uma pessoa maravilhosa. Podemos nos encontrar com eles amanhã sem problemas — falo.

Percebo minha mãe ficar inquieta.

— Erick... Na volta, resolvi passar no residencial onde morávamos para buscar as correspondências. O Sr. João, síndico, me disse que Melissa esteve lá no dia seguinte que partimos.

Mamãe está procurando as palavras certas, e meu estômago começa a se revirar de nervoso.

— Eu já esperava por isso — falo.

Ela prossegue:

— Ele também disse que outra moça muito fina esteve lá recentemente... — Já sei que se trata de Rebeca, meu coração fica mais apertado. — Segundo ele, a moça parecia desesperada e insistiu que ele dissesse onde te encontrar.

Fico apavorado com a possibilidade dele ter falado.

— Ele não disse, né!?

— Claro que não, filho, ele nem sabe onde estamos. — faz uma pausa que me angustia. — Ele contou que Rebeca havia dito algo sobre Melissa... Parece que ela está hospitalizada, faz três dias.

Tudo o que eu não precisava era receber uma notícia como essa. Imaginar Melissa em um hospital debilitada e sem mim por perto, me deixou mais perturbado.

— Não pode ser, mamãe — falo angustiado.

— Calma, meu filho.

Me levanto e caminho de um lado para o outro, estou desesperado, desejava estar ao seu lado e cuidar de Melissa.

— Não consigo ficar calmo, Melissa deve estar me odiando, e tudo o que eu mais desejo é estar com ela.

— Então vá vê-la!

Minha mãe faz tudo parecer tão fácil, mas sei que não é.

— Não posso, mãe, enquanto não puder provar que não quero o dinheiro dela.

Minha mãe respira fundo.

— Mas ela está mal, filho, precisa de você.

Suas palavras me fazem sentir pior ainda.

— Eu não posso... Não posso... mãe — falo saindo do quarto para que ela não continue vendo neste estado de desespero.

Minha mãe não tem culpa sobre as decisões erradas que tomei na minha vida, Mas eu também sei que ela não me compreende, por isso prefiro sair para refrescar a mente.

Subo em minha moto e acelero rumo ao desconhecido, ainda não sei para onde vou, mas enquanto sinto o vento forte tocar o meu rosto, vários pensamentos invadem minha mente. É inevitável não pensar na possibilidade de perder a mulher que eu amo para aquela doença, Melissa deveria estar fazendo quimioterapia faz tempo, porém por se sentir bem estava adiando, desejava esperar a exposição de Nova york, e não sei se iniciou.

Estou pilotando há cerca de uma hora, quando chego em um lugar familiar e estaciono, desço e caminho a pé até a grade de proteção e fico observando as ondas do mar tocarem a rocha, como normalmente acontece. Foi bem ali que eu a segurei em meus braços pela primeira vez e os nossos olhos se encontraram de uma forma diferente. Também foi ali que demos nosso primeiro beijo e precisei me controlar para não fazer amor com ela em cima do seu carro. Vivemos tantas emoções e sentimentos que não sei como lidar com todas essas lembranças. E quando percebo estou chorando, sinto as águas quentes tocarem meu rosto, vejo que preciso tomar uma decisão ou vou acabar enlouquecendo. Mesmo sendo algo arriscado, decido que quero vê-la. Então subo novamente em minha moto, já sei para onde devo ir.

Estou chegando ao hospital e caminhando pelo corredor sem me importar com quem irei encontrar, apenas desejo vê-la. Meu coração está batendo forte e tento controlar a respiração ou acabarei me tornando um paciente. Pergunto à recepcionista sobre Melissa, aguardo ansioso enquanto ela confere em seu computador, algum tempo depois ela me informa que a paciente já havia ganhado alta e estava em casa.

Me sinto feliz por ela estar melhor, mas frustrado e bufo várias vezes por não poder vê-la. Saio do hospital e fico sentado em minha companheira, a moto, tentando desistir da loucura que pretendo fazer. Preciso ver Melissa para ter certeza de que está bem, e não me importo de correr riscos...

MIL DIAS COM ELA🌻Livro Físico EditoraLitteraOnde histórias criam vida. Descubra agora