Capítulo 11 (continuação)

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2016

Agosto

Saio do banheiro preparada para ouvir outra provocaçãozinha, mas encontro um quarto vazio e gelado. Meu corpo caí na cama, o tornozelo ainda reclamando e o coração ameaçando pular pra fora da boca. Não sei porque o que ele me disse me irritou tanto. E daí que o Diego não sente atração por mim? Melhor assim! É claro que é melhor assim, afinal ele é um bronco, um atrevido, um... Arrrgh! 

Deslizo meus dedos pelo meu rosto; nariz pontudo, queixo arredondado, boca larga e lábios grossos, olhos em formato de amêndoas... O que há de errado comigo?  Será que não sou boa o bastante pra esse peão de quinta.... Quem ele pensa que é? A última bolacha do pacote?!

Diego é claramente um problema. Pude perceber pelo jeito como conversava com as meninas noite passada que ele é um galinha. Não deixou passar despercebido um rabo de saia sequer, e mesmo assim, aqui estou eu... Irritada porque ele não me acha.... Paquerável? Desejável?  Ah, que se dane aquele imbecil!

Olho ao redor e me pergunto como é que eu vim parar aqui. Nem em mil anos eu iria pensar que essa viagem ao haras da minha família acabaria assim. É claro que eu sabia que coisa boa não poderia vir disso, mas se tivessem me contado eu acharia que se tratava de uma piada de mal gosto.

Apesar de todos os sinais que o mundo aparentemente quis me dar sobre o que poderia acontecer ontem,  a voz de Daniel ainda ecoava na minha cabeça. Como um disco quebrado, me lembrando que Caio e Gabi estavam juntos. De novo. A revelação-não-tão-reveladora realmente ficou engasgada, machucou fundo, porque em algum lugar eu queria acreditar que poderíamos ficar bem. Sei que esse tipo de ferida não se cura de um dia para o outro- talvez isso soe patético-, mas eu realmente pensei que... As coisas iriam se ajeitar e a gente ia conseguir se apaixonar de novo. Reconstruir nosso relacionamento.

Claro que eu estava errada!

Por mais que eu quisesse, com todas as forças que me restam, ficar me lamentando e choramingando pelo resto do dia, preciso me mexer. Minha mãe sempre disse que quando nos deparamos com um problema, existem duas formas de agir. Ou você se torna um agravante, ou busca uma solução. Pois bem, de hoje em diante tentarei ser a solução.

 Ok, minha vida estava um caos. Meu namorado me traiu duas vezes com a minha ex-melhor amiga. Havia algo incomum na forma que Daniel se sentia em relação a mim, a nós, a nossa relação e eu não fazia ideia de como lidar com isso. E, para completar essa equação desastrosa, estava perdida com um peão bronco e arrogante no meio do nada. Um peão bronco e arrogante que por acaso era lindo de morrer. Ah, mas eu não ia me deixar vencer. Jamais! Meu pai, que também é ótimo em frases motivacionais, costuma a dizer que o lema da nossa família é: Os Fernandes nunca desistem. 

Não podia passar o resto da minha vida fingindo para me proteger, me forçando a acreditar por pura teimosia, ignorando meu coração, a razão e todo o resto só por medo de correr riscos, de ficar sozinha. Não podia passar o resto da vida querendo me proteger, porque  se machucar é inevitável. Percebo isso agora.

Eu preciso entender de uma vez por todas que tudo bem desistir. Tudo bem deixar ir. É que às vezes é simplesmente impossível se manter numa situação degradante, seja um amor sem cor ou uma amizade sem respeito.  

Dói assumir que a gente precisa abrir mão, porque a gente se acostuma. Porque a gente pensou, por um instante, um dia ou três anos que ia dar certo, que seria para sempre. E, de repente, a terra treme sob seus pés e seu  castelo de cartas caí, então você vê tudo... Tão claro e óbvio que se questiona como não percebeu. 

Não faz mal deixar o passado para trás, ele faz parte de cada um, mas passou. Sempre tive medo de sentir algo assim, tipo desprendimento. Como algo que um dia importou tanto e fez tanta diferença pode ser largado, esquecido tão facilmente? Aí que tá, não pode. Nunca é fácil esquecer um amor e não é possível apagar as marcas que ele deixa na gente, mas  agora eu entendo que a única forma de coexistir com seu passado é desapegando daquelas ideias, ilusões, expectativas e aceitar o fim. Virar a página, fechar o livro. E isso, ao contrário do que eu pensava, não é frieza ou indiferença, é coragem!

Não é errado seguir em frente. Não é errado sofrer pelo fim de um relacionamento ou demonstrar sua dor. E, Deus, eu sinto tudo. Dor, decepção, tristeza. Sinto também certa alegria na possibilidade de um recomeço florido. 

Não posso mais tentar esconder minhas grandezas, atrás de detalhes, sufocar meus desejos para manter uma sensação de segurança e estabilidade. Não posso continuar a me esconder de mim.

Tina apareceu no quarto segurando uma blusa de lã e uma legging preta, me entregou também uma camiseta estampada para usar por baixo. Em seguida explicou que aquelas eram suas roupas de juventude, quando ela ainda era magra e esbelta como eu. Fiquei sem graça e agradeci a gentileza, ela me avisou que o Diego já estava comendo e que eu deveria me apressar porque estava tudo quentinho. Concordei e num pulo troquei de roupa, na sequência desci as escadas e sem fazer contato visual sentei-me à mesa. 

Depois de comer e tomar quase um litro de suco de laranja, me virei para Diego, que mascava uma broa de caxambú:

-Tá, e aí, qual é o plano?- ele lambe os dedos e limpa a boca com um guardanapo- Já tentou ligar pro haras? Eles já devem estar doidos atrás da gente!

-Cortaram a linha do hotel- ele afirma e eu bufo em resposta.

-Que droga!

-Pois é, acho que nossa melhor opção é ir até essa lanchonete que Tina me falou. Fica bem pertinho daqui...

-Pertinho quanto?

-Um 6 quilómetro mai ou meno, meu bem- disse Tina.

-Aceitável- assinto para Diego.

-Vamos até essa lanchonete e ligamos pro haras. Alguém deve ter telefone por lá- ele fuzila o casal que conversa baixinho perto da pia- Dá pra acreditar que nenhum dos dois tem telefone celular. Quem não tem telefone hoje em dia?- ele parece indignado.

-E isso é, na sua opinião, a coisa mais que aconteceu desde que saímos daquela festa?- dou risada- Você não acha bizarro que esse hotel fique no meio do nada, completamente perdido no tempo e no espaço, mas acha estranho que eles não tenham celular?

-Tá, espertinha, quer ouvir o plano ou não?- apoio o cotovelo na mesa e olho pra ele- Então, vamos até lá pedimos para usar o telefone e ligamos pro haras avisando onde estamos para alguém vir nos buscar e pronto. Problema resolvido.

-Uau! E você bolou esse plano IN-CRÍ-VEL sozinho?- ele revira os olhos enquanto me levanto da mesa- Já pagou a conta?

-Sim- ele se ergue - Pronta pra dar o fora desse lugar?

-Achei que você nunca fosse perguntar.

Imperfeitamente Perfeito para MimWhere stories live. Discover now