Capítulo 3

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2016

Agosto

Hoje é quinta-feira. O dia D. 

Estou zero preparada para isso. Mal consigo visualizar a cena sem sentir vontade de vomitar, então assim... Minhas perspectivas para esse social distancing  não são nada animadoras.

Meu pai para na porta do colégio, me lembra (como se precisasse) que o seu funcionário, aquele tal de Diego, estará em casa por volta as 5 da tarde. Assinto conforme saio do carro. Minhas mãos formigam. 

Aproximo-me da porta do colégio num movimento automático, mal sinto meus pés me arrastando em direção ao corredor principal e lá está ele. Meu príncipe encantado. Meu final-feliz.  

Quando Caio vem em minha direção e toma minha mão na sua, me sinto presa a uma jaula. Mas, nesse caso, eu tenho a chave que abre a porta para a minha liberdade e mesmo assim aqui estou. Engaiolada.

-E aí, amor, tudo certo?- ele me conduz pelos corredores, completamente alheio aos olhares e cochichos.

Achei que há essa altura o povo já teria esquecido o incidente da festa da Bia e minha briga com a Gabi no primeiro dia de aula, mas parece que não. Jesus! Esse colégio tá muito morto. Quase uma semana sem um bafão novo, pela mor né...

É difícil, não vou negar! Tem sido difícil caminhar de queixo erguido e segurar essa barra que é ter perdoado Caio. Se você pensa que é fácil manter a compostura quando todo mundo sabe que você é uma corna, está erradx. Eu te garanto, é um experiência de constante incômodo. 

Sinto os julgamentos no ar, sinto os olhares maldosos, os xingamentos sussurrados. O que todos parecem estar entendendo mal é que: quem me traiu foi ele! Ele me enganou. Ele! Não, eu!

Quem tem que se sentir mal toda vez que entra numa sala ou no banheiro é ele, não eu!

Parece que o mundo está de ponta cabeça, na moral!

Eu nunca gostei de ter pessoas prestando atenção em mim. Inclusive, minha timidez era tamanha que meu pai achou válido me inscrever em aulas de teatro. "Vai lhe fazer bem!", afirmou. "A menina precisa aprender a socializar, Ronie...", minha mãe sorriu e deu de ombros. Não é à toa que no ano seguinte ele se recusou a continuar pagando a escola de artes. Lembro-me perfeitamente daquele dia, minha grande apresentação. O tema da peça era um musical adolescente sobre um casal de jovens que se conhece no colégio; ele é jogador de basquete e ela ótima em ciências, apesar de, aparentemente, não terem nada em comum, os dois descobrem seu amor pela arte juntos e se apaixonam. É lindo, não? É, eu sei!

Na época me lembro que eu gostava da personagem antagonista, que tentava, a todo custo, ser a protagonista, mas falhava miseravelmente. Contudo, por ser extremamente quieta a diretora me colocou em outro papel. Eu e mais uma fomos escaladas para interpretar a garota totalmente na dela que tinha um talento imenso, tocar piano!

Eu, Érica Fernandes, nunca ousei por minhas patinhas em um; vovó me acusaria de heresia se o fizesse! Naturalmente, a outra garota tocava. 

Isso resultou em uma distribuição diferente das falas, para o desgosto de meu pai e vitória silenciosa de mamãe. 

Enfim, lá fui eu! Desbravar o mundo dos palcos... Ou algo do tipo. 

A pequena Érica entrou no palco com o pescoço quase colado no peito, óculos de lentes falsas e uma saia jeans que lhe cobria os joelhos ralados, sentou-se ao lado da outra garota junto ao piano e assistiu à uma discussão entre a outra e o casal protagonista; aguardando, ansiosamente, sua deixa. Que, por estar distraída olhando a movimentação na coxia, acabou perdendo.  É,  eu não consegui dizer a minha única fala.  

Imperfeitamente Perfeito para MimOù les histoires vivent. Découvrez maintenant