Capítulo 31

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Se perguntarem para as pessoas qual o significado da palavra medo, ou talvez de terror, penso que muitas opiniões serão unânimes... O medo do desconhecido, a hesitação do próximo passo, o tatear no escuro, à espera e ansiedade crescente da aparição do monstro antes de devorar a presa.

Mas agora, na escuridão de casa, ouvindo os trovões anunciando a tempestade que vem de fora, penso que esse sentimento clássico, que me ronda, pode ter outros significados. É o sufocamento, a dor, a raiva, a vontade de fugir sem ceder e a vontade de vomitar de uma vez, como uma bile negra e viscosa o que ameaça me destruir.

Desta vez eu não sou a vítima incauta do filme classe B. Eu sou o monstro. E tenho de buscar em mim forças para atacar o outro, destruir para poder salvá-lo. E a todos que amo...

Viro a garrafa e a bebida quente me invade, na tentativa de dissolver o gelo que me envolve o peito. Um choque, talvez, para que a vida retorne nessa casca vazia... Em vão. Noto a garrafa vazia e pego outra, até que a vista começa a embaçar... As lágrimas não cessam e ali permaneço, gemendo baixinho, à espera do momento em que terei o meu coração arrancado.

Eu tenho a impressão de que ele vai chegar a qualquer momento, sem aviso. Que ele vai me tocar levemente, aos beijos, e verei que foi tudo um pesadelo. Até começo a sorrir, alimentada por essa esperança tola, mas a única coisa que se faz presente são as gotas de chuva caindo lá fora. Irônico pensar nisso, que foi sob as gotas do céu que essa história começou, e também terminarão.

O coração acelera e as mãos ficam trêmulas, mas tenho de fazê-lo. Vou para o quarto e começo a jogar algumas roupas na mala, documentos e passaporte, junto as minhas lembranças e lágrimas.

***

Querido Lex,

Nunca fui boa em desapegos, despedidas e ausências. Consigo acumular cores, texturas, cobrir o tecido branco da tela com camadas de tinta, a fim de eternizar lembranças. Temo a sensação de finitude, de que algo não seja para sempre.

E com isso me anulo. Me deixo levar pelas emoções. Me aprisiono, disfarço e iludo, mesmo que meu íntimo se despedace... E, para criar, eu tenho de ser livre, meu garoto.

Para isso preciso me livrar de você. De sua presença que me entorpece e me quebra, molda minhas vontades e medos, me faz acatar e adentrar universos que nunca foram os meus.

Eu não quero mais o seu amor intenso, imaturo e inconsequente... Por isso eu fujo, e me afasto de você, como uma pintura única e gigantesca que sou apenas capaz de encarar à distância, para poder ser eu mesma de volta, e não apenas mais uma parte de você.

Sei que isso vai te magoar, e muito. Assim como sei que um dia me perdoará, pois o tempo nos traz sabedoria suficiente para entender o mundo... E o quanto ele se torna maior quando descobrimos que nossas jornadas são solitárias.

Sim, o conceito de amor que te ajudei a alimentar é uma mera ilusão, um truque... Ele só é bom enquanto os outros não se apoiam em nós para sermos felizes. E eu já não estava dando conta do seu peso sobre mim, Lex...

A verdade é que odeio casamentos pomposos e regras de etiqueta. Desprezo o seu mundo de riquezas e absurdos. Gosto da simplicidade da vida, dos momentos de aconchego, onde as pessoas importam e não o que elas têm. Amo o meu garoto e sempre irei amá-lo, aquele que vinha para mim sem regras ou imposições, me amava sem pressa ou cerimônias, aquele que parecia tão velho e fazia com que me sentisse tão jovem... Pena que ele mudou... Ou finalmente se despiu das minhas expectativas.

O GarotoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora