Capítulo 19

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Nesse momento, de olhos fechados, o garoto se torna velho. Tomado pelas lembranças dolorosas, vejo que contém no peito uma tristeza profunda que só ele sabe o quanto ocupa de espaço dentro de si. Suspira e chacoalha a cabeça, como se evitasse afogar.

Por fim, se contém. Se distancia da cena antes de continuar, sabendo que nas histórias reais o ponto de vista não é dos heróis ou vilões, mas sim dos sobreviventes.

A mim, nada mais cabia a não ser escutá-lo. E mostrar que as narrativas servem para que não cometamos os mesmos erros, já que nem todas são iguais...

— Meu pai sempre foi um homem metódico e calculista. Programou os próprios passos e conquistas de maneira fria, prevendo sucessos e danos, tomando assim as decisões que fossem em favor dele. Algumas coisas eram fora do controle dele, como o fato de minha mãe ter lhe dado apenas um filho, por exemplo, diminuindo consideravelmente a chance de perpetuar com sucesso o próprio legado... Mas, eu nunca fui uma exceção, na cabeça dele. Se podia moldar a própria existência, porque não a minha, que considerava uma valiosa extensão? Por qual motivo estaria isento de suas vontades se cabia a mim o título de herdeiro? Nada mais lógico então que ele vigiasse os meus passos, mesmo que em minha ilusória bolha nada percebesse...

— Só que os pais nunca sabem de verdade o que acontece no coração dos filhos... — na mesma hora pensei em Brina. Em como descobrir o que lhe ia na alma, fez com que me revesse. — E quando descobrem uma pequena parte, uma centelha que sejam, percebem o quanto somos cegos a caminhar pela multidão...

— Não o senhor César Cerqueira... Ele ignora o que somos e molda segundo o conceito idealizado por ele. Se mesmo assim as coisas o desagradarem, ele as destrói. E foi isso que fez com aquele que foi o meu primeiro amor... Deixou que vivêssemos aquela história, achando que estávamos seguros. Primeiro pensou que seria uma ilusão, algo bobo, para apagar meu fogo... Aí viu que as coisas estavam indo longe demais... Sempre planejou que eu me formasse com louvor, me casasse com a filha do dono da única rede de hotéis que competia com a dele, e uníssemos assim nosso conglomerado, transformando-o em um dos maiores do mundo.

— Como você sabe disso tudo?

— Ele me chamou no seu escritório e me contou, rindo, na maior tranquilidade do mundo. Nunca pensei que, enquanto nos encontrávamos em discretos motéis ou na casa dela nas tardes ou madrugadas, ele tivesse colocado alguém para fotografar tudo e nos seguir. Paralelo a isso, contratou ex-alunos, sem escrúpulos e dispostos a fazer qualquer coisa por dinheiro, para mentir, falando que ela os assediava e os levava para cama em troca de excelentes notas. Com tudo isso nas mãos, ele foi até a diretora da faculdade e comunicou parte a imprensa. De fonte anônima, é claro... Sem mencionar o meu nome...

Me choco com o tamanho da destruição causada, me compadeço dessa mulher cujo único erro foi entregar o coração – se posso julgar isso uma falha.

—Ele havia me chamado ao escritório enquanto a merda era jogada no ventilador... E eu fui, sem imaginar na armadilha que caía sobre mim. Meu pai evitava que os seus atos respingassem sobre mim e a família. Mas, ao ver todo o sórdido plano dele, desfiado em tom jocoso de vitória, me levantei na mesma hora, disposto a impedi-lo, e a mostrar que nunca abandonaria àquela que era amada. Entretanto, na vida real, nem sempre o amor vence. Até tentei sair, mas a porta de madeira estava trancada. Chacoalhei, pedi que abrisse, implorei, mas ele parecia ter tudo sob controle. Avancei sobre aquele que deveria ter como exemplo e lhe grudei no colarinho, mas ele sem titubear me jogou ao chão com um soco, me chamando de fraco, insistindo que deveria ter vergonha por aquela atitude. Gritei, frustrado. Destilei sobre ele o meu ódio, mas ele ignorou friamente. Comecei então a quebrar as coisas, ensandecido, mal vendo que ele já tinha tudo pronto. De repente, braços fortes me agarraram, me prenderam, causando-me dor e surpresa. Tentei espernear, pedir ajuda, contar a verdade, mas logo a dor da agulha veio, seguida do esquecimento.

O GarotoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora