Capítulo 5

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Oi, Pati

Eis que volto para o mundo dos vivos 

Sei que sumi essa última semana. Mal falei com você quando me ligou, mas viu a zona que estava com a família aqui, Sofia querendo ser Capitã Marvel numa hora, e na outra a Mulher Maravilha... Enquanto Brina... Era ela mesma. Estava passando por uns pequenos perrengues, mas penso que agora as coisas ficarão bem. Bom, dentro do possível... Bom, por aí eu sei está tudo bem... Afinal, se tivesse acontecido alguma merda, eu ficaria sabendo. Afinal, notícias ruins chegam rápido, né não? Então vamos que vamos!

O bom é que agora a casa voltou a ser só minha. Posso esticar os pés no sofá e assistir algo que não seja de animais cantando ou dancinhas estranhas, andar descalça na grama e ouvir só o canto harmonioso dos passarinhos. Depois de vários dias tendo de socializar, sendo mãe e avó, descobrindo verdades nas palavras e analisando fatos, descobri que preciso urgentemente fazer uma coisa que antes julgava impensável: me encontrar. Fazer só aquilo que realmente quero e preciso, me entende? Sem filhas contando problemas, a neta correndo por todos os lados, repetindo vó, oh vó, o dia todo, com a mesma energia de Brina quando tinha a idade dela, por exemplo. Essa menina é agitada demais, minha gente! Ou a agente me cobrando novas peças, amigos exigindo que eu apareça, ter uma multidão dentro de mim... Mas é melhor parar com isso, pois pelo jeito, se continuar assim me tornarei aquelas artistas velhas e depressivas, cuja próxima coleção só falará sobre a morte e a finitude... Sai dessa!

Como é bom conseguir digitar aqui sem interrupções, ou alguém me chamando... Apesar de que faz tempo que isso não acontece por aí, né amiga? O pior é que gosta disso. De casa cheia, cercada de filhos e netos, gente entrando e saindo, expulsando o silêncio como se este fosse um demônio. Nem estou criticando se gosta disso, que fique bem claro. Se um dia desejei isso, acho que já passei dessa fase...

Sempre dizia que ia virar uma velhinha louca, lembra? E tarada, você completava, antes de cairmos na risada. Isso aconteceu há décadas, mas ainda me faz rir sozinha algumas vezes. Acho que estou precisando exercitar mais essa última parte.

Bom, vamos parar dessa coisa de viajar pelo túnel do tempo. Saudosismo nunca foi algo que combinou comigo. Espero que o Mílton e as crianças – os filhos, não os netos – estejam bem. Noemi é a única que me liga de vez em quando ou me manda mensagem.

Mas sabe que adoro quando o povo some? Porque gente feliz não aparece mesmo, ganha tempo curtindo a vida.

Paro por aqui. A minha primeira providência agora – logo após apertar o ENTER e enviar essa mensagem

O que mais posso desejar da vida?!

Imagino a sua cara agora. Não finja estar em choque, pois nunca tivemos censura em nossas conversas.

Beijos e desejos de uma boa noite.

Vanessa

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Me lembro de uma época onde achava que todas as histórias de amor valiam a pena, mesmo as mais bobas, quase insignificantes. Porque, convenhamos, quando este surge, o verdadeiro mesmo, é algo tão raro... Porque deixá-lo se desperdiçar, não é mesmo? Talvez o que me incitasse a defender a existência dos ideais românticos fosse a energia da juventude, a esperança de me relacionar com alguém com a intensidade e luxúria que a sociedade preza pelos quatro cantos, para todo o sempre, amém. Mas acho que com o passar do tempo isso arrefece, desbota, perde a áurea quase mágica que cerca esse ideal. Casamos, descasamos, criamos os filhos, construímos e destruímos as coisas, mudamos valores, transformamos as coisas nos mais diversos níveis de importância. Deixamos de lado coisas que antes eram tão importantes, enchiam nosso coração de expectativa.

O GarotoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora