contra as marés

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— Então você queria mesmo era ser dançarino? — o tritão perguntou enquanto colocava mais uma balinha de gelatina na boca, suspirando em deleite pela textura que ele tinha gostado tanto e pelo sabor que, apesar de muito artificial, era mais viciante a cada ursinho colorido que ele comia. Aproveitei o momento pra roubar um dos vermelhinhos do pacote, o que o fez me olhar bravo já que aqueles eram, definitivamente, os favoritos dele.

— Sim e não... — respondi enquanto me ajeitava nas pedras lisas, não tendo medo do sol às dez da manhã porque o dia estava bem nublado e o céu todo coberto de nuvens deixava claro que eu me queimaria mais com o mormaço do que com ele. — Dança é uma das minhas coisas favoritas na vida, eu danço pra viver ao invés de viver para dançar, entende? Mas não queria que isso se tornasse uma obrigação e perdesse a graça, então fui pra biologia.

— E você gosta?

— Eu amo! Eu tô quase terminando o curso, sabe? Tenho que fazer o trabalho de conclusão de curso, até comecei ele, mas tenho feito uma pausa por conta do festival. — e ele me olhou como se tivesse entendido perfeitamente, mas eu sabia que ele não entendia nada sobre o que era um trabalho de conclusão ou o quanto ele era difícil e tortuoso, principalmente quando eu sacrificava um dia da semana para isso.

O meu dia livre era, definitivamente, o meu dia favorito da semana, não só porque nesses eu sempre combinava com o meu pai de que comeríamos sashimi, mas também por ser o meu dia livre de qualquer compromisso e aula da faculdade. Poder fazer meu próprio horário me dava essas lindas oportunidades, e mesmo que dias livres no final da semana possam ser melhores, eu sempre preferi pausas pra respirar no meio dela. Naquela semana de junho, a certeza que eu tinha desde o primeiro dia era que eu iria respirar junto de outro alguém que tornaria o dia livre ainda melhor.

No dia anterior, antes de me despedir de Taehyung logo depois de termos passado por aquele clima tão estranho sobre canto e reações estranhas perto do outro – e obviamente termos evitado o assunto ao máximo porque precisávamos de um tempo pra pensar – eu tinha dito sobre poder passar o dia com ele e o tritão aceitou de imediato, o que até me tirou um suspiro aliviado porque eu tava quase implorando pra que ele passasse o dia comigo porque queria esquecer um pouco do clima tenso entre nós dois de qualquer forma. Não era como se eu tivesse vários planos para o dia, o que eu tinha trago era praticamente o mesmo do outro dia com o adicional de uma fruta ou outra que meu pai comprou, então estávamos desde oito horas da manhã ali, juntinhos.

Por incrível que pareça, nós não marcamos nenhum horário pra esse encontro, até porque no dia anterior estávamos tão envergonhados e sem palavras que só nos despedimos e saímos correndo cada um pro seu lado, mas naquela manhã foi quase que automático tomar um banho, comer algo pra não ficar de estômago vazio e pegar a mochila pra ir até a piscina natural entre as pedras. Quando eu cheguei lá, quase nove horas em ponto, o tritão já estava por ali também, e fiquei impressionado em como tudo aquilo pareceu simplesmente natural.

Não que eu queira falar muito sobre horário, apesar de eu ter muitos argumentos contra gente que se atrasa demais, mas daquela vez foi um tanto estranho, entende? Quer dizer, eu sei que eu gosto de sair bem antes pra ir pra um compromisso, talvez Tae tenha essa mesma regra própria de não deixar ninguém esperando, mas foi meio sobrenatural a forma com que nós dois acabamos nos encontrando num horário exato como se tudo tivesse sido milimetricamente combinado. Parecia que o oceano me chamava, quase como um berreiro inteiro, dizendo que eu teria que sair logo de casa, e, quando coloquei meus pés pra fora da porta principal, era como se eles me guiassem por si só, sabendo o exato caminho e tempo que levaríamos.

A necessidade de ficar perto do tritão era quase sufocante, toda vez que eu voltava pra casa o meu corpo parecia implorar para que eu voltasse, e eu meio que já aceitei que, se dependesse de mim, eu passaria dias e dias ali com ele. Era algo maior do que simplesmente aproveitar a companhia de Taehyung, disso eu tinha certeza, só não sabia bem de onde isso vinha e confesso que me assustava um tanto, até porque acho que nunca ouvi falar de alguém que ficou tão rendido assim por um sentimento em tão pouco tempo; era como se eu tivesse encontrado tudo o que eu sempre estive procurando, mesmo que eu sequer saiba o que eu queria durante esses anos todos. O oceano havia me presenteado e, agora, eu sentia que eu devia o entregar algo em troca.

o conjurador de marés | vmin / pjm +kthOnde as histórias ganham vida. Descobre agora