Cemitério de rosas CAPITULO I

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Não havia nada lá, somente um homem, um homem escrevendo em um papel velho que antes jazia amassado em seu bolso. Ali, ele se mantinha sentado no chão, um hábito que não costumava ter. Suas letras eram tortuosas, quase ilegíveis, pois sua mão estava trêmula. Seus traços pareciam amedrontados e suas palavras tristes "É mais escuro do que me lembrava, é tão denso que não consigo ver nem sequer um palmo à minha frente. Lugares assim costumavam ser acolhedores para mim, mas hoje não. Eles estão lá fora, todos eles, eu os ouço. Mesmo com estas paredes grossas, posso ouvir seus gritos irados, o tinir de foices e machados. Posso imaginar suas faces de dentes serrados, iluminadas por uma única chama. Ansiando pela minha morte, eles aguardam que eu abra os limiares de entrada, mas eu não farei isso. Eu já havia sentido medo, mas nunca desta forma. Consigo sentir o meu coração batendo. Nos últimos anos, eu já imaginei como seria minha morte inúmeras vezes. Mas nada disso importa agora, pois é aqui que eu conto para o nada, sobre o meu fim eminente, sucumbido pela fome ou talvez, por algum tipo de loucura que desconheço. Sim, hoje eu vou morrer e tento encontrar forças dentro de mim para lidar com isso" Ele dobrou àquele papel duas vezes e o guardou em seu bolso novamente, aguardando agora, seu destino inevitável.

Dois meses antes

Era fria aquela noite, a periferia de Brunswick se mantinha silenciosa, escura e fúnebre. Quando o jovem Egbert se levantou de seu sono diurno, já havia anoitecido há quase uma hora, ele se pôs sentado sobre a cama, trajando o mesmo pijama velho que sempre fedia a mofo.

Trocar o dia pela noite era uma rotina que já mantinha por meses, dormir naquele albergue de teto baixo e paredes carcomidas, era como hibernar, pois, enquanto a periferia se mantinha agitada, ele repousava, com seus sonhos que se repetiam e suas lembranças tortuosas. Quando se pôs de pé, se dirigiu até um espelho rachado fixado na parede. A cada passo que dava, o assoalho de madeira gemia. Quando olhou para seu rosto, pálido e ainda sonolento, esfregou seus grandes e redondos olhos castanhos, passando as mãos por seus cabelos negros como as plumas de um corvo.

Ele trocou suas vestes inapropriadas por outras que guardava em um armário ao lado da cama, uma camisa branca de recorte simples, suas calças que eram seguradas por um suspensório de couro e por cima do mesmo, pôs um colete preto, remendado inúmeras vezes. Quando se sentou novamente para calçar suas botas, viu um pequeno rato caminhado e farejando em um dos cantos do quarto. Ele se pôs a pensar em voz alta ­ — Maldição! Uma infestação de ratos é a pior coisa que poderia me acontecer agora.

Antes de sair, não pôde deixar de olhar pela janela. Esfregando sua manga no vidro embaçado pelo frio, ele viu a lua cheia, grande e brilhante, um céu pouco estrelado, e nuvens negras que corriam como uma névoa de corvos gorjeantes. A neve caia suavemente, cobrindo os telhados e as ruas. Era um pacato início de noite de inverno, das chaminés saia fumaça, as luzes das ruas já estavam acesas e todas as janelas já estavam fechadas, pois a maioria das pessoas jazia em casa.

Quando Egbert abriu a porta, pode ouvir os sons do andar inferior, risadas alegres, cantorias, tinir de garrafas e conversas altas. Ele saiu do albergue, descendo as escadas para o andar inferior, onde uma agitada taverna se mantinha ativa. Lá, bêbados encrenqueiros riam e cantavam, prostitutas sentavam-se a mesas na companhia dos demais, apostadores testavam sua sorte com arremessos de facas e jogos de cartas. Àquele lugar era envolto em um odor de álcool e tabaco. O taverneiro gordo, que estava atrás de um balcão, trajando um avental sujo, limpava um copo de vidro com um pano esfarrapado, ele seguiu Egbert com seu olhar que demonstrava um ar de cansaço e desconfiança. Quando viu que o mesmo, com sua face ainda sonolenta e olhos virados para baixo, se sentar ao balcão, respirou fundo, como se estivesse tentando manter a paciência antes de lhe dirigir a palavra — Olá Egbert, o que vai querer está noite?— Ele respondeu com seu jeito objetivo e voz fraca — Vodca — o taverneiro escorou seus cotovelos sobre o balcão, levantou suas sobrancelhas e disse — Você tem dinheiro para pagar isso? — Egbert ergueu sua cabeça lentamente, hesitou por alguns instantes, como se estivesse pensando em uma resposta — Desconte do meu aluguel, eu lhe pago final do mês. O taverneiro se mostrou levemente irritado, pois aquilo lhe pareciam palavras vindas de um larápio — Você ainda não me pagou o aluguel, deste mês e do mês passado! — Insistente, o jovem enfiou a mão em um dos bolsos de seu colete, apanhou duas moedas de ouro e jogou sobre a mesa — Isto não paga tudo que eu lhe devo, mas serve por enquanto — O taverneiro vendo que possuía mais trabalho e sabendo que suas insistências se estenderiam, acabou cedendo e lhe entregou o que pedira. Sobre o balcão, ele colocou o copo de vidro que tanto limpara. Esticando seu braço gordo e peludo, apanhou da prateleira de traz uma garrafa de vodca, arrancou a rolha com os dentes e encheu o copo até a metade. Egbert o apanhou e o ergueu para cima como se quisesse propor um brinde, demonstrado esbórnia antes mesmo de beber — E que os deuses mantenham as mulheres nas nossas camas e a bebida nos nossos copos! — Antes de virar as costas, o taverneiro lhe sorriu com um ar de pena. Egbert engoliu a bebida com um único gole, sem degustar, pediu outra dose, e outra, e mais outra. A garrafa que antes estava cheia, estava na metade. Sua mente estava envolta em brumas, sua cabeça parecia girar, quando a garrafa já estava quase vazia, deitou seu rosto no balcão e dormiu tão profundamente, que era quase impossível acordá-lo. Roncando alto, imerso em sua própria esbornia.

Cemitério de rosasWhere stories live. Discover now