Cemitério de rosas CAPITULO IV

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Na manhã seguinte, Egbert foi até a taverna. Naquele horário, o local era pouco movimentado, as mesas estavam vazias, as velas apagadas e o taverneiro estava em pé ao fundo do balcão. Trajando seu mesmo avental, era como se estivesse trabalhando de maneira ininterrupta desde a última vez que o viu. Ele manejava um cutelo, erguendo acima de sua cabeça e despencando no que parecia ser uma lebre já esfolada sobre o balcão. Ele seguiu o rapaz com seus olhos cansados e limpou seu nariz com o pulso — O quarto não é mais seu — Disse o taverneiro ao perceber que seguia em direção as escadas — O que disse?— Suas palavras foram diretas, pois sua paciência já havia se esvaído — Eu o aluguei para um cigano, ele disse que iria ficar nesta região por alguns meses — Egbert expressou um olhar surpreso — Você está se precipitando. Eu tenho um trabalho agora, posso lhe pagar o que devo. É claro que demorará um pouco, poderíamos ficar quites em poucos meses — O taverneiro se mostrou indiferente. Enquanto desferia golpes de cutelo e separava pedaços de carne, somente uma curiosidade lhe veio à mente — E com o que está trabalhando? — Ele esperava ouvir algo como: Contrabandista, caçador ou até comerciante —Trabalho para Emmet Vann Drausen, no cemitério local. O pagamento semanal é bastante justo — O taverneiro não acreditou no que havia dito, pois ele morava na região desde o dia de seu nascimento e nunca ouvira falar de ninguém com àquele nome. Isto era de se esperar, já que poucas pessoas conheciam o coveiro, pois nunca havia saído do cemitério — Sinto muito, o cigano já pagou adiantado e irá ficar no quarto a partir de amanhã à noite — Só restou uma opção para Egbert, entrar em sua moradia pela última vez, recolher seus pertences e abrigar-se onde agora seria seu novo lar, o cemitério.

Ele não possuía muito consigo, uma faca de chifre de veado quase cega, um relógio de bolso de ponteiros parados, uma caixa de palitos de fósforos úmidos, alguns livros, jornais antigos e suas roupas. Ele fechou suas malas sem muita dificuldade e as carregando uma em cada mão, retornou ao cemitério.

Caminhando e olhando ao seu redor, tentou memorizar o máximo de coisas que pudesse, pois caso se perdesse novamente, possuiria ao menos, pontos de referência. Emmet passou ao seu lado, com passos largos, carregando uma pá deitada sobre seu ombro — Bom dia. Há algumas tarefas para você hoje — Egbert lhe olhou atento, tentando esconder seu olhar distraído — Certo, e quais são as tarefas? — Perguntou o jovem, com a imagem em sua mente de corpos sendo arrastados pela neve — Eu tomei a liberdade de escrever um bilhete, eu o deixei sobre a mesa de jantar — O coveiro se despediu e virou as costas, sem lhe questionar o porquê de estar carregando as malas. Com seus braços dormentes, ele se aproximou da casa, a porta estava destrancada, ele a abriu empurrando-a com seu ombro, e despejou suas malas no chão de madeira.

No interior da casa, a poeira dançava entre os feixes de luz que vinham das janelas. As cortinas de cores acinzentadas eram longas e esfarrapadas. Tudo era antigo, a lareira de pedra que era usada frequentemente, o divã vermelho sangue de pernas ondulares, no qual dormira anteriormente, posto junto à parede e até o lustre de cor ouro, pendurado no teto, envolto em teias de aranha. A prateleira de livros empoeirados continha títulos como: "A origem da demência" do Dr. Helliot Fraghonat, uma edição recente de capa verde escura e de letras garrafais do bem aclamado "O inimaginável sombrio" do autor Diabulus Beuving, a biografia não autorizada de Vlades Francen e a edição original de 1756 do controverso "A morte dos incrédulos" do visionário escritor Morthis Strasen. Além destes, a prateleira continha outros títulos de auto-ajuda, de poesias romantizadas e outros menos interessantes. Algumas pilhas no topo da prateleira continham títulos que remetiam a estudos como a medicina e artes eruditas em geral. Tais livros eram grossos e de capas simplistas, estes, estavam tão empoeirados que pareciam não serem tocados há décadas. A sala era coberta por um papel de parede listrado, cinza e preto. Havia uma escada de corrimão único de carvalho escuro, que dava acesso ao segundo andar, no momento, ele não havia motivo para percorrê-la. Ao lado das escadas, haviam algumas pinturas emolduradas, de imagens em preto e branco. Uma delas representava com borrões escuros, uma imagem simétrica do que parecia ser um morcego, outra do mesmo tamanho, com os mesmos tipos de cores e traços, demonstrava o que aparentava ser um crânio humano. Dentre estes quadros, o maior e mais chamativo possuía um formato oval, Egbert demorou alguns instantes para perceber que era a face de Emmet quando mais jovem, de cabelos curtos e sem sua cartola. Tudo estava envolto em um silencio quase absoluto, com exceção de um som, um som repetitivo que se destacava, parecia ecoar no vazio daquele local. Era um antigo relógio de cordas, o artefato era muito belo, estava pendurado na parede ao fundo, era feito de uma madeira escura bastante envelhecida. Egbert se virou e olhou em sua direção. À medida que o fino ponteiro dos segundos se movimentava "tic tac tic tac" ele o observava com atenção, se mover naquele círculo de números. Eram 11h45min da manhã, o horário estava correto, o que demonstrava que lhe era dado corda frequentemente. Seus números romanos e ponteiros eram pretos, destacavam-se pelo fundo completamente branco. Ele sempre fazia o mesmo barulho, sempre o mesmo som, "tic tac tic tac". Seu pêndulo balançava de um lado para o outro, em um mesmo ritmo, hipnótico e constante. Àquele som se repetia tantas vezes, que era como se pudesse ouvi-lo dentro de sua mente. Haviam duas portas, uma estava ao lado direito do relógio, esta, dava acesso a um banheiro simples, a outra, dava para uma sala de jantar ao fundo. Lá, as louças compostas por cálices, pratos de metal e talheres de prata, eram guardadas nas estantes de um armário. A julgar pela grossa camada de poeira, não eram usadas com frequência.

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