- Que tipo de vigarista era esse Flávio?

- Um do tipo bem comum. O caça-dotes.

- Mas e os empregados que tomavam conta dela? Eles não impediram?

- Eles se afeiçoaram muito à minha tia, a despeito de serem pagos por meu pai... e nunca concordaram com o modo como ela era tratada. Mas guardavam sua opinião, é claro, com medo do grande Otávio Fontes Guerra. Só que isso não os impedia de terem carinho e procurarem alegrar a vida de minha tia. Não que fosse infeliz... ela não reclamava das coisas. Mas era muito retraída. E bem... depois que meu pai se casou e nem a convidou para a cerimônia e ainda meio que a deixou de lado, eles não puderam se conter e a incentivaram a sair com o tipo.

- Eles não suspeitaram dele?

- Que nada! O cara era do tipo mais perigoso... que sabia conquistar as pessoas, bancar o sujeito bondoso e preocupado. Não foi à toa que ele conseguiu aplicar o "golpe do falso noivado" em várias mulheres antes de tia Aurélia para arrancar quanto dinheiro pudesse. Minha tia não foi a primeira na lista a cair na sua lábia... mas com certeza seria seu plano de aposentadoria de uma carreira de golpes. Mas ele cometeu o erro de subestimar meu pai – Ricardo riu – Pobre diabo! Se arrependimento matasse, talvez desejasse nunca tê-la conhecido quando Otávio Fontes Guerra se inteirou.

- O que seu pai fez?

- Mandou capar o sujeito e ainda por cima mandou-o de viagem sem volta para trabalhar como escravo em alguma fábrica da China. – Letícia arregalou os olhos com expressão de horror e incredulidade – Sério. Bom, foi o que ele me contou... e não duvido nem um pouco.

- E sua tia?

- Mentiu para ela que o sujeito deu no pé... e mostrou a pasta de investigação sobre ele e os golpes em outras mulheres... e alguns delitos mais. Meu pai não queria que ela ficasse com pena do sujeito, do que fez com ele mesmo com as evidências de suas artimanhas. Queria que ela esquecesse o homem de qualquer jeito

- Você contou para ela o que ficou sabendo?

- Depois que meu pai morreu, sim. Mesmo assim, ela ainda foi capaz de defender a atitude do irmão apesar de tudo. – emulou um sorriso – Ela era boa demais para esse mundo

- E seu pai fez algo contra a governanta e o guarda-costas?

- Ele até pensou, mas desistiu depois que ela o informou que estava grávida. Precisava de gente de confiança para tomar conta dela e não espalhar a informação. Ele não queria arriscar que divulgassem sobre a irmã dele e, muito menos, o estado em que ela se encontrava. Claro, os castigou de outro jeito, baixando pela metade o salário deles. Mas eles continuaram firmes e fortes ao lado da tia.

- Menos mal. Mas ele aceitou numa boa a gravidez dela? Não a obrigou a abortar?

- Ah, claro que ele tentou! Mas em vão. Minha tia se recusou... e foi a única vez que ela o enfrentou. Se tivesse máquina do tempo, queria ter voltado e visto essa cena. – emulou um sorriso orgulhoso – Ele não insistiu porque acho que percebeu que se o fizesse, minha tia nunca o perdoaria. Meu pai apesar de tudo ainda se importava com ela. Era sua única parente conhecida, sua família, a pessoa mais próxima a ele... e sua companheira de infância, a única que dividiu com ele toda aquela situação vivida com o pai e a mãe deles.

- Mas imagino que aceitou a situação nos termos dele.

- Correto. Tia Aurélia continuaria no anonimato... assim como o bebê... e em troca meu pai ajudaria na educação da criança. Quando nasceu meu primo, ele foi registrado no sobrenome do tal Flávio... meu pai conseguiu uns documentos falsos e um empregado de confiança para se fazer passar pelo tipo. Afinal, mesmo o meu pai sendo de origem humilde, Fontes Guerra não é um sobrenome muito comum... e queria continuar mantendo o mistério sobre minha tia. Não seria bom para ele e para seus negócios àquela altura que descobrissem que ocultou uma irmã, por mais que alegasse uma proteção exagerada sobre ela.

Perigosas LembrançasWhere stories live. Discover now