Intermediária

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- Er... prazer – a voz de Letícia saiu assim como seu movimento ao apertar a mão da sogra. Havia demorado alguns segundos – Me desculpe, dona Carmen. Não quis parecer rude. É que a senhora... é igual nas fotos.

- Em primeiro lugar não tem que se desculpar. Em segundo, me chame apenas de Carmen. – o tom de voz de sua sogra era cordial e espontâneo, assim como o sorriso – E terceiro, fico lisonjeada com seu comentário de eu ser como nas fotos. - por um momento, ela olhou para baixo sem movimentar a cabeça e o sorriso se fechou um pouco – Mas tudo isso não passa de plástica e maquiagem. Os anos passados... não voltam mais... infelizmente

- Sim... Carmen – engoliu em seco sem saber como responder àquelas palavras. Indicou a cadeira para que ela tornasse a se sentar – Em que posso ajudá-la?

Sua sogra se sentou e cruzou as pernas, mas não respondeu. Letícia a imitou, mas sem assumir a postura altiva de Carmen. Porém, não era uma altivez de quem se julga superior, mas de alguém quem tem confiança em si, ao contrário dela, que ainda se sentia insegura em lidar com as pessoas que desconhecia ou mal conhecia, fosse com pessoas de seu meio ou não.

A aparência de sua sogra a impressionava com os cabelos longos e pretos e levemente ondulados e os olhos verdes e penetrantes; sua pele parecia feita de porcelana com um tom rosado nas faces. Poderia até ser plástica ou maquiagem o efeito de juventude que o rosto de Carmen lhe conferia; mesmo assim, era perfeito. Usava uma calça preta e uma camisa branca e transparente de mangas longas; por baixo, havia uma blusa sem alças também branca; um pingente dourado combinava com os brincos do mesmo tipo; as sandálias douradas de salto completavam a elegância de todo o conjunto. Exalava um perfume familiar

Joy by Jean

O mesmo perfume que Ricardo adorava que ela usasse! Então era por isso...

- Você disse que eu tenho a mesma aparência que nas fotos. - Carmen a fitava pensativa. Letícia assentiu – Então meu príncipe Riri... digo, meu filho ainda as guarda?

- Sim. Tem dois porta-retratos com fotos suas na sala da mansão... num deles, você está com ele... e com seu mari... er, o pai dele na sala da mansão.

- Lembro bem dessa foto – a fisionomia dela se transfigurou numa nuvem de tristeza – Foi um mês antes... de eu ter abandonado meu filho – tornou a fitar Letícia – Você deve me achar uma pessoa horrível por isso.

- Eu... - Letícia desviou os olhos – Bem... er... não sei.

- Não precisa ficar constrangida... e achar que vai me ofender. - ela tornou a sorrir – Sei o que fiz.

- Não quero julgar a senhora... digo, você, Carmen – Letícia procurou ser o mais delicada possível no tom, embora usasse de sinceridade – Mas gostaria de entender porque deixou o Ricardo. Ele me contou como era o pai dele e não a culpo por largar esse homem... Mas por que não levou seu filho junto?

- Eu não tinha mais nada... e não tinha para onde ir – a voz de Carmen tremeu, mas ela não se permitiu chorar, como se temesse perder o controle – Como eu poderia levar uma criança comigo? Fazê-la passar necessidades?

- Eu li sobre você. Sei que foi Miss Brasil... e também que era de uma família rica.

- Uma família falida.. você quer dizer. Quando me casei com o Otávio, meus pais estavam arruinados financeiramente. E foi só por isso que eles permitiram meu casamento com "um sujeito vindo de baixo", como eles costumavam falar dele pelas costas. - ela riu – Nossos amigos se afastaram de nós sabendo de nossa situação. E os meus pretendentes da nossa classe também tinham pais que não queriam saber de uma garota sem fortuna como nora para seus filhos... ainda que fosse uma Miss Brasil. - Letícia a fitou. Então ela havia se casado com o pai de Ricardo por interesse e falta de opções? - Não me entenda mal... Me casei apaixonada. Mas o fato de estarmos na ruína facilitou a aprovação dos meus pais. - ela tornou a sorrir – E Otávio parecia um homem encantador. Parecia... - o tom de mágoa estava presente em sua voz – Meus pais acharam que pelos modos do Otávio, ele me faria feliz... mesmo se mostrando um mulherengo. Achavam que eu ia emendá-lo com o tempo... e eu também – balançou a cabeça – Quando jovens, nós enchemos de ilusões. - olhou para Letícia – Enfim, quando fugi eu não tinha mais meus pais. Eles haviam falecido pouco depois que me casei... Meu pai primeiro... de infarto. Ele não aguentou perder todo seu patrimônio e meu marido não fez questão nenhuma de ajudá-lo. Já tinha me conquistado, não precisava fingir para o sogro. Dois anos depois foi a vez da minha mãe. Ela não suportou ficar sem meu pai...e tirou a própria vida

Perigosas LembrançasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora