Casos de família

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Bom, mais um capítulo que consegui escrever em pouco tempo. Espero que gostem. Boa leitura!

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 - Tudo o que eu sei sobre nossa família... bom, a origem dela... foi o que meu pai me contou na única vez em que se dispôs a falar sobre o assunto.... um pouco antes de ele morrer. – suspirou – E também escutei da minha tia e dos empregados dela. Você se lembra de eu falar dela lá na empresa?

- Sim. Eu só não me lembro o nome dela... – Letícia franziu o cenho tentando se lembrar – Er...

- Aurélia... ela era a irmã caçula de meu pai. Eles cresceram na mais completa miséria numa favela daqui de São Paulo... a do Canindé, já nem existe mais... e quando eram pequenos foram abandonados pela mãe

Letícia o olhou espantada. O mesmo que aconteceu com ele havia ocorrido com o pai.

– É, a história se repete – Ricardo pareceu ler seu pensamento – E tal como a minha... – deteve-se antes de proferir a palavra "mãe", quase como se fosse uma blasfêmia –... como a dona Maria Carmen que me abandonou depois de apanhar bastante de um alcoólatra violento e devasso... o mesmo aconteceu com minha querida avó por causa do meu avô.– os lábios se repuxaram num meio-sorriso – Segundo meu pai, foi tudo o que herdou... os mesmos hábitos e a mesma sina.

- Então seu avô batia na sua avó? – Ricardo assentiu – E batia no seu pai e na sua tia?

- Batia mais no meu pai... na minha tia não tinha muita oportunidade. O meu pai não deixava.

- Ele a defendia?

- Uma das poucas coisas boas que o velho parece ter feito. E minha tia foi uma das poucas pessoas que amou, talvez a única... Não, ele amou minha avó, creio eu, acho que até mesmo depois que foi abandonado por ela. – bufou – E do jeito dele... amou a esposa.

- E te amou, você era filho dele... – Ricardo balançou a cabeça com ar desdenhoso – Talvez ele não fosse um bom pai, mas...

- Meu pai não me amou. Tenho certeza – interrompeu Ricardo sem elevar o tom, mas fechou o rosto com evidente zanga. Letícia resolveu não debater e nem interrompê-lo mais. Ele suspirou, talvez por ver a incredulidade no rosto dela – Sempre fui para ele apenas um herdeiro que precisava honrar seu nome e seu legado. De qualquer jeito não vem o caso... não sobre o que quero lhe contar.

- Hum-hum.

- Desde pequeno, meu pai batalhou para sair adiante, trabalhando nos empregos mais horríveis, ele me citou alguns... você nem acreditaria. E ajudava no que podia em casa e economizava um pouco. Ele guardava numa caixa de sapatos que escondia num canto das frestas das telhas do barraco em que viviam. Temia que fosse descoberto pelo pai dele que podia torrar em bebidas, jogos... e mulheres. – Ricardo não pôde deixar de rir – O velho desde pequeno fazia sua reserva... e começou a ter um amor desmedido por dinheiro a partir daí, além do que sentia por minha tia. Ele sonhava em sair de casa, abandonar o pai dele... e levar a minha tia junto, nem que tivesse que fugir com ela pelo mundo afora.

- E conseguiu? Digo... ele se tornou um multimilionário, mas deixou seu avô primeiro?

- Não foi preciso. É verdade que já tinha um bom montante guardado e estava prestes a elaborar um jeito de fugir, de arrumar um lugar bem longe e levar minha tia, mas acabou que não precisou se apressar. Para a sorte do meu pai, meu avô morreu de cirrose um pouco depois de ele completar dezoito anos. E como não tinham mais ninguém pelo que ele sabia... e minha avô nunca mais apareceu, meu pai se tornou tutor legal de tia Aurélia que nessa época tinha uns quinze ou dezesseis... não sei bem ao certo, acho que dezesseis... Isso, ela tinha dois anos a menos.

Perigosas LembrançasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora