Capítulo 2

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Eu estava há quase vinte minutos olhando o meu reflexo no espelho. Me olhava de frente, de lado, apalpava alguns lugares e franzia os lábios. Eu era um desastre. Um desastre enorme. As outras garotas da minha idade eram bem mais magras que eu, elas eram maravilhosas. Não tinha nada de maravilhoso em mim.

Todos os dias eu me pesava de frente para um espelho e todos os dias eu ficava frustrada. Por mais que eu ficasse sem comer e por mais exercícios que eu fizesse eu não conseguia emagrecer mais que algumas gramas. E então tinham os remédios do Dr. Hall... Eu detestava toma-los, mas se não tomasse o risco de um desmaio no meio da rua era alto. As vitaminas me mantinham forte.

Vesti uma calça jeans escura que havia sido ajustada em vários pontos para que não parecesse um saco de batatas e joguei uma blusa preta por cima. Boa parte do meu guarda-roupas era composta por peças escuras, exceto pelos meus pijamas e algumas roupas que eu usava apenas para ficar em casa.

Estava bolando uma desculpa para não tomar café quando o cheiro me abateu como um soco. Panquecas. E eu sabia que não eram panquecas comuns.

Eram panquecas de mirtilo.

-Isso é jogo sujo mãe. -Resmunguei descendo a escada.

Parei de andar ao ver um homem alto se mover pela cozinha de costas para mim. Um paletó estava pendurado na cadeira e as mangas da sua camisa social estavam arregaçadas até os cotovelos. Não precisei olhar duas vezes para saber de quem se tratava.

Ele se virou para colocar uma nova remessa de panquecas em um prato e me viu. Um sorriso relaxado dançou nos seus lábios.

-Bom dia princesa.

-Papai. -Foi o que eu consegui dizer.

Fazia um tempo que não nos víamos. Depois do divórcio ele foi morar na Flórida e criou raízes lá, mas mantínhamos contato de vez em quando. Ele parecia bem e continuava um cinquentão bonito de tirar o fôlego. Mas eu não fazia ideia do que tinha levado ele a sobrevoar estados para ir até ali.

Observei ele se mover muito à vontade pela cozinha. Aquilo me trouxe lembranças da infância que eu lutei para empurrar para longe. Eu não estava indo por aquele lado. Fazia quase cinco anos que meus pais estavam separados e eu já tinha superado. Não ia remoer as memórias de uma família feliz que não existia mais.

-Sua mãe me contou algumas coisas e eu resolvi fazer uma visita para ver se estava tudo bem por aqui. -Ele comentou casualmente enquanto se sentava á mesa e dava tapinhas no lugar vazio ao seu lado.

Suspirei e caminhei arrastando os pés até cair sentada na cadeira ao seu lado. Á minha frente uma xícara de café preto e um prato com uma quantidade generosa de panquecas e calda. Meu estômago roncou e eu olhei suplicante para o meu pai. Ele por sua vez fez um gesto incisivo em direção ao prato e eu lentamente cortei alguns pedaços e os levei até a boca. Mastiguei lentamente contendo minha vontade de atacar o conteúdo no prato como se eu fosse um animal. Estava tão gostoso. Deixei o sabor dançar na minha boca antes de bebericar o café. Dispensei a calda.

-Não doeu, doeu? -Papai brincou me empurrando de leve. -Coma um pouco mais.

Obedeci e levei mais um pouco até a boca. Papai me observou atentamente enquanto eu comia e soltou resmungo resignado.

-Você precisa parar de fazer isso consigo mesma. Vai acabar doente. Não quero saber de você ficando sem comer de novo estamos entendidos?

O tom duro na sua voz me fez estremecer. Passei a mastigar mais rapidamente. Ele passava meses sem me ver e de repente aparecia na minha casa me dando ordens? Ele podia ser o meu pai mas ele havia perdido aquele direito há tempos.

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