Surrealismo

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Chego mais cedo que qualquer aluno na escola que já estaria vazia aquele dia, já que seria outro dia de arrumação para as exposições.

Meu quadro na mão, coberto por um pano branco.

Me arrependi instantaneamente quando acordei e olhei o quadro de novo, era uma tela muito grande, não condizia com o que a professora queria na exposição e muito menos o que os alunos haviam feito naquele semestre.

E o que eu faria com aquela tela enorme cheia de tinta?

Nada, até por que lá estava Clarice parada na porta da sala onde seria a exposição, vindo em minha direção visivelmente animada com a tela coberta pelo pano branco.

- Achei que viesse mais cedo para ninguém ver você trazendo. – Ela fala me olhando orgulhosa por estar certa. – Mas espero que ainda tenha sua assinatura nele.

- Tem sim, mas me arrependi um pouco, não sei se a professora vai querer expor e mesmo se expor talvez eu não compareça. – Falo em tom baixo me preparando para a bronca que o rosto de Clarice já me adiantava.

- Como assim o artista vai expor sua arte e não ser elogiado? Mas é obvio que ela vai gostar, ela te adora. – Clarice afirma. – Tem de parar de se subestimar, você é bom no que faz e faz com amor, e isso é o suficiente para ser uma obra prima.

E sem ao menos dar uma espiada por baixo do pano que cobria a tela ela caminha comigo até a sala onde inesperadamente tinha alguns alunos, os alunos dela, os mais diversos pintores mirins, arrumando os lugares onde suas obras ficariam.

- Ainda bem que chegou querido. – A professora me olha por cima dos óculos e sorri para mim. – Vamos me mostre o que trouxe para nós.

E lá estava eu, no meio de uma cena épica de um filme de um jovem prodígio, todos os alunos olhavam para mim mesmo que discretamente, Clarice esperava ainda ansiosa e a professora erguia a tela a deixando de pé.

- O artista que deve revelar sua arte. – Ela sorri mais uma vez, me convidando a retirar o pano, então o fiz.

E foi ali, segurando o pano em minhas mãos que eu olhava para o que eu tinha feito noite passada, apesar de acreditar que ficariam decepcionados, eu estava feliz e satisfeito pelo que fiz.

Todos a olham, instintivamente chegando mais perto para poder ver, a professora apenas sorri também satisfeita ao ver meu trabalho.

- Aleluia. – Ela afirma alto e feliz me deixando curioso.

- Como assim? – Pergunto nervoso já não sabendo mais o que pensavam.

- Aleluia fez algo que se parece com você. – Ela fala caminhando para posicionar a tela ao meio das tantas outras de variadas cores.

Todos repentinamente param de olhar e voltam as suas tarefas, então eu apenas deixo a sala me sentando nas escadas, vendo alguns alunos prepararem o equipamento de som para o evento de amanhã .

Acho que é a primeira vez que faço algo claro e que não remete outra pessoa.

Até que a visão que eu tenho de mim não é tão ruim...

- Ei. – Clarice se senta ao meu lado. – Bom trabalho.

- Obrigado, não conseguiria sem você. – Falo ainda olhando para os degraus.

- Eu só falei que você faria algo. – Ela se encosta em mim, um pequeno choque corre pelo meu corpo, quase imperceptível. – Fez por que você quis.

Permaneço sentado por um tempo e Clarice apenas volta para arrumar o espaço dela na exposição, é a primeira vez que noto as pessoas..

Não estando alheias umas as outras e conversando entre si enquanto se ajudam, algumas delas nem se conhecem e nem pertencem a sala de quem estão ajudando.

Talvez as pessoas não sejam tão ruins. 

Afinal... 

Elas estão fazendo por que querem fazer.

É engraçado, me sinto surreal.

Isso é possível, não é?


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⏰ Last updated: Jan 15, 2019 ⏰

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