A arte e o artista

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Fiquei pensando no que poderia trazer para a aula para doar para a exposição de artes da professora.
Também pude notar como quase todas as minhas pinturas era sobre ela.

Ou sobre algo deprimente.

As mais lindas eu dei para minha mãe, com esperança de que pudesse levá-la para algum lugar bonito e de paz mesmo presa  seu próprio corpo.

Aquelas que eu me inspirei tanto.
Aquelas que eu usei noites para fazer.
Aquelas que a natureza transbordava em cores.

Dei minha alma para ela, por que é a única coisa que tenho agora.
Está em pedaços.
Mas é tudo que tenho.

Enquanto ainda em casa pensava no que eu poderia levar ou fazer meu irmão bate em minha porta curioso.

- Você tá desenhando? - Ele pergunta entrando no quarto se sentando na cama.
- Ainda não campeão, não sei o que fazer ainda. - Falo e o mesmo olha para mim.
- Por que não desenha o que gosta? - Ele olha para a janela entediado.
- Não sei pequeno, estou meio travado hoje. - Explico e ele faz uma expressão engraçada.
- Por que você não desenha você? - Ele pergunta mexendo os pezinhos que não tocavam o chão.
- Como assim me desenhar campeão? - Pergunto rindo de sua curiosidade.

Ele para e pensa um pouco, olhando em volta do quarto.

- Você já me desenhou, já desenhou a Clari, já desenhou as plantas do vizinho, a janela, e varias outras coisas. - Ele fala. - Mas você nunca se desenhou.

Olho para ele estagnado.

- Por que acha que eu deveria me desenhar? - Pergunto sem o olhar.
- Por que você também é bonito. - Ele diz simplista. - Você também merece um desenho irmãozão.

Como assim?
Mereço um desenho?

Olho para ele, olho para o céu lá fora, e dou um sorriso.

- Você tem razão campeão, acho um grande ideia. - Falo e ele sorri animado e se levanta.
- Então pronto! - Ele fala antes de sair do quarto.

Quando ele sai do quarto me chovem ideias incríveis do que fazer com aquele quadro branco em minha frente.
Pego todo o material que tenho e o coloco à disposição na mesa.

Olho para tudo sorrindo por estar criativo pela primeira vez em tempos.

Coloco meus óculos e começo a esboçar o que quero...
Passo horas ali apenas observando e pintando o que viria a ser exposto para todos verem, mas isso não me deixava nervoso, nem um pouco.

Meu irmão sempre fica distante quando começo a desenhar ou fica me observando até cair no sono, normalmente passo horas aqui e quando termino tenho de levá-lo para seu quarto para que possa dormir confortável.

E assim se passarão..
Horas e horas gastando pulso e minha visão para que meu trabalho fosse mais que esplêndido, mais que bonito e mais que poético, que fosse meu.

E eu olho o resultado do quadro que reflete na luz da lua da madrugada, que nenhum nuvem esconde.

É maravilhoso.
Existem tantas cores que mal posso contá-las ou ver onde elas começam ou terminam.
É lindo como ficamos perdidos o olhando e mesmo sabendo o que é, não consigo definir.
Um sentimento confuso porém não é um sentimento ruim, é apenas confortavelmente estonteante olhar para ele.

São borrões.
São traços.
São cores.
São amores.
São entre todas as outras coisas incompreensível.
E acima de tudo...
Sou eu.

Paro para me distanciar e andar um pouco ouvindo música, noto o quarto por alguns momentos, além da janela que me dava a visão lá de fora.

E eu me vi.

Minha bagunça, minhas cores, minha vida e meus esforços..

Eu me vi em um quarto bagunçado e isso não me trouxe nenhuma infelicidade.

Meu quarto cheio das minhas coisas, cheio dos meus valores, cheio de vazio, o vazio que me faz companhia.

Minha autoria está em tudo que reside ao meu redor, por que eu vejo e faço as coisas como eu gostaria de vê-las e senti-las.
Eu sou tudo que me rodeia, e vejo que tudo que me rodeia me reflete.

Me vejo na bagunça.
Me vejo no quadro.
Me vejo na janela meio aberta.
Me vejo nas paredes que estão longes de serem brancas.
Me vejo até mesmo no vazio.

Eu sou tudo isso, e tudo isso sou eu, e isso é incrível, por que mesmo estando sozinho...
Estou rodeado de coisas, pequenos detalhes que me lembram de mim mesmo, que em consequência, me lembram de tudo que amo e que não amo.

Não olho mais lá para fora, para aquele banco que agora está vazio.
Pela primeira vez eu olhei, olhei de verdade, o que está aqui dentro.
E eu pude ver minha assinatura em tudo que toquei, nem tudo é tão bom mas...
Sou eu, e vou tentar não ser mal com as coisas que vieram de mim, pois cada uma delas são minha arte, e eu, o artista.

Deixo o quadro a brilhar em cores com a luz fraca da lua que passava pela janela entreaberta, e eu apenas faço o último traço, que para mim já estava presente no quadro.

Minha assinatura.

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