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HARRY

Minha mãe estava em cima de mim toda hora, me oferecendo o que comer, o que beber, ou qualquer outra coisa. Mas eu só quero ficar sozinho, e acho que ela não entendeu.

E também tem o Niall. Ele veio hoje, já que Liam voltou pra Los Angeles para deixar Bear com a Cheryl, mas já volta pra casa dos pais dele amanhã. Nesse meio tempo, estou tentando tratar todos com gentileza, mas está ficando cada vez mais difícil.

- Sim, é isso! Você conseguiu, amigo! - Niall festejou quando eu li uma frase toda em braile.

Sorri, cansado. Minha cabeça doía, e eu só queria dormir e sonhar, como se eu ainda pudesse ver.

- Está certo? Eu consegui?

- Sim, perfeitamente! Tia Anne, olha isso! Seu filho é um gênio! - a alegria de Niall era tão contagiosa, que eu me senti em 2011 novamente. Era como se eu pudesse ver seus dentes tortos, suas bochechas rosadas e sua cabeleira loira.

Ouvi minha mãe correr para a biblioteca, então ela me abraçou.

- Ah, aí viu? Eu não disse que você conseguiria? Agora você já sabe metade do alfabeto em braile! Estou muito orgulhosa, Harry! - ela deu vários beijos em minha cabeça, e eu ri levemente.

- Ok, ok. Eu sei, sou o máximo - ergui minhas mãos, como se eu pedisse menos, eles riram. - Vamos almoçar?

- Oh, mas é claro! Onde você quer ir? Hoje podemos ir comer no...

- Mãe, eu não quero sair hoje. Prefiro comer aqui, se não tiver problema... - eu não quero soar grosso, mas eu não estou nos meus melhores dias, e acho que eles perceberam.

Desde que perdi a visão, eu tenho variações de humor. Não é bipolaridade nem algo do tipo, mas é meio traumático perder a visão. Tem dias que eu acordo motivado, outros dias acordo desejando ter morrido, etc. Depois do episódio de ontem a tarde, eu me senti tão estúpido que desejei nunca ter nascido.

- Ah, então podemos simplesmente ligar para entregarem a comida aqui...

- Não, vocês podem ir. Eu só quero ficar sozinho um pouco. - Eles ficaram em silêncio, e eu me apressei em dizer - Não que eu não goste da companhia de vocês, não é isso. É só que... eu quero me sentir um pouco adulto, sabe? Quero não me sentir um inválido pelo menos por alguns minutos.

- Tudo bem, querido - a voz da minha mãe era um pouco trêmula. - Eu e Niall vamos almoçar e te deixar sozinho um pouco. Mas se precisar de alguma coisa você pode nos ligar, ou ligar pra recepção.

Assenti e ela me deu um beijo na têmpora.

Assim que eles saíram, eu tirei meus óculos e me levantei, pronto para tatear por aí. Pensei em colocar alguma música pra tocar, mas o CD que estava dentro do som era o Take Me Home, e eu não sei onde estão os outros CDs para eu poder trocar. Meio retrô, eu sei, mas eu curto coisas antigas. Abaixei a agulha da minha vitrola e Twist And Shout dos Beatles começou a tocar, enquanto eu me sentava no sofá, então logo ouvi alguém bater na porta. Não alcancei minha bengala, então coloquei os óculos e fui tateando as paredes para chegar até a porta.

- Quem é? - perguntei, sem abrir a porta. Mesmo sem sair em público por anos, eu ainda tenho fãs, e algumas delas são malucas, então não custa nada perguntar quem é antes de abrir a porta.

- Hm... Eu trabalho aqui, o Heitor pediu para eu deixar algumas coisas com você.

Ahh, sim! Eu reconheço essa voz perfeitamente, é a moça do suco!

- Claro, só um minuto - abri a porta, olhando para frente. Eu não sabia se ela estava me estendendo as sacolas, então eu simplesmente me encostei na porta, dando espaço para ela passar.

Ouvi e senti ela passar por mim, então fechei a porta. Encostei levemente na parede, para eu não parecer cegamente desesperado, se é que você entende meu humor negro. Não sei porquê, mas ela foi a única a me tratar como uma pessoa normal, e não como alguém que é portador de necessidades especiais. Então quando estou com ela, sinto a necessidade de não parecer um deficiente, mesmo que essa seja a segunda vez que já estivemos no mesmo lugar ao mesmo tempo.

Meu dedo encostou na estante de prêmios que havia ali, então eu sabia que era hora de me virar e contar cinco passos até o sofá. Andei tranquilamente até o sofá, sentindo a mesinha de centro tocar minha perna, e logo senti o sofá embaixo de mim.

- Uhh... onde eu posso colocar essas sacolas?

Fingi pensar por um minuto, então sorri.

- Você pode colocá-las aqui na mesinha de centro, por favor.

Uma das coisas boas, se é que você pode dizer assim, de perder a visão, é que seus outros sentidos se aguçam mais. Quando se é músico, você acaba perdendo um pouco de sua audição por conta da música alta e essas coisas, mas agora minha audição está melhor do que nunca. Inclusive, posso ouvir sua respiração nervosa nesse exato momento, enquanto leva as sacolas até a mesinha de centro.

Meu olfato também não decepciona. Consigo sentir o cheiro de seu perfume: um aroma doce e floral, levemente misturado com o cheiro de produtos de limpeza. Estou me sentindo um lobisomem, estilo Scott McCall, tá ligado? Ouvindo coisas e sentindo cheiros que quase ninguém consegue diferenciar.

Ri levemente com meus pensamentos, então ela clareou a garganta.

- Uhh, não sei se você se lembra de mim, mas...

- Ahh, mas é claro que sim. A garota do suco - dei um sorriso lateral, e ouvi ela respirar fundo bem baixinho.

- Luna, meu nome é Luna. - Ela acrescentou.

- Bem, Luna. Sinta-se à vontade para se sentar, querida. Como você está? - perguntei casualmente, me inclinando pra frente.

- Eu estaria melhor se você estivesse usando uma camiseta - ela murmurou por baixo de seu fôlego, fazendo eu erguer minhas sobrancelhas e tatear pelo sofá brevemente atrás de minha camiseta. Eu havia esquecido esse detalhe.

- Perdão, eu me esqueci. Melhor? - sorri, ajeitando meu cabelo com a mão depois de me vestir. Espero que minha blusa não esteja do avesso.

- Sim, obrigada - ouvi ela soltar a respiração enquanto se sentava no sofá, pouco próxima a mim.

Ficamos em silêncio, até que ela falou novamente.

- Eu... eu quero pedir desculpas pelo jeito que te tratei ontem. Sério, eu fiquei mal - ela riu nervosamente. - Eu só estava descontando meu mau humor por conta de um dia ruim em você. Desculpa.

Assenti levemente, não esperando por aquilo realmente.

- Tudo bem - olhei para meu colo, para não olhar na direção errada.

Ficamos em silêncio novamente.

- Será que você... pode abrir o que o Heitor mandou pra mim? Por favor - pedi, tentando não parecer uma criança pedindo algo para sua mãe.

Não pude ver, mas tenho certeza que ela estava com uma expressão confusa no rosto.

- Uhh, tá legal, então. Bem... - ouvi o que parecia ser uma sacola de papelão daquelas de lojas se abrir, então um embrulho de presente se rasgando. - Espero que não se importe por eu ter rasgado - ela disse brevemente, e eu balancei a cabeça.

- Não, tudo bem. O que tem aí?

Ela ficou em silêncio, então parecia confusa quando falou.

- Um óculos cor de rosa, da Gucci - ela falou, e então abriu outra sacola. - E um suéter amarelo, também da Gucci.

Assenti, então ela ficou quieta por um momento, e pude ouvir ela se mexer no sofá.

- Olha, eu posso te perguntar algo? - a voz dela parecia levemente mais próxima de mim.

Balancei a cabeça, assentindo.

- Você não usa óculos escuros dentro de casa por diversão, não é? - sua voz era curiosa, mas tinha algo mais além de curiosidade ali.

Engoli seco.

- Claro que não! É pelo estilo - passei a mão pelo cabelo, como uma diva, e ela riu. Sorri, por ter feito ela rir, então meu sorriso diminuiu levemente. - Não, eu não uso por diversão. Eu sou cego, Luna.

Good Years || Harry StylesWhere stories live. Discover now