um motivo para seguir em frente.

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O que você faria com um último dia de vida?

Odiava ver meu cabelo cair.

Já haviam meses desde a última vez que eu o pintei, era estranho ver aquela raiz negra entre os fios lisos e loiros, mas não tinha o que fazer. Era um fato de que me sentia feio, ainda mais quando estava no processo de quimioterapia e tudo se transformava em um completo inferno.

Usar tocas era uma mania, evitar o espelho era a melhor coisa que eu sabia fazer.

Pelo menos eu gostava de me recordar do dia em que conheci Jungkook. Meu cabelo ainda era abundante, loiro, brilhante.

— Jungkook-ah, o que você faria com seu último dia de vida? — risquei a pergunta na prancheta, suspirando. Minhas respostas já afloravam na mente.

— Acho que faria uma carta para cada pessoa que é importante pra mim. Diria tudo o que eu mais amo nela e um motivo para seguir em frente depois que eu fosse embora. — deu de ombros. — Talvez eu pedisse para não passar as últimas horas sozinho também, gostaria dos meus amigos e família comigo.

Achei sua resposta fofa, mas algo martelava em minha mente. Um motivo para seguir em frente.Jungkook pareceu sempre se preocupar com os outros e, naquele instante, ele havia me dado a primeira prova disso.

Jeongguk sempre me deu muitos motivos para seguir em frente.

Porque era sempre assim, Jeon sempre me provava as coisas sem eu ao menos perceber ou pedir. Como na vez em que eu acordei com ele dormindo ao meu lado, na poltrona desconfortável do hospital.

Não me lembrava de muita coisa e sentia como se tivesse dormido muito, porém só de vê-lo ali ao meu lado eu já me sentia melhor. Jungkook usava seus óculos redondos e apoiava as mãos nas coxas enquanto dormia. Sua mochila estava jogado no canto do quarto e, naquele momento, eu percebi que já haviam dias.

Jeon estava comigo ali mais do que deveria.

— Jungkook-ah? O que você faz aqui? — perguntei baixinho, vendo-o acordar em um pulo. — Por que você está aqui?

Eu tentei soar tranquilo, mas o desespero falava mais alto. Ele não devia estar lá, ele não devia me ver daquele jeito.

— Chim? Você acordou! — ele deu outro pulo, mas desta vez parou ao lado da minha cama. — Eu fiquei tão preocupado, hyung. Por que não me avisou que estava doente?

Oh, sim. Jungkook ainda não sabia do meu problema.

Eu temia por sua reação, era um fato, mas... Mesmo depois de tanto tempo ao lado dele, nunca entendi que Jungkook era alguém inesperável.

— E você, hyung? O que você faria com o seu último dia de vida? — ele me fitou curioso, parecia uma criança.

Na realidade, eu já havia arquitetado meu último dia vivo há tempos. Óbvio, não diria a ele numa primeira vez. Jeon havia acabado de me conhecer, o quão estranho seria se eu apenas despejasse "ah, já tenho tudo planejado nesse papelzinho aqui e-"? Seria ridículo.

— Eu queria fazer minha apresentação de dança uma última vez. — sorri, uma nostalgia aos poucos se apossava dos meus nervos. — Queria dançar a última coreografia que aprendi com uma platéia cheia e minha música favorita tocando. Faria uma apresentação muito caprichada, só para todo mundo se lembrar de mim! E... No final, eu não sei. Acredito que todos que são importantes para mim deveriam estar na platéia, seria meu modo de dizer adeus e, sei lá, obrigado.

Ele parou de rabiscar a prancheta e me fitou, em silêncio. Eu senti vontade de sorrir, de abraçá-lo e o chamar para estar na minha platéia também. Jeongguk sempre foi tão original que a sua essência me contagiava, me fez querê-lo por perto desde o primeiro dia.

— Você apenas dançaria? — questionou logo depois.

— Sim, da maneira mais empenhada possível. — dei de ombros levemente. — Dançar é o que eu amo fazer...

Amava.

De primeira, Jungkook não entendeu muito bem porque esse era o meu desejo. Mas todas as vezes em que ele me via encarar alguém que estava dançando, acho que tornava-se óbvio. Ter me tornado limitado por culpa da doença apenas me atingiu porque eu fui proibido de fazer o que eu mais amava. Não me importava com as sessões eternas de quimioterapia, dos zilhões de remédios e da falta de cabelo, mas... Aquela doença havia me tirado tudo.

Mas, sinceramente? Havia me dado tudo também.

Durante o meu aniversário daquele ano, Jeon me levou à uma apresentação de dança. Eu não sabia o que estava acontecendo até sentarmos perto do palco e algumas garotinhas de tule surgissem saltitantes. Era uma apresentação infantil da escola onde o irmão do mesmo estudava... Foi a coisa mais linda que eu já havia visto.

Uma garota em especial sorria muito, seus passos eram precisos e eu conseguia ver o aproveitamento e a diversão em seu semblante. Ela procurava por alguém na platéia, julguei serem seus pais e quando vi o sorriso crescendo, tive certeza de que ela os achou. Mesmo que me doesse pensar nos meus pais, ainda sentia-me feliz por ela. Meus olhos se enchiam de lágrimas a cada passo que a garotinha dava e, antes que as lágrimas pudessem cair, Jungkook entrelaçou os dedos compridos nos meus, apertando de leve antes de fazer um carinho nas costas da minha mão. Meu coração, naquele mesmo instante, se aqueceu. Eu sabia que, apesar de todas as merdas que aconteciam na minha vida, eu tinha ele para dividir o peso no final do dia.

Os problemas já não pareciam tão grandes assim.

Inclinei meu corpo para perto do dele quando a apresentação acabou, as luzes se apagando e as palmas altas sendo escutadas. Toquei de leve com a minha boca em sua orelha gelada e o senti se encolher, acabei rindo baixinho. Jungkook nem se moveu, apenas esperou que eu fizesse o que estava ali tentando fazer.

— No meu último dia de vida eu dançaria, lembra? — as luzes se acendiam lentamente, Jungkook acenava acanhado. — Mas eu dançaria só pra você, Kook.

E ele sorriu para mim. Aquele sorriso coelhinho dele, os olhos brilhantes e nossas mãos se apertaram uma na outra com vontade. Até hoje, não mudo o que eu disse sobre meu último dia vivo.

Eu dançaria para Jungkook e apenas para ele. Porque depois daquele maldito teste, me vi necessitado de Jeongguk em todas as formas possíveis.

Como Se Apaixonar em 21 Perguntas | jikookWhere stories live. Discover now