- Lúcio, você acredita que o que eu te digo é a verdade?

- Você já escondeu coisas de mim outras vezes, Dantálion.

- Eu sei disso, mas não é o que eu estou falando agora. – ele respira devagar, seu hálito morno soprando como a respiração de um fantasma sobre a pele do Sacerdote – Eu estou perguntando se alguma vez eu te enganei dizendo que as coisas seriam fáceis.

- Não.

- Então, por favor, acredite em mim mais uma vez. – seus olhos derretem com sofrimento, deixando uma parte de sua alma quase tangível através deles – A dor que você terá por fazer isso vai te machucar a cada instante de sua vida. Ela não vai te abandonar nunca. Vai voltar a cada vez que você fechar os olhos, vai te atormentar como um pesadelo todas as noites. A dor que você vai sentir se fizer isso vai te destruir.

Ele retira a mão de seu peito, sacudindo a cabeça.

- Eu sei disso porque fiz coisas terríveis também, e desejo todos os dias que elas desapareçam, mas elas voltam a cada instante, como se uma nuvem negra surgisse todas as vezes que eu começo a sentir que o dia finalmente será bom. Lembra aquele dia, no julgamento? Lembra como eu estava? É aquilo, Lúcio. É aquilo que você vai se tornar se fizer o que você disse que faria.

O garoto aperta os olhos numa expressão de angústia, fechando as mãos sobre o próprio pescoço.

- Se você fizer isso, você será como eu: apenas um monte de cicatrizes e hematomas e lembranças horríveis, sem coração, sem alma, sem qualquer sentimento bom. Você será apenas um cadáver do que é hoje, e nunca mais vai querer ver o próprio rosto no espelho. É realmente isso que você quer?

- É realmente assim que você se sente? - Lúcio o observa imóvel. O silêncio da floresta recai como um véu sobre os metros que os separam – É isso que você esconde debaixo da máscara que sempre veste? O que você fez?

Dantálion ergue o rosto para o céu, fechando os olhos com força.

- O que você vê hoje é o resultado do que eu fiz. Tudo isso – ele ergue as mãos, apontando para a floresta e a cidade além dela – é minha responsabilidade. Às vezes eu só desejo que minha morte chegue logo, Lúcio. Você não faz ideia de como é carregar uma culpa tão grande. Não arrume uma para você.

- Dantálion, - sussurra, dando passos incertos à frente – o que poderíamos fazer? Não adianta ficar esperando que o povo fique com ódio de mim e se rebele, talvez isso nunca aconteça. E não podemos continuar assim, nos escondendo, aguardando até que sejamos descobertos e mortos. Os Surdos estão certos, precisamos fazer alguma coisa, e tenha certeza de que eu deixaria que me matassem, se isso fosse ajudar de algum modo. Você estava lá dentro comigo, você ouviu o que eles disseram. Não é mais uma questão de escolha, é uma questão de sobrevivência, e você sabe disso, não sabe? Então por que está falando comigo dessa forma?

Dantálion risca os braços com as unhas, sem coragem para olhar em seu rosto.

- Dantálion, - retoma o Sacerdote, com a voz mais baixa – você não acha que está deixando seus interesses pessoais falarem mais alto que seus objetivos? Só porque somos amigos, não significa que meus sentimentos sejam mais importantes que os seus planos. Então por que...

- Eu não sou um assassino. – interrompe asperamente, encarando o chão.

- Não estou pedindo para ser um assassino, só estou pedindo para me ajudar a esconder o corpo.

Dantálion finalmente olha em seu rosto, com a boca pendendo de incredulidade. Em um piscar de olhos, ele se transfigura, sua voz caindo para um tom grave, tomada por uma autoridade adulta e severa:

Dantálion [COMPLETO]Where stories live. Discover now