09. (quase) grand finale na ZS

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Érico pediu outro cappuccino quando bateu 18h. Era o terceiro daquele sábado de sol que se encaminhava para um entardecer alaranjado característico, cujo passatempo preferido é explodir em cada vitrine de loja e cafeteria sem o devido convite. Sentado ao balcão do bar do Direito, com suas paredes envidraçadas e uma visão quase 360º daquele espetáculo, Érico sorveu outro gole de cappuccino, encarando Isabel por cima da xícara. Como esperado, ela não desviou o olhar; ela nunca perdia as batalhas que disputava. Do outro lado do balcão, Isabel secou um pires, deixando-o numa pilha perigosamente inclinada ao lado da máquina de café. No sabádo, assim como todos os estabelecimentos que funcionavam dentro da universidade, tudo ficava meio morto. No silêncio das coisas não ditas, ela perguntou:

— Por que tu voltou pra cá? Tem aula no sábado?

O tom era similar aos cumprimento de vizinhos que se cruzam pelos elevadores do prédio: "Tudo bem? Tudo ótimo". Érico descansou a xícara no pires, dando de ombros. Tentava mascarar o nervosismo com sorrisos e a eterna atitude despreocupada, porém falhava; o papel de sonso não lhe caía bem. Isabel, com a camiseta preta da noite passada e o rabo de cavalo firme, esperou pela resposta. Ele fez um pouco mais de mistério, brincando com a alça da xícara antes de dizer:

— Não. Vim só tomar um café pra matar o tempo antes da festa do Flávio.

Ela assentiu, mas os dois sabiam que era mentira. Érico estava ali por causa dela. O café, apesar de incrível, que se explodisse, que fosse para as cucuias. Nenhum doce, salgado ou bebida, nem mesmo um muffin atrairia as atenções focadas de Érico.

Depois da noite de ontem, dos olhares, beijos e toques que ele corava só de pensar, os dois dormiram agarrados naquela cama imensa. Tapados com o lençol, não conversaram na penumbra aconchegante do quarto. Isabel não era dada a conversas, e Érico não conseguia parar de olhar para ela; descobria, à meia-luz da suíte master luxo, que os silêncios de Isabel também comunicavam. Pegaram no sono como se fossem namorados, curtindo o abraço do outro. Quando amanheceu, Érico foi o primeiro a abrir os olhos, e descobriu também, na luz vibrante que entrava pela janelinha discreta da suíte, que Isabel conseguia ser ainda mais linda enquanto dormia. Assim que ela acordou, a primeira coisa que ele disse foi: "Bom dia"; a primeira dela foi: "Porra. Eu preciso ir trabalhar". Érico deixou Isabel na universidade, sem receber um beijo ou um sorriso de despedida, e voltou para casa. E depois de uma manhã e uma tarde inteira cujos pensamentos não deixavam a noite de ontem descansar, ele pegou o primeiro ônibus para a universidade.

Agora estava ali, bebendo o terceiro cappuccino do dia só para ter uma desculpa para ver Isabel novamente. Ridículo, mas não havia outra opção. Érico seria o maior mentiroso de Porto Alegre se dissesse que não esperava pelo menos um pouco de carinho depois da noite que tiveram; as malditas transas casuais puxaram-no de volta para a realidade. Ele apertou a alça da xícara, comprimindo os lábios para o cappuccino.

Tu vai na festa? — perguntou ele.

— Não. Tenho mais o que fazer. — Ela terminou com a pilha de pires, secando as mãos no pano de prato. — Quando tu vai me dar o dinheiro? Tô precisando.

Sempre aquilo. Isabel parecia não se importar com nada além do dinheiro que faturavam daquela merda de aposta. Ele deu de ombros, ligeiramente ofendido por ser reduzido a uma forma rápida de renda extra.

— Acho que os guris vão me dar hoje na festa, então te entrego na segunda. — Érico bebeu um gole de cappuccino. — Por causa disso só vou conseguir comprar o colar pra minha mãe amanhã.

Isabel assentiu, e Érico não falou sobre o telefonema que fez à joalheria, ainda na tarde daquele sábado, para reservar o tão almejado colar para o aniversário da mãe no domingo. Ele também não quis dizer que, de certa maneira, a perspectiva de finalmente comprar o presente não parecia deixá-lo tão feliz quanto antes; seres humanos, eternos insatisfeitos.

Entre Muffins e Apostas | ✓Where stories live. Discover now