06. feita de arte™

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Já era final do dia quando ele empurrou a porta de vidro do bar do Direito.

O Laboratório de Gastronomia havia sido particularmente chato naquela tarde de terça-feira. A professora Odila, argentina de nascença e temperamental feito o clima de Porto Alegre, bem que tentou fazer Érico prestar atenção no preparo das carnes de caça, mas foi impossível. O tempo passeava dentro de si mesmo, temperado com o ligeiro sotaque da professora irritadiça, e a tarde não passava. Quando o expediente terminou, Érico foi um dos primeiros a pegar a mochila e a sumir da vista das sobrancelhas bem arqueadas da professora Odila.

Agora estava ali, com um muffin de nozes na mão e uma vontade esquisita de conversar com Isabel sobre a repercussão do tal beijo de ontem.

Para alegria de Érico, a cafeteria estava tão vazia que era possível escutar o som dos próprios pensamentos. Se não fosse por aquele professor de Literatura Inglesa famosinho tomando cappuccino e corrigindo provas num canto, tudo estaria no mais perfeito e absoluto silêncio. Érico ajeitou a mochila no ombro e foi até o caixa, onde Isabel contava o dinheiro com a cabeça abaixada.

— Oi — disse ele. Isabel levantou a cabeça, sem parar de contar as cédulas, e não respondeu. Érico corou. — E aí, como foi o dia?

Ela franziu o cenho. Pela expressão, parecia que Érico havia perguntado se a avó dela estava solteira ou algo do tipo. Isabel enfiou as notas na caixa registradora. Ele deixou o muffin de nozes em cima do balcão e esperou. Assim que ela fechou a gaveta, seus olhos castanhos, curiosos feito os de um gato vadio, fixaram-se no muffin.

— Eu fiz pra ti — continuou ele, apontando para o bolinho. — Hoje o Laboratório tava meio parado, aí...

Érico deixou a frase morrer. A expressão desinteressada de Isabel não o convidava a continuar. A cada segundo que passava, ele tinha certeza de que teria sido mais fácil aprender japonês de cabeça para baixo do que estabelecer comunicação com Isabel.

Depois de anos que mal encaixavam no segundeiro do relógio, ela disse:

— Essa tua fixação por cupcakes é bem esquisita.

As orelhas de Érico pegaram fogo. Ele ajeitou o aparelho auditivo e, incomodado, revidou:

— Já te disse um milhão de vezes que isso não é um cupcake, criatura. Os muffins são muito mais... — Mas Érico não foi longe. Isabel, como sempre, não estava interessada. — Enfim. Já que ontem tu ficou toda... nervosinha com o dinheiro na piscina e não me deixou falar nada, passei aqui pra dizer que o beijo rendeu assunto com os meus amigos.

Isabel apertou os olhos.

— Tu tava indo embora sem me pagar. O que esperava?

— Sei lá, um pouco de confiança? — perguntou ele, erguendo as sobrancelhas como se fosse óbvio. — A gente começou essa amizade...

— Aliança.

— Que seja — resmungou ele. — A gente começou com isso pra ganhar dinheiro, mas sem confiança não vai dar certo.

Ela o avaliou com aqueles olhos de princesa guerreira e terminou por assentir, séria como sempre.

— É justo. Admito que talvez eu tenha me excedido na...

— Pera aí, para. Parou — disse ele, erguendo as mãos. Isabel franziu o cenho. Érico riu. — Eu não acredito que tô ouvindo um pedido de desculpas vindo de ti. Meu Deus. Tá, pode continuar.

Ela trincou a mandíbula. Érico sorriu, saboreando a pequena vitória do outro lado do balcão. Isabel organizou os cardápios ao lado da caixa registradora e resmungou:

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