05. miss capitalismo

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Érico coçou os olhos quando o ônibus lotado virou a esquina numa curva cortante. Duas sacolas de supermercado de uma moça grávida, usando macacão jeans e lenço colorido na cabeça, chocaram-se contra a parte de trás da cabeça dele. Na confusão de braços, sacolas e mochilas, Érico virou-se para trás.

— Ai, me desculpa! — disse ela, puxando as sacolas para perto de si. — Te machuquei?

— Não. Tá tudo certo. — respondeu ele, sem graça. O ônibus chacoalhou mais um pouco, e a moça, amassada pela mochila de um cara gigantesco, encolheu-se. — Hm, tu quer ficar com o meu lugar?

Os olhinhos da moça brilharam quando Érico se levantou, segurando-se na barra do ônibus lotado. Ela sentou-se e arrumou o lenço que prendia cabelos loiros, ajeitando as sacolas que trazia consigo no chão. A senhora da frente, que lia a Bíblia, espiou a cena por cima dos óculos de leitura. A moça sorriu para Érico.

— Muito obrigada. Mesmo. De verdade.

De pé, ele sorriu de volta. Ela acariciou a barriga, e Érico, que adorava crianças mais do que tudo, perguntou:

— Pra quando é?

— Mês que vem — respondeu ela, risonha. — Tá sendo uma loucura. É nossa primeira.

Ele sorriu, grato pelo volume do aparelho auditivo estar no máximo. O ônibus chacoalhou ao passar por um buraco. Érico apertou a barra, dividindo o espaço com um vigilante que dormia em pé.

— E o nome? — perguntou ele. — Já decidiram?

— Júlia. — Ela sorriu. — Era o nome da minha sogra, que não cheguei a conhecer.

— Ah, é o nome da minha filha. — A senhora que lia a Bíblia sorriu e se inclinou para a frente, tocando o joelho da moça. — O único problema das crianças é que elas crescem, minha filha. Só esse.

Elas riram. Érico sorriu para a moça que acariciava a barriga e para a senhora que observava tudo por cima dos óculos de leitura.

— É um nome bem bonito. A minha prima... — começou ele, mas se calou ao perceber que era observado. Virou a cabeça e encontrou o olhar de Isabel, de pé não muito longe, apoiada na barra do ônibus e encarando-o com aquela expressão profunda habitual. Érico corou. — Eu preciso ir. Boa sorte com... com a Júlia.

Com um último sorriso, Érico abriu caminho até Isabel. Após desviar de mochilas, sacolas e caretas de desagrado, chegou até ela. Ficaram lado a lado, ambos em silêncio e de pé no corredor apertado. Ansioso com a quietude de sua futura parceira de beijo, Érico disse:

— E aí? Como tu...?

— Por que tu deu o teu lugar pra mulher?

Érico piscou. A pergunta, feita no tom confuso de quem não compreende um absurdo, deixou-o sem ação. Durante breves segundos de silêncio, Érico pensou em como dizer à Isabel que ceder o lugar à mulheres grávidas não era algo absurdo como nadar até o Japão. Ele deu uma risadinha incrédula, achando que era brincadeira. Ela, como sempre, ficou impassível. Érico franziu o cenho.

— Ela tá grávida, né? É o mínimo que eu posso fazer. Grávidas precisam descansar.

Isabel virou o rosto, desviando a atenção do jovem de fones berrantes. Érico corou debaixo da encarada profunda. De frente, o cabelo preso deixava as orelhas pontiagudas dela à mostra, com pequenos brincos que imitavam pedrinhas azuis.

— Grávidas sentem bastante tesão — disse Isabel.

— Quê? — perguntou ele, o rubor subir pelo rosto.

Entre Muffins e Apostas | ✓Where stories live. Discover now