XVI - Luzes Flutuantes

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Para todos os lados havia a predominância do branco da neve. Árvores, rochas e outrora campos verdejantes pareciam adormecidos sobre o extenso tapete gelado.

As montanhas já podiam ser avistadas ao longe. Eles haviam passado dez ou quinze dias numa intensa jornada onde dormia-se pouco e corria-se muito. Era difícil distinguir a passagem do tempo devido às tempestades de neve e o solstício.

Ao chegarem a primeira montanha Escar improvisou uma tenda e foi a procura de alimento. Quando retornou viu Marcus dormindo e ao tocá-lo para o acordar, notou a temperatura elevada dele.

Retirou o cobertor dele e numa rápida análise encontrou a causa da sua febre. O ferimento na perna de Marcus estava aberto novamente e com riscos de infeccionar. Escar providenciou uma atadura enquanto ele dormia. Sentiu a urgência de chegarem a alguma floresta.

Marcus viu o curativo ao acordar e recebia todos os cuidados de Escar como um paciente estranho de um médico desconhecido. Os dias se seguiram em meio a fuga desenfreada e o silêncio que pairava entre os dois. Marcus já compreendia um pouco o comportamento de seu fiel ajudante.

Não adiantaria tentar conversar com Escar sem ele demonstrar o menor interesse nisso. Marcus também não se sentia à vontade naquele momento. O abalo inicial de ter sido salvo foi dando lugar a um desconforto maior que a dor física. Não havia como agradecer tudo o que Escar estava fazendo por ele.

E dentre tantos pensamentos confusos e conflituosos que haviam tomado conta do seu ser nos últimos dias, uma certeza não mudara e se intensificara: Escar era seu verdadeiro amigo.

***

Conforme as tempestades de neve iam reduzindo e um cenário menos esbranquiçado e mais plano ia surgindo à frente, Escar aumentou o tempo de cavalgada.

Mas seu garrano não aguentou tamanho esforço e caiu se debatendo com a agonia da morte. Isso obrigou os dois fugitivos a usarem o mesmo animal, que a qualquer momento também sucumbiria ao cansaço.

Marcus transitava entre a lucidez e o torpor causado pelas febres e os pequeninos sangramentos de sua ferida. Sentir a vivacidade da proximidade do corpo de Escar na mesma montaria lhe era melhor que qualquer unguento para o seu coração.

***

Escar havia conseguido algumas ervas que misturadas ao lodo do fundo de um riacho em degelo, formava uma pasta. Ele passou a mistura sobre o ferimento da perna de Marcus após limpá-lo e o envolveu em tecido novamente.

Conseguir alimentos era cada vez mais difícil, e sem a nevasca como camuflagem, as fogueiras não eram mais uma opção segura. Somente com um cavalo para os dois, a viagem se tornou mais lenta, mas as montanhas já haviam sido deixadas para trás.

Ao fim de uma tarde, enquanto Marcus descansava um pouco, Escar chegou com dois enormes ratos abatidos em mãos. Retirou toda a pele deles e entregou um para o incrédulo Marcus.

- Não vai ao menos cozelos?

- Não podemos ter fogo, isso vai dar nossa localização.

- Nós saímos à cavalo há dias! Eles não tem transporte de nenhum tipo!

- Coma. - respondeu Escar calmamente, já começando a saborear o seu alimento. Mas Marcus não deu ouvidos.

A Águia (EM REVISÃO)Where stories live. Discover now