XIV - Mar de Prata

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O grupo desce a encosta. À frente, o líder é seguido de perto pelo traidor. É o único que não está todo de cinza, mas não faz diferença. - "Ele é um deles".

Marcus não quer pensar nisso. Eles caminham descendo em direção ao mar. É tudo tão estranho, tão diferente e tão bonito também. O céu está encoberto por densas nuvens, mas é possível perceber a presença do sol. Não há azul ou amarelo, somente o cinza e o infinito.

Ele já ouvira falar no imenso mar azul por onde homens corajosos se arriscaram a encontrar outras terras, mas somente sentiu despertar um profundo interesse em vê-lo depois que Betseba lhe contou de sua longa travessia.

Ela, sua família e tantas outras pessoas saíram do porto onde havia areia rodopiando pelo ar e dias depois chegaram ao cais pedregoso e embranquecido por calcário. Ela fez a viajem pelas águas parecer turística, mas eles eram somente cativos.

Neste momento o grupo fazia uma curva estreita entre o monte e o mar num despenhadeiro íngreme. Marcus tropeça de vez em quando; não está acostumado aquele terreno, não está acostumado ao ritmo e está descalço. Sempre que cai é arrastado. Já tem bastante escoriações pelos braços e sente os joelhos e as canelas feridos.

Não dá para pedir para irem mais devagar, eles não entendem sua língua e ele muito menos a deles. O seu outrora intérprete está muito a frente conversando com o líder deles. Parece ter esquecido de sua presença. Está muito à vontade. E Marcus gostaria de esquecê-lo também. Sua única distração é o mar.

Aqui não é azul como imaginava, mas está nas mesmas condições que ela descreveu quando o viu pela primeira vez: calmo e belo. Porém, admirá-lo é uma distração perigosa. Sempre que desvia o olhar para ele se perde na sua calmaria e cai.

O sujeito que está lhe puxando parece irritadiço. Os que estão atrás de si vão rindo. São ao todo treze homens pintados e quatro cães acompanhando o bando.

Marcus vive uma nova sensação, algo que já presenciou inúmeras vezes, porém sem relevância. Em todos os momentos de tensão, desde antes, durante e depois das guerras, sempre houveram os prisioneiros. Mas ele os evitava a qualquer custo.

Sabia o que acontecia a muitos. Das torturas, xingamentos, abusos e humilhações até os assassinatos, mas havia sempre algo pior. No caso dos cativos de romanos, era se tornar um escravo.

Ele sempre achou que se algum dia isso viesse acontecer consigo, optaria por tirar sua própria vida, mas era uma ideia tola e sem o menor sentido. Com o tempo foi evitando tais pensamentos da mesma forma que evitava seus prisioneiros. Os deuses não perdoam o suicídio. Tinha que lutar por sua vida até quando ela não fizesse sentido.

Marcus cuidava para que os prisioneiros que estivessem sobre a sua supervisão fossem tratados com o mínimo de dignidade, mas sabia que os soldados poderiam ser muito cruéis quando não estivessem sobre o olhar atento de um supervisor. E isso ocorria quase sempre. Só agora percebia o quanto era omisso. E este, talvez fosse o seu castigo por aquilo.

Após deixarem em definitivo qualquer área mais elevada, eles chegaram a uma planície onde a terra dividia espaço com vários lagos e partes mais arenosas. Ao longe era visível o acampamento margeado pelo mar com várias ilhotas espalhadas. Todas as tendas montadas estavam revestidas com pêlos de animais, distantes umas das outras.

A maior ficava mais próxima da praia, havia um espaçamento bem grande até chegar ao mar. De frente para a praia estava um enorme rochedo pontiagudo na água com uma entrada quase triangular.

As pessoas olhavam o grupo chegando e começavam a se amontoar para onde eles estavam se dirigindo. Todos os homens tinham a mesma pintura e o tipo de vestimenta em diferentes proporções. Alguns vestiam somente até a cintura, outros tinham uma alça que ia até um dos ombros, outros cobriam o corpo todo e alguns possuíam até capuzes.

A Águia (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora