XV - Rito de Traição

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Quando acordou, Marcus viu diversas frutas e queijo numa tábua de madeira lustrosa. Alguns minutos se seguiram na indecisão de tocar em alguma coisa.

Desde que ali chegara, só havia recebido duas refeições por dia e nenhuma era tão esplêndida como aquela. Escar entrou na tenda e lhe contou que essa era uma das regalias a qual ele teria direito ao longo desse dia. Explicou que havia se ausentado por ter acompanhado os demais homens da tribo nas caçadas. A região que habitavam era herma demais e encontrar alimentos tornava-se impossível durante as nevascas.

- Eles não caçam durante o inverno. Só que no verão passado eles não conseguiram muita coisa. Mas assim que a neve cair eles ficarão somente por aqui. - disse Escar.

Marcus que começava a comer, conseguiu notar um certo nervosismo nele. O fato dele estar tão falante era incomum. Marcus tinha muitas dúvidas para sanar, mas enquanto ouvia sobre os costumes da tribo, tudo foi deixando de ter importância. Este era um dia para esperar a morte. Mas Escar continuou falando.

- Somente em último caso eles partem para regiões mais quentes ao Sul. Precisam caçar antes da neve cair, a chuva branca é um mal agouro e...

Marcus o interrompeu.

- Porquê está me contando essas coisas? Eles que te mandaram ou você mesmo quis vir?

Escar o encarou e depois voltou a olhar para os objetos em suas mãos, estava com a adaga e um pequeno osso a ser lapidado. Marcus emendou sentindo-se rancoroso.

- Em Roma nós sacrificamos animais como oferendas, mas não ficamos atormentando eles, nem sequer deixamos uma cabra ou um boi ver o cutelo que ceifa suas vidas. Se terá de ser você minha última companhia neste mundo... prefiro que seja em silêncio.

Escar levantou-se e saiu da tenda não retornando mais.

***

Após o desjejum, Marcus foi para o mesmo lugar onde havia passado a maior parte dos outros dias. O garotinho também foi juntar-se a ele. Parecia gostar de sua companhia.

As nuvens estavam se dissipando. O sol ainda permanecia encoberto, mas algumas aberturas no céu azul indicavam que nesta noite haveria o aguardado luar.

Ao entardecer, o menino lhe chamou com um gesto de mão e Marcus o seguiu. Ele foi conduzido até o mar onde o garoto indicou que Marcus deveria entrar.

- Bân-nharr. - dizia ele. - Roman, bânnhar!

Marcus assentiu entendendo a ordem. A temperatura já devia estar muito abaixo do primeiro dia em que ali esteve. A neblina subia onde a água estava parada. Mas não havia escolha.

Ao longe alguns dos homens estavam chegando. Marcus retirou a vestimenta e entrou na água congelante. Tentou pensar nas casas de banho e suas piscinas de fontes termais, ou nas saunas com o vapor quente do ambiente. Mas nada daquilo o ajudava.

Lavou-se o mais rápido que pôde e saiu às pressas da água pegando a vestimenta e andou para a tenda na tentativa de logo se aquecer. Sua então prisão era mantida quente pelo braseiro no centro sempre aceso.

Enquanto tremia no chão coberto por pêlos macios e cobrindo-se com o único agasalho que possuía, Marcus rezou antes que a escuridão tomasse conta de tudo.

O sol já devia ter quase desaparecido e uma fraca e pálida luz alaranjada se projetava sobre o rosto dele através da fresta na entrada.

- Senhor da Luz. Pai de nossos pais. Obrigado por me trazer até aqui. Guie meu tio... perdoe minha mãe. - trêmulo e tomado de emoção continuou. - Senhor da Luz, proteja as crianças deste lugar. Me receba em seu lar. Me permita encontrar a alma imortal de meu pai. Ilumine Escar... Escar... Escar...

A Águia (EM REVISÃO)Where stories live. Discover now