As Várias Faces da Morte

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Água.
Uma água extremamente gelada caiu sob o corpo de Alissa e ela acordou, dando um grito estridente.
Caída no chão de um quarto sujo e sem mobília, ela rastejou rapidamente para o canto de uma parede, levou a mão ao peito assim que descansou as costas na parede, e se assustou ao ver Guilhermo com um balde vazio na sua frente.
Ele sorriu e jogou o balde para longe.

- Até que enfim você acordou.

Alissa soluçou e levou a mão aos lábios, lutando contra a vontade de chorar e confusa com o que tinha lhe acontecido.
Guilhermo se divertia com aquilo de uma forma incansável.

- Você não faz idéia do quanto eu fiquei feliz quando te matei.

Alissa esfregou os olhos e grunhiu, enlouquecida de medo.

- Se você me matou mesmo, o que eu faço aqui?!

Guilhermo soltou uma risada breve e deu de ombros, o que movimentou levemente as suas asas.

- Eu pensei que seria mais divertido lhe matar várias vezes e de muitas formas. Garanto que posso lhe curar se não perder a contagem do tempo.

Alissa gemeu com o seu destino e se encolheu mais ainda, se tornando um montinho sujo no canto da parede.
Logo, o choro dela foi inevitável, e as perguntas voltaram a surgir em sua mente.

Eu mereço todo esse sofrimento?
Por que ninguém vem me ajudar?
Quantas vezes eu morrerei e reviverei para que possa, enfim, ser perdoada?!
Eu sofro a dor da morte, mas não tenho direito a descanso, ao contrário, acabo voltando para este inferno.

Guilhermo voltou a sentir raiva, agora do modo que ela se encolhia e fingia que ele não estava ali.
Então, os olhos estrelados dele ganharam chamas, e uma outra chama, bem maior, surgiu em sua mão direita.
Alissa engasgou e voltou seu olhar desesperado para ele à tempo de ver o fogo vir em sua direção.
Porém, ela não teve tempo de se afastar, e fogo lhe atingiu em cheio.
Seus gritos puderam ser ouvidos por cada um que se encontrava no castelo do Rei Vermelho.

Trevor estava nos portões de saída do seu castelo, e sentia uma aflição cada vez mais intensa em seu coração.
Muitos seres mágicos, elfos, duendes, fadas, homens-urso e homens-tigre, andavam para todos os lados, atentos aos seus afazeres para proteger o reino enquanto o Rei estaria fora.

- Soberano. - A Lebre veio até ele e apontou para Aragon em cima do seu chapéu. - Espere um momento, é hora do conselho.

Trevor assentiu e sorriu brevemente para eles, se tornando atento ao que Aragon diria em seguida.
E Aragon, sábio e misterioso como era, soprou a sua costumeira fumaça de tabaco e disse:

- O conselho é este; Nada pode ser feito quando não se pode fazer nada.

Prendendo o riso, e devo dizer, com extrema força, Trevor assentiu e fez uma pequena reverência à sabedoria de Aragon.

- Este sim é um belo conselho.
Muito obrigado, Aragon.
Lebre, tenha cuidado.

Ele ia para além dos portões e já olhava para o céu, quando Maise ficou ao lado dele.

- Estou logo atrás do senhor, Soberano.

- Não, Maise. - Ele ergueu sua mão para o céu e um anel de pedra dourada e quadrada brilhou mais forte. - Fique aqui e cuide do meu amado povo. Eu não sei o que faria se voltasse para casa e os encontrasse machucados por minha culpa.

- Mas, Soberano. - Ela se colocou na frente dele, fazendo ele parar de andar. - E se ela quiser ficar lá?

Trevor franziu o cenho, não compreendendo aquela pergunta.

- Explique-se, Maise.

Maise baixou sua enorme cabeça de rato, e sua voz soou temerosa.

- Eles se parecem, Soberano. Ninguém neste mundo ama o Rei Guilhermo e a Alissa. Por isso, me pergunto, e se ela estiver feliz ao lado do...

- Pare. - Trevor a interrompeu de imediato, e Maise ergueu sua vista para se deparar com a mágoa no olhar dele. - Ninguém neste mundo conhece Alissa como eu, portanto, não tem como saberem se podem amá-la ou não. E não volte a cogitar a possibilidade de Alissa se casar Guilhermo, isto foi muito impensado da sua parte, Maise, e me decepcionou profundamente.

- Perdão! - Maise caiu aos pés dele e chorou escandalosamente, chamando atenção de todos ao redor. - Soberano! Eu lhe peço perdão por ter pensado deste modo, meu Rei!

- Maise. - Ele se abaixou e ajudou ela a levantar. - Ora, deixaremos isto de lado. Acalme-se agora, está bem?

Um forte rugido veio do céu, e em seguida Maise avistou o enorme Dragão Dourado voando na direção deles.
Ela engoliu em seco e seus olhos chorões sobressaltaram de ansiedade.

- O Dragão Dourado é a arma mais poderosa deste mundo.

- Oh não. - Trevor esperou o dragão pousar, um ser tão grande que não se via o fim de sua calda espinhosa, ou poderia medir o comprimento de suas asas. - Ele não é apenas uma arma, ele é o meu amigo.

Trevor foi até o Dragão Dourado, que se manteve inerte, esperando por ele.
Quando ele alcançou o dragão, a altura do animal era tanta que não havia como subir até o seu lombo.
Mas bastou apenas um estalar de dedos para que Trevor se visse sentado próximo ao pescoço do dragão, que bateu as suas asas e voou com imponência.

No castelo da Rainha Branca, Gottan estava diante de uma majestosa placa de gelo que vinha do teto até o chão da sala particular de reuniões.
Seu semblante preocupado refletia na placa de gelo, e atrás dele, também refletida estava Bianca, contorcendo as mãos, aflita.

- Me diga... - A voz dela soou baixa e trêmula. - ... Ele está maltratando ela?

- Maltratando? - Gottan repetiu a palavra, sentindo um amargo na boca seca. - Guilhermo está matando ela e lhe curando sem parar, ele está brincando com a vida daquela garota como se fosse o dono dela.
Maltratando? Você não faz idéia do que a Alissa está passando.
Aquele castelo está jorrando o sangue dela, e nosso filho não se cansa, ele parece cada vez mais feliz em destruir o corpo e a mente dela.

Bianca levou a mão à testa, impactada com as notícias.

- Boatos. - Ela retrucou. - Guilhermo pode ser maldoso às vezes, mas eu conheço o meu filho e sei que ele jamais faria tamanha crueldade.
E mesmo assim, ela sempre foi muito petulante e ingrata com qualquer um, e todos devem pagar pelo mal que fazem.

Gottan voltou seus olhos para Bianca, seu rosto se contorceu de ódio por ela.

- E quando você pagará por todo o mal que já fez, Bianca?

Bianca engasgou e deu um passo para trás, vacilante e temerosa com o seu destino. Porém, Gottan foi até ela e segurou seu pulso, fazendo com que ela se virasse e olhasse em seus olhos.

- Você deve pensar que eu também terei muito o que pagar, de fato, eu nunca fui bom. No entanto, estou tentando fazer a coisa certa e quero você ao meu lado porque, por... porque eu amo você, Bianca.

Bianca manteve seu olhar fixo no dele, e chorava em silêncio, agora surpresa por ouvir aquela declaração de amor.

- Eu ... - Ela fechou os olhos com força e baixou sua vista. - ... Eu estou tão cansada.

No momento seguinte, Bianca estava nos braços de Gottan, encolhida no peito dele como se fosse uma menina frágil e medrosa.
Gottan sobressaltou os olhos, perplexo pela atitude dela, e um sorriso surgiu em seus lábios, estando mais feliz do que jamais esteve antes.
Bianca não havia dito que mudaria as suas atitudes, não disse que ficaria ao lado de Gottan dali em diante, mas Gottan estava satisfeito por ver que ela baixou a guarda e veio buscar carinho nos braços dele.
E mais uma vez ele reforçou a sua promessa de que, o que quer que acontecesse, ele jamais desistiria dela.

Alice e o Chapeleiro 2 (Em Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora