O Rei Vermelho

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Alissa admirava a vista da varanda e notava que a escuridão se aproximava depressa.
Guilhermo permanecia na mesma poltrona, agora muito quieto e pensativo.
Ela temia as mudanças de personalidade dele, pois, se em um momento eles conversavam, no outro ele apontava uma espada para o queixo dela e lhe machucava.
Aliás, o queixo de Alissa não ardia mais com o corte, e aquilo se dava por causa do próprio Guilhermo, que mais uma vez havia mudado de humor de repente, ordenou que a ferida dela se curasse.
O cenho dela se franziu, unindo as sobrancelhas em uma expressão de frustração.

Por que ele fala comigo, se torna calmo e educado, e depois me machuca cruelmente unicamente para me curar de novo?
Como alguém pode mudar de humor tão rapidamente?!
Isso me deixa tão irritada! Mas sei que ele pode me machucar de várias formas, e preciso ter muito cuidado.
Ah, o problema é que eu não gosto de medir as palavras quando falo com alguém.

Alissa arqueou as sobrancelhas quando se deu conta de que o céu colorido já havia mudado, estando negro com estrelas extremamente brilhantes.
De imediato, seus olhos se encheram de lágrimas e não demorou que ela as enxugasse com a manga do vestido.

- Você é tão chorona. - Guilhermo falou de sua poltrona, agora coberto pelas sombras. - Talvez eu deva arrancar os seus olhos para que você pare com essa maldita choradeira.

Alissa engoliu o choro e se virou para vê-lo, tomando com o que viu naquele momento. Os olhos estrelados de Guilhermo brilhavam intensamente, pois a Escuridão e suas estrelas magníficas faziam parte daquele olhar.
Foi inevitável para Alissa sentir o rosto esquentar, a boca secar e o coração dar uma batida, descompassado. Logo ela ouviu a breve risada sombria dele e um arrepio subiu por suas costas.

- Típico de menininhas tolas. - Ele falou ainda imerso na escuridão, e seu olhar brilhante pareceu travesso. - A sua admiração pela beleza alheia pode lhe levar facilmente à desgraça. Corando para o seu carrasco, que estúpida.

Alissa fugiu daquele olhar, voltando a admirar o céu estrelado, mas aquele gesto não foi o suficiente, já que aquele céu era exatamente igual ao olhar de Guilhermo.

- Eu jamais me apaixonaria por alguém como você. - Ela respondeu, agora mantendo seu olhar no chão da varanda. - E sinceramente, eu não entendo como a minha mãe pôde lhe amar tanto. Ah sim, você teve que enfeitiçá-la para ser amado, não foi?

Assim que disse essas palavras, Alissa se arrependeu e engoliu em seco, percebendo que jamais, nem que fosse obrigada, conseguiria medir as palavras para falar com qualquer um.
Mas ao contrário do que ela pensava, Guilhermo não voltou a lhe ameaçar, e sim voltou a dar a sua risada sombria.

- Já você, pirralha medíocre, nem fazendo o melhor dos feitiços poderia ser amada por alguém.

Alissa engasgou ao ouvir aquilo, e sentiu-se extremamente magoada.
No entanto, sendo o grande Rei Vermelho que era, Guilhermo não se importou com a mágoa dela e continuou a falar.

- Veja que interessante.
Eu mato, maltrato, e humilho todos eles, logicamente dando todos os motivos para ser odiado. - Ele sorriu e seus olhos estrelados se tornaram duas bolas de fogo azulado. - Mas você não faz nada disso, não mata ou machuca ninguém, e ainda assim todos te odeiam unicamente por você ser quem é. A sua medíocre existência é motivo suficiente para você ser odiada.
Sendo a filha de quem é, do maior de todos os meus inimigos, a sua deplorável situação só poderia me deixar satisfeito.

Alissa se voltou para ele, desta vez furiosa, ainda que derramasse suas lágrimas mais frias.
A voz dela saiu embargada e baixa, mas o ódio por ele podia ser expressado em cada uma de suas palavras.

- Eles não são mais os meus súditos, eu não preciso que eles me amem. Aliás, eles nunca foram os meus súditos, e sendo assim, eu não me importo se não sou amada por ninguém aqui. Mas se todos me desprezam, você não é diferente de mim! Os seus súditos odeiam você! Ninguém ama você também! E o que você fez com o Trevor, aquilo nunca terá perdão!

- Patética. - Ele abanou a mão, desdenhando dela. - Agora, depois de fugir e deixar aquele mundano aqui para resolver os seus problemas, você vai fingir que se importa com o que eu fiz ele?!

- Eu me importo! - Alissa exclamou, mas a vergonha de ter ido embora ainda a consumia.

- Mentiras. - Ele respondeu. - Se você se importasse com ele não teria ido embora. Eu bem que avisei aquele mundano inconseqüente que você não tinha caráter algum. A verdade é que eu deveria ter arrancado a cabeça dele, assim ele jamais teria erguido aquele maldito trono.

- Você... - Alissa estava enojada com tudo o que ouvia. - Você diz que ninguém aqui me ama, mas não tem como eu ser pior do que você, garanto que ninguém nunca poderia amar um monstro.

- Eu não preciso que ninguém aqui me ame! - Guilhermo ficou de pé e foi até ela, que deu passos para trás e bateu as costas no peitoral da varanda. - Somente o amor de uma pessoa me interessa! Estou pouco me importando com a vida desses imundos! A Alice é a única que eu quero! Nada além disso merece a minha atenção!

Guilhermo prendeu Alissa ali e agarrou o pescoço dela, cego de raiva e apertando cada vez mais.

- Monstro?! Você nunca me viu arrancar uma cabeça para me chamar assim, você ainda não viu nem a metade do que esse monstro é capaz de fazer.

Alissa estava sem ar e muito vermelha, e acreditou que finalmente ele havia se cansado dela e que estava diante do seu fim.
Porém, Guilhermo lhe soltou e ela caiu no chão, tossindo e tentando respirar a maior quantidade de ar possível.

- Ordeno que se cure. - Ele falou e ela voltou a respirar normalmente, mas aflita com o monstro que se encontrava em sua frente.

- Você é louco. - Ela se encolheu e juntou os joelhos junto ao peito, os abraçando e chorando copiosamente, transtornada. - Você é doente. Me mate.. - Ela escondeu o rosto e soluçou em meio ao choro intenso. - Eu não suporto a sua loucura! Me mate de uma vez!

Guilhermo franziu o cenho ao ver que Alissa repetia aquelas mesmas palavras, realmente enlouquecida de medo dele.
Então ele se perguntou se deveria mesmo matá-la, ou se continuaria a enlouquecê-la um pouco mais.

É tão fácil manipular essa garota que chega a me dar tédio.

Fraca.

Chorona.

E burra.

Esta medíocre não se parece em nada com a mãe.
Devo mesmo matá-la já que ela não serve para nada.

Guilhermo tirou sua espada vermelha da bainha e a ergueu, pronto para seguir com o seu instinto.

Alissa ergueu seus olhos verdes e aflitos para ele, o medo lhe deixou paralisada, e no momento seguinte, a espada atravessou o seu coração.
A dor foi insuportável, sua boca expeliu sangue e um frio desceu de sua cabeça até os seus pés.
Logo, Alissa fechou os olhos pesados e cheios de lágrimas, e um último suspiro mesclado a um gemido escapou de seus lábios ensanguentados.

Alissa morreu pelas mãos de seu inimigo, na época da escuridão, e o País das Maravilhas sequer notou isto.
Até mesmo depois da morte, ninguém se importou com ela.

Alice e o Chapeleiro 2 (Em Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora