Seja Digna

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Alissa tentou segurar o ombro de Trevor, mas ele se levantou depressa e deu as costas ao corpo do Elefante e a ela. O silêncio era cortado pelas fungadas dele e suas pisadas nas folhas secas.
Alissa correu atrás dele pela floresta, seus olhos ardiam pela fumaça negra, e ainda que ela o chamasse, ele não lhe dava atenção.
Trevor ajudou um grupo de fadas a soltar uma pequena fada que estava presa entre os galhos recém apagados do fogo, e em seguida guiou Gnomos Finenses para uma trilha livre da fumaça. Seus passos eram ouvidos em todos os lugares, como se de repente ele tivesse se tornado muitos de si mesmo, desesperado para livrar cada um ali do fogo.

- Fale comigo, Trevor! - Alissa o alcançou e segurou o pulso dele com força, fazendo com que Trevor se virasse para finalmente encará-la.

Vendo os olhos de Trevor, Alissa paralisou um segundo, pois jamais havia visto tanta dor refletida neles.

- Trevor. - Ela engoliu em seco, não sabendo o que dizer a ele depois de ver aqueles olhos vermelhos de tanto chorar.

- Nós temos que ajudá-los. - Ele livrou seu pulso do aperto dela e continuou a fazer o seu trabalho, agora um tanto perdido na floresta.

- Eu sei que você está preocupado em ajudar todos eles, mas eu estou preocupada com você! Converse comigo, Trevor! Eu preciso saber o que está acontecendo com você! Exijo que você ...

- Sempre egoísta! - Trevor se voltou contra Alissa, sua raiva era tão grande que ele avançou na direção dela apontando seu dedo em repreensão. - Você precisa conversar comigo agora?! Precisa?! As pobres criaturas desta floresta estão queimando vivas e você precisa saber o que está acontecendo comigo?! Você exige respostas?!

- Eu... - Ela deu um passo para trás, envergonhada e receosa.

- Eu mal os conheço. - Ele apontou para a floresta, ainda que não deixasse de encará-la. - Mas eu não consigo evitar esquecer de mim mesmo para ajudá-los. Você consegue entender isso, Alissa?! Inocentes estão morrendo queimados, e não existe dor maior do que essa! Então pare de pensar nos seus problemas, nas suas exigências e se importe mais com o seu povo! Por que esse é o seu povo! Eles precisam de você!

Em choque, Alissa tentou falar, mas as palavras saíam como resmungos, de tão nervosa que ela estava. Por fim, ela soltou um grunhido de raiva e deu uma forte pisada no chão.

- Eu estou tentando fazer a coisa certa, mas será que você não vê que é difícil para mim?! - Ela segurou a camisa dele, ficando próximo o bastante para sentir o calor e raiva que emanava de ambos. - Você acha que eu quero que eles sofram?! Eu não quero ver ninguém sofrendo, muito menos você!

- Você não apagou as chamas. - Ele disse entre dentes.

- Eu ordenei, Trevor. - Ela tinha súplica no olhar. - Mas as chamas continuaram, eu não podia fazer mais nada.

Trevor segurou os pulsos dela, engoliu em seco e sentiu um gosto amargo na boca.

- Você já fez muito mais que isso. Você atravessou uma parede, fez a Wendy desaparecer quando a tocou, e fez surgir grandes asas negras em suas costas. Tudo isso você já fez e foi há pouco tempo atrás, mas apagar algumas chamas, as chamas que matam inocentes que vêem esperança em você, não, isso você não é capaz de fazer!

Alissa sobressaltou quando ele voltou a dar as costas à ela e entrou na floresta.
De repente ela se sentiu pequena, muito pequena perto da nobreza e grandeza dele.

Ele parece mesmo pensar como um Rei. O melhor de todos os Reis.
Por que eu não consigo ser como ele?
Por que eu não tenho o dom para as coisas boas?!
Eram chamas, apenas algumas chamas que eu poderia apagar, mas por que eu não consegui fazer a coisa certa?
Esse Elefante morreu por minha causa? Quantos mais deles morreram por que eu não sou capaz de ordenar?
Por que eu ainda não sou digna?!
Minhas costas sangraram, eu quase morri! O que mais esse mundo idiota espera de mim?!

Alissa bateu na cabeça ao se dar conta de que havia agido errado mais uma vez.

Não, este mundo não é idiota, eu sou! Meus pais viveram aqui, e eles me repreenderiam com toda razão por ter pensado desta forma.
Será que nem os meus próprios pensamentos errôneos eu posso controlar?
Por mais que eu tente, as minhas atitudes continuam sendo mesquinhas, egoístas, e por Deus, sinto que isto nunca vai mudar.
Tudo de errado parece vir até mim como se eu fosse um ímã, e esses erros entram no meu corpo e me fazem sentir um lixo.

Por que eu não consigo ser boa?
Eu me odeio tanto!

- Alissa. - Gottan passou por ela, seguido de Maise e a Lebre. - O garoto, obviamente, tem razão.
Vamos o seu povo.

Alissa observou eles irem para dentro da floresta, seu coração batia descompassado, seus olhos permaneciam sobressaltados, e no segundo seguinte, ela correu em prantos para dentro da casa.
Seus passos eram firmes e ágeis pela sala de estar, ela procurava algo que encontrou em cima da mesinha próximo à lareira.
Alissa pegou a Espada Real e seus olhos brilharam intensamente no tom verde, emanando uma luz intensa que os queimou.
Seus lábios entreabriram, e mesclado à um soluço ela gritou.

- EU DESISTO!

Um forte estrondo ecoou por todos os lados, fazendo com que todos na floresta voltassem seus olhos para a casa.
Trevor paralisou assustado, milhares de coisas passaram por sua cabeça em poucos de imediato, mas um medo maior fez seu peito gelar.

- ALISSA!

Alissa sentiu seu corpo frio ser lançado para fora de algum lugar gelado, e em seguida caiu no chão de grama verde.
Ela estava completamente encharcada, tremendo de frio e com os longos cabelos ruivos grudados em seu rosto.
Seus gemidos de dor intensificaram quando ela se moveu e olhou ao redor. Em um primeiro reconhecimento ela viu a cerca de madeira branca, em seguida o jardim florido, e por último a casa de madeira em que sempre morou.
Ela sentou na grama e seus olhos assustados se voltaram para a Espada Real jogada ao seu lado.
Alissa agarrou a Espada e gaguejou ao falar.

- Eu.. Pai.. Eu.. Eu estou em casa?

- Alissa! - A voz de Alice se infiltrou nos ouvidos de Alissa, e ela se virou para encarar a mãe ali, já derramando suas lágrimas de alegria.

Alissa sentiu que havia engolido tudo o que pensaria em dizer quando encontrasse a mãe outra vez, tentou ficar de pé mas suas pernas tremiam de mais para que ela conseguisse.

- Mãe.. - Alissa chorou com tanta intensidade e cansaço que se encolheu e teve um ataque de nervos e soluços.

Então ela sentiu os braços da mãe em volta do corpo dela e gritou o mais alto que conseguiu, entregue ao inferno que a sua mente havia lhe lançado.

Eu errei outra vez.

Por minha culpa, por ser uma fraca, a minha mãe vai morrer!

Alice e o Chapeleiro 2 (Em Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora